19 de abril de 2024
Editorial

Qual seria o objetivo final do Poder Judiciário? Pra que serve a Justiça?

Alguém responderia: para fazer justiça. E é, obviamente, mas porque a gente tem um órgão para fazer justiça? Para pacificar a sociedade.

Pacificar, não no sentido de produzir paz, bandeiras brancas, pombinhas voando, nada disso. É no sentido de mostrar, através das palavras e diretrizes, o caminho que a sociedade deve seguir, sempre que houver uma controvérsia ou uma questão em que uma das partes opte por acionar nosso Poder Judiciário.

O Judiciário funciona num sistema piramidal. Vai se organizando desde a sua base (juízos singulares) e resolvendo as lides que aparecem. Muitas vezes eles interpretam as leis de forma diferente em cada uma das suas camadas. A 2a. Instância (2a camada) já é pluralista, ou seja, tem mais de um julgador. E assim se segue até o pico da pirâmide onde chegam apenas um percentual pequeno de ações, teórica e obrigatoriamente, de cunho Constitucional. Assim, a última instância para meros mortais como nós, será o STJ e, em último caso, se você entender que esta Instância feriu seus direitos constitucionais, aí poderemos chegar ao STF, salvo os casos de foro privilegiado. Em resumo, é isso!

Obviamente, o assunto da semana foi a enorme besteira moral que fez o Ministro Marco Aurélio. Sim, besteira moral, porém legal! Ele seguiu friamente a letra da lei, o que digamos assim, não é a função de um juiz, pois se desta forma fosse, bastaria um computador que diria que o indivíduo cometeu o crime tal e a pena deveria ser tal.

A função do juiz é, considerando atenuantes e agravantes, julgar, declarando culpado ou inocente e mensurar a pena. Usar de equidade (virtude de quem ou do que manifesta senso de justiça, imparcialidade, respeito à igualdade de direitos) para dirimir os conflitos e, por fim decidir, “pacificando” as partes.

Esta história de “processo não tem capa” a gente sabe que não é assim que funciona. PROCESSO TEM CAPA e RÉU TEM NOME E RELAÇÕES.

Foto: Google – assojaf-GO

O que houve com o Ministro Marco Aurélio ao julgar um pleito, feito por André do Rap, um grande traficante de drogas? Um réu sabidamente ligado ao crime organizado, um dos chefes da maior facção do país, dono da mansão cinematográfica onde foi preso em Angra dos Reis, que tinha dois helicópteros, obras de artes e 6 milhões de reais em dinheiro em sua residência.

Que, além disso, transportou 4 toneladas de cocaína para a Europa numa grande operação, ou seja, o cara é um bandido de verdade, daqueles que deveriam ficar em perpétua, se assim nossa lei permitisse. Enfim, um dos maiores bandidos que já tivemos por aqui… Segundo a Polícia Federal, um dos mais violentos e perigosos bandidos do país.

Este criminoso ingressou, corretamente, através de seus advogados, com um pedido para que a sua prisão preventiva fosse considerada ilegal. Não vou me prender neste fato porque dele já se falou muito, e muita besteira também, até acusando o Ministro por estar julgando uma causa onde ele teria ligações com um seu ex-assessor. Pessoas se relacionam. O fato de um ex-assessor de Marco Aurélio pertencer à banca de advogados que patrocina a causa em tela, não o obriga a declarar-se impedido: LEGALMENTE… moral e eticamente, é outra coisa…

Mas, dois outros ministros tiveram problemas semelhantes nas mãos e decidiram de forma diferente. O Ministro Fachin decidiu por enviar um ofício ao Juiz de Execução Penal do caso, cobrando dele a renovação do pedido da prisão preventiva, e foi feita; e o ex-Ministro Celso de Mello, num caso semelhante, jogou-o para o plenário que decidiu pela continuidade da prisão preventiva.

Marco Aurélio tinha estas mesmas opções mas não as usou. Optou por uma saída simples e muito pior.

A página do Supremo, por pesquisa, mostra que Marco Aurélio já soltou 80 presos, sob este mesmo argumento: suas prisões preventivas não foram revalidadas. Ao contrário de seus pares… alguma coisa está errada.

Esta é uma discussão que o plenário está julgando e, de novo, legislando, porque está incluindo na decisão que passados os 90 dias, a soltura não é automática. Tem que ser ouvido o Juiz da Execução Penal, mudando assim o texto original do artigo do CPP que cuida da prisão preventiva, previsto no Projeto da Lei anticrime.

A outra discussão, um pouco mais séria é a decisão de Fux em cassar a liminar de Marco Aurélio, ou seja, o Presidente do STF não é “chefe” hierárquico dos demais, ele é apenas um coordenador do plenário. É quem cuida das pautas, além de representar o STF e dirigir o plenário. Os demais ministros concordam com a decisão de Fux, mas não querem dar este poder ao Presidente.

Só quem pode derrubar uma decisão monocrática de um ministro do STF são as Turmas ou o Plenário do STF. Apenas em casos urgentes e dentro do período de recesso, o Regimento permite este tipo de decisão pelo ministro de plantão.

Fux já fez isso outra vez, quando era vice-presidente e, substituindo o então presidente Dias Toffoli. Foi no caso da jornalista Monica Bergamo da Folha que obteve uma liminar autorizando-a a entrevistar o ex-presidente Lula, então preso.  Lewandowski concedera a liminar e Fux a cassou num plantão de final de semana. Na 2a feira, Lewandowski voltou e cassou a liminar de Fux, mas com o retorno de Toffoli à presidência, este cassou novamente a liminar de Lewandowski. Uma bagunça. Sempre o problema das decisões monocráticas. Isso tem que acabar!!!

Esta discussão é no fundo, a mais importante: pode o Presidente do STF cassar a liminar de outro ministro que é igual a ele na hierarquia judiciária, mas é inferior na hierarquia administrativa? Todos os votos até agora estão concordando com a decisão de Fux, mas ressalvando a obediência da hierarquia judicial, ou seja, uma decisão monocrática só pode ser desfeita por uma Turma ou pelo Plenário, salvo se estivermos em situação de urgência em recesso do Judiciário…

Isto tudo aconteceu por culpa do Legislativo e por culpa do Executivo e… por culpa do Judiciário. Senão vejamos:

O Legislativo incluiu uma alteração no Projeto de Lei anticrime sobre a “validade” da prisão preventiva: 90 dias, no máximo, podendo ser renovada a critério da autoridade judicial responsável. Como este artigo não fazia parte do Projeto do então ministro Sergio Moro, ele pediu ao Presidente para vetá-lo. Ele não o fez! Bem, já temos aí um erro do Legislativo e outro do Executivo. Um pela inclusão indevida e outro pelo não-veto.

O Judiciário cumpriu sua parte. Fez cumprir a lei. Mas para que existe uma coisa chamada JURISPRUDÊNCIA (para os leigos, são causas julgadas com decisões tomadas em última instância)?

Vários casos semelhantes foram julgados, após a aprovação desta lei e cada ministro criou o seu STF. Temos atualmente 11 STF’s, aliás, desculpem 10, pela aposentadoria de Celso de Mello e até a sabatina de Kassio Nunes.

Sim, as decisões monocráticas fazem com que cada ministro seja dono e senhor absoluto de suas decisões monocráticas. Raras são aquelas encaminhadas ao plenário ou às Turmas. O monocratismo tem que acabar no STF e no STJ e, quiçá, nos TFR’s.

Logo, o Judiciário também falhou no STF, como falhou o Ministério Público e como falhou o Juízo da Execução Penal… será que eles não conhecem uma coisa bem antiga, chamada de agenda ou um calendário?

Bastava que o cartório de execução penal anotasse uns dias antes de vencer o prazo de cada prisão preventiva, principalmente de criminosos do naipe do Rap. Um aviso do tipo: “pedir prorrogação da prisão preventiva do André do Rap”. Pronto! Nem estou falando de agendas eletrônicas e nem de calendários em smartphones. Apenas um calendário de mesa ou agenda… só isso.

Então vejam “quase” todo mundo falhou. Digo quase porque a defesa do André do Rap não falhou. Cumpriu seu papel… vencido o prazo da prisão, foi lá e distribuiu o pedido de soltura de seu cliente. Pra mim, cometeu uma falha ética sim, porque por algum motivo, que não quero fazer ilações, preferiu distribuir vários pedidos de Habeas Corpus, até que um caísse para o Ministro Marco Aurélio. Por qual motivo, a mim não importa. Não quero, como eu disse, fazer acusações ou levantar boatos.

Se a OAB acha normal esta atitude e não a pune, com a desculpa de que “os advogados devem fazer de tudo para defender seu cliente”, paciência. No meu código de ética isso não entra. E nunca entrou… embora seja uma prática “normal” no meio judiciário…

Bem, no momento em que escrevo, o placar ficou e 9×1 pró-Fux, mas todos, unanimemente, ressalvando a não cassação de uma liminar por um seu par. De novo o STF legisla por falha do Legislativo… até quando?

Vamos ter que aguardar o acórdão final, onde ficará estabelecido como cada ministro ou juiz deverá agir em casos semelhantes.

A principio, a tendência é retornar a decisão ao Juiz da Execução Penal ou, no mínimo, a uma decisão colegiada, que seja de uma das Turmas ou do Pleno… mas sempre colegiada!

Pelo menos decidiu-se que a soltura não deve ser automática, o que já é uma grande proteção contra futuras decisões de Marco Aurélio, conhecido no STF como o “ministro do voto vencido”… Por que será?

Valter Bernat

Advogado, analista de TI e editor do site.

Advogado, analista de TI e editor do site.

1 Comentário

  • Zilton Neme 17 de outubro de 2020

    Valter amigo
    Excelente editorial.

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