28 de março de 2024
Editorial

“A censura autoritária” ou “O sistema inquisitorial do STF”

Precisamos estar bem atentos à mentalidade autoritária que está emergindo de algumas togas de nossa Suprema Corte.

Ministro Alexandre de Moraes – Imagem: Google – Metropoles.com

Em primeiro lugar, a abertura de inquérito das Fake News por Toffoli já foi absurda por si só. Totalmente fora dos padrões processuais de nossa legislação, pois, superestimando a força de um simples artigo do Regimento Interno do STF, baseou-se no artigo 43, regulamento este que jamais poderia ser superposto à nossa Carta Magna que prega a “Liberdade de Expressão” em seu artigo 5o em diversos incisos onde fala da liberdade de expressão e de suas consequências, inicialmente, do direito de resposta.
De fato, apesar de o plenário do STF em junho p.p., ter ratificado, por 10 x 1, a decisão de Toffoli de abrir o tal inquérito, segundo o referido artigo. do Regimento Interno do STF, continua, em minha visão, sendo uma excrescência jurídica, praticado por quem deve assegurar que isso não ocorra em nossos Tribunais, ou melhor dizendo, o respeito à nossa Constituição.
Mas chamou-me a atenção o único voto discordante – o do Ministro Marco Aurélio. Sim, em 30 dias, eu concordei com ele por duas vezes (com esta), normalmente abomino suas decisões, mas sendo justo, concordo ipsis litteris com seu voto, do qual extraio alguns trechos:
“… trata-se do inquérito do fim do mundo”. Definição perfeita!
Para ele, “é um inquérito natimorto”. O atual vice-decano e, futuro decano a partir de novembro próximo, fez questão de lembrar que “o inquérito tratou de ato individual, não tendo passado pelo crivo do colegiado”. Além disso, disse que “cabe ao PGR provocar a instauração da investigação”.

O Ministro Marco Aurélio também criticou que inicialmente o inquérito que esteve sob sigilo e, somente após um mês, foi dado acesso aos envolvidos e à PGR aos documentos. Sigo com trechos do voto discordante.

“Receio muito as coisas misteriosas”. Não pode a vítima instaurar inquérito. Uma vez sendo formalizado requerimento de instauração de inquérito, cumpre observar o sistema democrático da distribuição, sob pena de começarmos a ter um juízo de exceção em contrariedade ao que previsto no principal rol das garantias constitucionais da carta de 1988. Neste ponto, o sistema acusatório é oposto ao sistema inquisitorial”, disse. (extraído de www.conjur.com.br)

É claro que a Liberdade de Expressão tem suas consequências. E elas estão perfeitamente previstas em nossa legislação: a injúria, a calúnia e a difamação, além dos possíveis danos morais e Direito de Resposta… estão em nosso Código Penal e em nossa Constituição. Será que não basta?
O princípio de nosso Direito é acusatório – quem acusa tem que provar!. A investigação é feita na fase de inquérito pela autoridade policial competente ou pelo MP, quando for o caso. O MP oferece a denúncia e a Justiça decide se a aceita ou não e, se aceita, posteriormente a julga, com base nos argumentos das partes e, a partir daí então, dá a sentença. Este é o rito de um processo penal.
O inquérito das Fake News tem vícios de origem e não tem um objeto definido. O ministro Toffoli achou que a instituição STF estava “sob ataque” e daí resolveu abrir o inquérito (não o MP, não a autoridade policial como reza a lei), e pior, nomeou “de ofício” o Ministro Alexandre de Moraes como relator, sem o devido sorteio eletrônico (distribuição), comum, legal e obrigatória, em qualquer Instância ou Tribunal. (segundo o nosso Código de Processo Penal).
Já dizia minha avó: “pau que nasce torto, morre torto”. Este inquérito nasceu torto e, ainda que vivo, segue torto e assim irá até seu final. Seus vícios de origem vão permanecer.
Qual o motivo? Qual a tipificação penal foi atribuída a estas pessoas? Quem são os “criminosos”?
Crime de ódio? Sim, esta foi a premissa. Mas será que memes, GIFs, algumas mentiras bobas e idiotas, palavras de ordem, hashtags e xingamentos estão tipificados em nossa legislação como crime de ódio, e como eu disse, e repito para reforçar agora: a injúria, a calúnia e a difamação, além dos possíveis danos morais e Direito de Resposta são as penalidades previstas em nossa legislação. Nada mais!
A decisão do ministro Alexandre Moraes não deixou, pra mim pelo menos, clara a razão do bloqueio de algumas contas aleatórias nas Redes Sociais. Estas pessoas não têm uma atuação pública digna de nota, o que significa que seus posts não são lidos por um número de pessoas significativamente influentes. Sim, talvez uma ou outra delas até o sejam, mas justificaria a decisão excessivamente extralegal?
A outra razão seria a possível existência de uma “organização criminosa” que financiaria estes ataques ao STF nas Redes Sociais… até agora o relator não foi capaz de mostrar o rastro do dinheiro… (follow the money, ensinam os americanos e assim fez a Lava-Jato, com tanto sucesso) . Não fizeram e nem procuraram quem as financiaria ou, mesmo SE financiam… Se as descobriram, por que não bloqueá-las e não às demais?
Enquanto isso não acontecer, não podemos avançar nesta discussão e, assim sendo, chegamos ao campo da CENSURA e para combater esta suposta estrutura criminosa.
Ela pode indevidamente existir, mas para combatê-la temos o nosso Poder Judiciário, em suas Instâncias específicas e competentes para julgá-la, condenando-a. Não dá para o próprio STF, primeiro monocraticamente e depois, em plenário, dar canetadas arbitrárias, censurando opiniões e rasgando a Constituição no que tange à “Liberdade de Expressão”.
A decisão, aliás qualquer decisão judicial, tem que ser fundamentada, bem como seu rito processual. Não foi permitido a estas pessoas – e aí no caso, não importam se favoráveis ou não a qualquer governo – conhecer os autos. A decisão liminar foi quase definitiva, pois as impediu de debater o assunto. Elas simplesmente foram tiradas do debate.
Um “cala a boca porque eu estou mandando!” não está em nossa Constituição.
Cuidado, a Lei de Segurança Nacional, uma medida que remonta os tempos da ditadura militar, que já deveria ter sido removida de nossa legislação, ou ao menos, modernizada, está sendo usada frequentemente para basear decisões judiciais e por todos os lados políticos, indevidamente.
A decisão do bloqueio de contas, traz em seu conteúdo, o erro primário de abertura do inquérito, que incorpora a vítima, o investigador, o acusador e o juiz… ou seja, quem supostamente foi vítima, investiga, processa e julga. É um inquérito doente terminal.
Um caso onde se pergunta: isso é normal num estado democrático de direito? Nunca! Não pode ser!
Na realidade é censura. E pior do que isso, é censura prévia também, pois impediu, ao bloquear as contas das Redes Sociais, que elas continuassem fazendo sua defesa pública o que desagradaria, evidentemente ao STF.
Lembram-se que, neste mesmo inquérito, em 2019, este mesmo Ministro determinou a retirada de um conteúdo da Revista Crusoé, que faz um bom jornalismo, porque veiculou uma matéria, legítima, que seria ruim para o Presidente do Supremo e que foi, monocraticamente, retirada do ar. Mas a grita geral da sociedade, ATRAVÉS DAS REDES SOCIAIS, fez com que esta determinação fosse revogada. Tudo dentro deste mesmo inquérito viciado em sua origem.
Seja contra quem for, isso pode se voltar no futuro contra qualquer outra pessoa, com qualquer outro governo, seja qual presidente estiver nele.
Para encerrar, um comentário:
Achei errada a atitude do Presidente ao usar a AGU para entrar com uma ADIN sobre o artigo 5o da CF. Desculpem, para quem não conhece o Direito estas siglas parecem sopa de letrinhas. AGU: Advocacia Geral da União; ADIN: Ação Direta de Insconstitucionalidade; CF: Constituição Federal, ok? Estamos na mesma página? Seguimos então…
A AGU não serve ao Presidente e sim ao Estado. Nesta ADIN, Jair Messias Bolsonaro está sendo representado como pessoa física e não como um ente do Estado, no caso dele Presidente, portanto, não poderia, legalmente, usar a AGU para isso. Deveria contratar um advogado particular.
A própria AGU deveria, no exercício de suas funções, ter se recusado a ingressar com esta ação… os assessores do Presidente e até o seu próprio Ministro da Justiça e Casa Civil falharam ao permitir-lhe o uso indevido da AGU, assim como, principalmente, o próprio Advogado Geral da União.
Isso é grave e pode até fazer com que o STF rejeite a ação por representação indevida.
Bolsonaro sabe que as contas bloqueadas são de seus seguidores e eleitores e por isso tomou esta atitude pessoal. Não é o Presidente que está contestando o bloqueio é Jair Messias Bolsonaro, pessoa física, objeto dos posts de seus seguidores, apoiadores, etc…
Até posso concordar com a atitude, pois é interesse dele continuar com a boa ressonância de seu governo em mídias e Redes Sociais, isso qualquer um governante faria, mas não pode ser da forma que foi feita…

Valter Bernat

Advogado, analista de TI e editor do site.

Advogado, analista de TI e editor do site.

2 Comentários

  • Zilton neme 3 de agosto de 2020

    Excelente !!!!!!

  • Bruno 4 de agosto de 2020

    Teste

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