16 de abril de 2024
Editorial

Uma CPI como as outras?

Eu bem que tentei não escrever sobre a “CPI do fim do mundo”, mas realmente não consegui. No entanto vou tentar mostrar o funcionamento, a mecânica desta CPI e porque eu acho que ela acabará como as outras.

Foto: Google Imagens – BBC

O nível dos participantes, tanto da mesa quanto os demais, deixa muito a desejar. Eu não estou falando em nível cultural, nem educacional, quero me ater à forma com que os senadores, aí incluso o relator, se dirigem aos personagens convocados, convidados ou testemunhas. Agressivos, deseducados com pessoas que foram ali para esclarecer fatos. Não são criminosos perigosos. Podem até ter errado na condução de seus trabalhos, mas isso não dá o direito aos senadores de os tratarem da forma como estão sendo, particularmente pelos senadores da oposição.

Precisamos entender como é o trabalho de uma CPI. Como são feitas as investigações a partir dos fatos extraídos dos depoimentos. Depende de uma análise organizada dos documentos, dos fatos, montando uma linha do tempo, fazendo perguntas precisas para obter respostas também precisas. Importante: prestar atenção nas respostas para que na próxima pergunta ele não receba uma resposta assim: “já respondida na pergunta anterior”. Perguntas em repetição. Um senador não ouve as perguntas do outro e faz a mesma pergunta porque está no papel que lhe entregaram as perguntas.

É óbvio, pelo menos pra mim, que não são os senadores que as preparam porque a gente nota claramente que a lista dos questionamentos está sendo lida no momento pela primeira vez. Além disso há perguntas que não se prestam a nada, cujas respostas serão tão óbvias que era melhor não ter indagado.

Vamos fazer perguntas que façam sentido. Um exemplo claro são as perguntas do tipo “o senhor acha que…”. Isto não é para investigar, só para aparecer. Por exemplo, foi perguntado ao ex-chanceler Ernesto Araújo se ele achava que as suas atitudes no Ministério da Saúde afetaram negativamente a compra das vacinas. Ora qual a resposta que ele pretendia? Será que o ex-Ministro das Relações Exteriores diria: “Sim, senhor relator, todas as minhas atitudes atrapalharam muito a compra”. Alguém responderia assim? Claro que a resposta foi um sonoro NÃO, NÃO ACHO!

Outra: “O senhor acha que a relação próxima do Presidente Bolsonaro com o ex-presidente Donald Trump prejudicou a relação do Brasil com o novo presidente dos EUA”? Alguém pensaria em obter uma resposta do tipo “sim, claro, prejudicou demais, senhor relator, os EUA jamais pensariam em doar vacinas ao Brasil”… óbvio que ganhou de novo a mesma resposta: NÃO, NÃO ACHO!

As perguntas opinativas não levam a lugar algum. As perguntas têm que ser encadeadas para que ao final se possa tirar uma conclusão. O que a testemunha acha de nada adianta. Deve-se perguntar sobre fatos ocorridos, datas, conversas e não a opinião da testemunha.

Outro erro: numa CPI com grandes figuras a serem questionadas, de que adianta levar logo de início aquelas que se supõe que sejam as testemunhas-chave do que se pretende apurar. É melhor você convocar pessoas que participaram dos fatos não tanto na forma de comando, para que relatados os fatos, ao se convocar aquelas testemunhas principais, você possa confrontá-las com fatos já apurados para obrigá-los a cair em contradição. Isto se chama estratégia.

Precisa haver uma pesquisa pré-CPI para coleta de documentos, fatos, pessoas presentes em determinadas datas para que, aí sim, de posse destes documentos elaborarem as perguntas de modo a poder confrontar as pessoas envolvidas, mas com provas à mão. Tipo: “o senhor assinou a carta com a negativa de compra de vacinas da China”? Se eu tiver o documento com a assinatura e ele responder “não”, eu posso confrontá-lo e desmenti-lo imediatamente com a mostra do tal documento.

Sobre o que aconteceu na Amazônia as perguntas foram hilárias. Eles estavam interrogando o Ministro das Relações Exteriores, que só foi a Manaus para tentar resolver o imbróglio dos refugiados e manter conversas com a Venezuela que queria ajudar na compra de oxigênio, mas queria mundos e fundos em troca. Típico do Maduro.

Quem quer investigar tem que trabalhar e não fazer show para a mídia.

Evidentemente, todos até agora que foram interrogados mentiram. Uns mais, outros menos e como não se tinha em mãos, fatos e documentos que provassem as mentiras, ficavam lembrando ao perguntado – desculpem o termo – “o senhor está sob juramento” e o presidente da CPI dizendo de novo “o senhor está faltando com a verdade”. Mas também não prova. Daí cai no vazio.

A palavra ilação nunca foi tão usada. Eles a usam para parafrasear o termo “mentira”, o que não é seu real significado. Ilação é aquilo que se conclui de fatos e afirmações: inferência, dedução, indução, conclusão, consequência, corolário, decorrência, resultado, solução, entrelinhas, induzimento. Onde está a mentira acima? Não existe e eles, solenemente, usam ilação com a conotação de mentira.

“Faltar com a verdade” é “mentir” e, se o confrontado estiver como testemunha, é crime de perjúrio, mas eu preciso provar, mas “ouvir dizer” não é prova. Gravação, autorizada pelo Judiciário, sim… documentos, provas testemunhais, sim…

Não, não quero aqui, longe de mim, ensinar técnicas de interrogatório como ensinavam à minha época nas faculdades de Direito, mas tem que ser claro nas perguntas, que devem ser específicas, curtas e claras para que a resposta seja a que eu queira ouvir.

Há uma norma no Direito que orienta os advogados, desde o 2o período: “Nunca faça uma pergunta a uma testemunha se você, antecipadamente, não souber a resposta”. Pode parecer estranho, mas é isso mesmo… eu posso perder minha causa numa pergunta com uma resposta inesperada. Por isso o advogado prepara sua testemunha, fazendo às vezes de advogado do diabo. Interrogando sua testemunha, como se ele fosse o advogado/promotor contra seu cliente.

Bem, voltemos à CPI, desculpando-me de novo pela prolixidade – acho que é outro neologismo -, mas assumo que sou prolixo… outro lema que aprendemos na Faculdade de Direito é, em latim: “Quod abundat non nocet”, que significa, para simplificar: O que abunda não prejudica. É melhor sobrar do que faltar.

O relator fica dando opiniões, a torto e a direito, e não lhe cabe isto no momento. Lugar de ele expressar sua opinião é no plenário do Senado e não como relator da CPI. Sua função ali é interrogar, confrontar e colher fatos e provas e preparar o relatório para a votação, concatenando TODOS os depoimentos, citando-os e criticando-os em seu trabalho final.

O relatório tem que ser o resultado da apuração e se o trabalho for mal feito, o resultado também o será. Não deve haver espaço para discursinhos e críticas ridículas.

Outro exemplo: Qual o crime em se ter (se é que há) um “gabinete paralelo”? Qual o crime do presidente em ouvir seus filhos? Pode ser indevido, mas não é crime. O presidente é obrigado a conversar com o Ministro da Saúde apenas sobre problemas de saúde? Conversar com o Ministro das Relações Exteriores só sobre problemas internacionais? Claro que não. Quando você tem um problema, você liga para um amigo e ele, se puder, te ajuda, ou no mínimo te escuta… não há crime nisso… não há em qualquer dispositivo legal uma proibição de você conversar com uma amigo ou subordinado, sobre um assunto que nada tem a ver com a área dele. São informações sendo coletadas de várias visões ou fontes.

Estas posições do Relator, do Presidente da CPI e dos Senadores, é energia gasta sem resultado porque nada disso importa para esta CPI.

O objetivo informado à população é apurar se houve ação indevida ou omissão do governo no caos do Amazonas e na compra das vacinas.

O circo está armado. Se é isto o que se quer, vamos trabalhar, sem showzinhos, sem discursinhos, sem palanques eleitorais.

Trabalho ruim vai levar a um relatório ruim e daí esta CPI vai acabar como muitas outras… no lixo!

Valter Bernat

Advogado, analista de TI e editor do site.

Advogado, analista de TI e editor do site.

1 Comentário

  • Eduardo Spacca 23 de maio de 2021

    Boa tarde, Valter.
    Minha mensagem não é sobre o editorial e sim sobre a ausência de alguns colunistas há algum tempo.
    O Nelson Motta, por exemplo, escreveu sua coluna semanal ontem em O Globo, mas não aqui, o que o ocorria normalmente.
    Alguma mudança no quadro de colunistas?
    Obrigado pela atenção

    Att
    Eduardo

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