16 de setembro de 2024
Ricardo Noblat

Lula, o da democracia relativa, passa a mão na cabeça de Maduro

Ditadura não se chama por outro nome

Há pouco mais de um ano, em entrevista à Rádio Gaúcha, ao ser perguntado sobre o motivo de setores da esquerda defenderem o regime de Nicolás Maduro, Lula respondeu que “o conceito de democracia é relativo”. E se explicou:

“A Venezuela tem mais eleições do que o Brasil. O conceito de democracia é relativo para você e para mim. Eu gosto de democracia, porque foi a democracia que me fez chegar à Presidência da República pela terceira vez”.

Ontem, em entrevista à TV Centro América, afiliada da TV Globo no Mato Grosso, Lula comentou pela primeira vez a eleição presidencial da Venezuela realizada no último domingo:

“É normal que tenha uma briga. Como resolvê-la? Apresenta a ata. Se a ata tiver dúvida entre a oposição e a situação, a oposição entra com um recurso e vai esperar na Justiça o processo. E vai ter uma decisão, que a gente tem que acatar. Eu estou convencido de que é um processo normal, tranquilo”.

Atas são boletins que registram os votos depositados em cada urna. O governo da Venezuela ainda não as apresentou, alegando ter havido uma falha no sistema. A oposição diz que as atas que acessou provam que Maduro foi derrotado.

Com 80% das urnas apuradas, o Comitê Nacional Eleitoral da Venezuela, sob o comando de um aliado de Maduro, anunciou que ele venceu com 51,2% dos votos contra 44% do candidato da oposição, o diplomata Edmundo Gonzalez.

“Na hora que tiver apresentado as atas, e for consagrado que a ata é verdadeira, todos nós temos a obrigação de reconhecer o resultado eleitoral da Venezuela”, acrescentou Lula. Em nota, o PT adiantou-se e já reconheceu a suposta vitória de Maduro.

Lula ainda não o fez, mas defendeu a nota do PT. De domingo para cá, a polícia de Maduro matou 11 pessoas e prendeu mais de 700 que saíram às ruas de Caracas para denunciar fraudes na eleição. Um líder da oposição foi preso na sua casa.

Em uma democracia, a última palavra é da Justiça. Acontece que, na Venezuela, a Justiça, as Forças Armadas, a mídia e o Congresso, que por lá atende pelo nome de Assembleia Nacional, obedecem às ordens de Maduro. Lula sabe disso.

Então, como sugerir à oposição venezuelana que entre com recurso na Justiça para anular a decisão do Comitê Nacional Eleitoral que deu a vitória a Maduro? Talvez porque, para Lula, democracia é de fato uma coisa relativa.

Se é, o Estado de Direito também seria. E com base em tal raciocínio, os golpistas do 8 de Janeiro de 2023 no Brasil poderiam justificar o que fizeram para derrubar o governo recém-instalado de Lula. Democracia não é uma coisa relativa.

A Venezuela não é uma democracia porque promove “mais eleições do que o Brasil”. Fatos e conceitos não são meras opiniões. Numa democracia, os Poderes são autônomos, as eleições são livres e fiscalizadas e há liberdade de expressão.

Na ausência de tais condições e de outras mais, o que há é um regime autoritário, como o de Maduro, e como foi aqui, durante 21 anos, a Revolução de 1964, uma reles ditadura igual a tantas que existiram e ainda existem.

Fonte: Blog do Noblat

Ricardo Noblat

Jornalista, atualmente colunista de O Globo e do Estadão.

Jornalista, atualmente colunista de O Globo e do Estadão.

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