18 de abril de 2024
Editorial

Mais plural e menos singular

Acho que o STF aprendeu uma lição com o caso do André do Rap. Com uma nova Presidência, mais oxigenada do que a anterior, com maior experiência, com um magistrado no cargo, o que o anterior não era por não ter sido aprovado em dois concursos, pode conduzir o Supremo, pelo menos nos dois próximos anos a uma mudança significativa do modus operandi de seus ministros.

Foto: Google – Agência Brasil

O Supremo precisa diminuir, senão extinguir, o caráter de “sorte” de suas decisões.

Pode fazer isto em duas formas simples: uma seria alterando o seu sistema de informática, não permitindo distribuição de uma mesma ação por mais de uma vez. Com isso você evita que várias ações, exatamente iguais, sejam distribuídas, sequencial e eletronicamente, até que uma delas caia nas mãos do ministro (ou juiz) que interesse ao advogado, como foi o caso do André do Rap, mas que é uso comum entre os advogados… e a OAB corrobora este tipo de ação. Um absurdo jurídico, ético e de TI.

A outra forma é evitar que os ministros decidam de forma divergente com o que o plenário ou a(s) Turma(s) já decidiram, ou no mínimo reduzindo, ao máximo, a decisão monocrática. Hoje, se cai na mão do ministro A, os advogados já sabem de antemão qual será, provavelmente, a decisão dele; se cair no ministro B, idem… e assim por diante. Não gostando do resultado previsto, redistribuem e abandonam a ação anteriormente distribuída.

O HC concedido a André do Rap, é prova inequívoca deste erro e provocou uma forte discussão no STF sobre a importância das decisões colegiadas.

Há uma proposta de alteração no Regimento do STF. Propõe que quando um ministro der uma decisão suspendendo uma Lei ou trecho de uma Lei, esta decisão liminar tem que ser levada para ser julgada em plenário para ser confirmada ou derrubada num prazo máximo de 180 dias (por que tanto tempo?).

Nesta proposta, foram mostrados números assustadores: nos últimos 20 anos, houve cerca de 250 liminares concedidas monocraticamente (não incluídos aí os HC’s), suspendendo leis ou partes delas. Destas liminares, nestes 20 anos, acreditem – 69 – ainda estão vigentes. Alguns processos, no caso 69, estão parados com alguma das partes com prejuízo por ainda vigorar uma liminar concedida nestes 20 anos. Deste jeito, vemos que os 180 dias, que eu considerei absurdos acima, deixam de sê-lo, não?

Quando uma lei é aprovada, ela passa pelo Congresso Nacional, com seus 513 deputados e 81 senadores; depois é sancionada pelo Presidente da República e, somente a partir daí ela vira lei.

Quando esta lei é contestada no STF, ou por um interesse partidário ou de uma ou outra associação de classes, uma liminar concedida por um único ministro demonstra que a vontade deste ministro e de um grupo, se sobrepõe à lei, ou seja, ela vale mais do que o trabalho do Congresso, com 594 membros e do Presidente da República, literalmente dois Poderes legalmente constituídos… pela caneta de UM MINISTRO.

Importante frisar que é impossível extinguirmos as liminares. Elas são um instrumento importantíssimo na manutenção ou na graduação de um direito constitucional que pode estar sendo violado. Elas têm que existir, mas sua validade não pode perdurar… como eu disse, primariamente a meu ver, 180 dias já eram demais, no entanto ao olharmos os números frios: 69 de 250 ainda perduram por 20 anos? Algo tem que ser feito, urgentemente. Destas 69, cinco estão vigentes há mais de 7 anos.

Quer dizer que faz 7 anos que um ministro do STF, não importa qual, decidiu monocraticamente sobre um caso e até hoje não o apresentou ao plenário. Pode ser que uma das leis, cuja decisão foi contrária à sua existência, esteja, por vontade de um ministro, ainda sendo considerada inconstitucional ou constitucional, afinal esta é função do STF, julgar se uma lei é ou não constitucional. Vejam bem, do STF e não de um ministro.

Isso é que precisa mudar. Um HC, ok, precisa de uma decisão monocrática rápida, mas uma Ação Direta de Constitucionalidade ou de Inconstitucionalidade não precisa de uma decisão monocrática, ou ainda que assim fosse, deveria ser levada, quase que imediatamente a um plenário (incluídos aí o Pleno e/ou as Turmas) na primeira oportunidade, o mais rapidamente possível.

Um exemplo claro do que estamos tratando foi o Juiz das Garantias. Esta “figura jurídica” foi aprovada no Congresso e, em janeiro, o atual presidente do STF concedeu liminar suspendendo a implantação do Juiz das Garantias por tempo indeterminado. Esta liminar continua vigente e, no princípio do ano que vem fará um ano sem ser examinada pelo plenário do Supremo.

Vale aqui pra mim uma observação: o que é tempo indeterminado? Pode ser um dia, uma semana, um mês, um ano ou… 20 anos… Por que no STF sempre “indeterminado” é praticamente “para sempre”?

Na verdade, o Supremo precisa se manifestar muito mais como Corte do que como um ministro. Esta proposta de alteração do Regimento mostra que uma lição foi aprendida com o caso do André do Rap, devido à exposição exagerada do Ministro (sempre ele) Marco Aurélio.

Como digo sempre como um mantra:

Mais decisões colegiadas, menos decisões monocráticas e, se mesmo assim, estas forem necessárias, que sejam, na primeira oportunidade, ratificadas ou retificadas por um plenário.

É só disso que precisamos no STF, com o resto a gente convive…

Valter Bernat

Advogado, analista de TI e editor do site.

Advogado, analista de TI e editor do site.

2 Comentários

  • Rute Abreu de Oliveira Silveira 4 de novembro de 2020

    Perfeito.Valtinho!!!
    Decisões colegiadas sempre.
    Afinal temos uma corte e é ela quem deve decidir e não um único juiz, atendo-se a interesses escusos, pessoais e que não são contestados.
    Por mudanças no STF já.
    Rute Silveira

    • admin 4 de novembro de 2020

      Verdade. Chega de monocratismo… bjs

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