28 de março de 2024
Priscila Chapaval

Minha amiga D. Elvira Balderi parte 2 final

Fico imaginando se D. Elvira estivesse viva e aqui conosco! Ela detestava o verão e reclamava do calor. Ficava insuportável tadinha!!!
Sua casa vivia com as janelas fechadas porque dizia que assim refrescava o ambiente e era assim que fazia na Itália. Ficava deitada no sofá da sala de visitas e reclamava do tempo e da política.
Lia diariamente a Folha de São Paulo e pesquisando no Google achei uma carta que ela escreveu e a Folha publicou:
“Venho acompanhando com indignação os textos da Folha a respeito do comportamento do governo diante do caso Waldomiro Diniz. Queria que alguém me explicasse: por que, com tanta corrupção descarada e vergonhosa, se quer abafar um escândalo desse porte? Todos no governo estão implicados? Têm medo de que, ao levantar-se o pano, surja uma bola de neve que faça rolar suas cabeças? São todos uns anjinhos e, mais uma vez, querem fazer de bobo este pobre povo ignorante e apático”.
Elvira Balderi Crimi (São Paulo, SP – 2004 )
Imagine se fosse hoje! Nem quero pensar !!!
Todos os dias pela manhã, Darc sua funcionária do lar levava a bandeja com o café da manha no seu quarto. Isso era praxe e ela dizia que merecia.
Colocava um pedaço de mamão no terraço do quarto e sempre vinha um pássaro e avançava na fruta. O resto, quando sobrava, ficava para os outros. Ela apelidou esse pássaro de Bush pois tinha horror ao presidente americano. Prepotente!!!
Como jornalista sempre via a minha amiga prima donna como uma pauta excelente para uma entrevista. Afinal era low profile e com sua história de vida e suas coisas engraçadas no cotidiano, notei que dava uma boa entrevista para o Programa do Jô. Fiz um texto e enviei. No dia seguinte alguém da produção me ligou e já queria agendar a entrevista.
Ela ficou contente e foi toda linda na Van que a Globo mandou buscá-la. Fomos, e o Ricardo foi junto.
Mas na hora da entrevista Jô levou o papo na brincadeira, falando do pássaro Bush e de como ela era uma jovem centenária. Durante a entrevista ficou lacônica, respondia sim e não. Ficou brava porque ele não perguntou nada significante sobre sua história da sua vida como uma das melhores sopranos da Europa. Mesmo assim tocou piano e uma das suas alunas cantou uma ária belíssima.
O tempo passava e seu cão Ricardo, que era um gentleman, foi ficando velhinho e doentinho.
Muitas vezes ela me pediu para levá-lo ao médico porque ele nem conseguia se levantar mais. Levava e ficava com ela consolando e fazendo companhia. Foram várias vezes.
Era seu filho. Um dia a empregada me liga cedo comunicando a morte do Ricardo. Me arrumei e fui ate lá. Na sala estavam umas 20 pessoas entre seus alunos e amigos. Um velório de verdade. Ricardo foi cremado e suas cinzas foram enterradas no jardim dos fundos da casa.
Ia sempre na casa dela. Visitar, levar um vinho, uma bolacha, bater papo. Num desses dias ela me chamou e disse – ”Vem aqui fora no jardim que eu quero te mostrar uma coisa!!!. É que eu tinha dado para ela uma muda da minha roseira e começou a florir na direção das cinzas do Ricardo. Acreditem se quiserem mas era uma rosa atrás da outra. Enquanto uma despetalava outra começava a brotar na direção das cinzas do velho Ricardo.
Infelizmente ela também foi ficando fraca e cansada. Fui visitá-la no hospital – na UTI – e me deixaram ficar com ela até bem tarde. Fui a última pessoa que ficou com ela ainda em vida. Eu segurava na sua mão e via no painel dos aparelhos que os batimentos e a pressão iam caindo pouco a pouco. Ela estava nos deixando. Sussurrei no seu ouvido o quanto ela era querida e amada por todos. Mas a impressão que tive é que ela queria mais, era que eu fosse embora e a deixasse em paz para dormir para sempre e sozinha. Saí e nunca mais pude segurar na sua mão e ver aqueles olhos tão claros e tão sinceros.
Aos poucos os amigos foram vivendo suas vidas. Os encontros nos saraus dos sábados não existiam mais. Eu ainda moro próxima da casa que ela morava, olho sorrio e dou um oi para ela.
Para encerrar, um dia ela me telefona e me convida para ir a um concerto do Arthur Moreira Lima no Teatro Abril. Era uma festa fechada para convidados em comemoração a um escritório de advocacia onde ela conhecia um dos donos.
Passei para buscá-la e ela estava linda. Uma diva. Uma roupa preta colar de pérolas e uma flor na lapela do casaquinho. Tinha ido no cabeleireiro e caprichou no make up.
Quando chegamos ela chamou a atenção de todos. O garçom passava com champanhe e ela não recusava nenhuma rodada. Durante o espetáculo ela me confidenciou no ouvido – ”Priscila esse cara é o pianista mais bruto que já vi. Toca martelando as teclas…”. Sorri e continuei observando. E minutos depois uma das cordas do piano Stenway se partiu. Ele se desculpou e continuou a tocar mesmo sem a corda. Ela me olhou e disse: ”Viu”? com ar de deboche.
Na saída da sala do concerto os garçons estavam servindo café, chá e águas. Mesas enormes com muitos chocolates de todas as formas. Eram pilhas e eu chocólatra não saía de perto.
D. Elvira me olhou e disse: Mas quem quer café a essa hora??? Eu quero champanhe! E claro na hora ela foi servida. E algumas pessoas aderiram a isso. Uma figura!
A saudade é muita e o livro que ela escreveu e que eu fui a primeira a comprar ainda na casa dela, me traz lembranças que guardo dela. As festas do Natal sempre no começo de dezembro onde ninguém faltava. Ia do executivo da Fiat ao taxista que a servia sempre.
Tive sorte em conhecer essa pessoa espetacular. Sozinha, e que aos 90 e poucos anos encontrou seu primeiro amor na internet e ainda teve a sorte de encontrar e passear pela Itália com ele.
Fica com Deus D. Elvira e sei que você tem muita luz. Ela era da Rosa Cruz e muito espiritualizada.
Gostaram? Leiam o livro dela. O meu com uma dedicatória linda que ela me fez, sumiu. Emprestei para alguém e nunca mais voltou
Caso você leia me devolva o livro per piaccere???
Grazia e ciao!!!
Nas fotos Elvira quando moça. Elvira e Sergio Casoy na noite de autógrafos do seu livro. Capa do livro.

Essa era a casa onde a d. Elvira morou.

No tempo dela, as floreiras eram repletas de flores de gerânios.
A casa começa na rua, na calçada.
E de lá se ouvia as mais lindas árias, se tomava o melhor vinho e eu comi a melhor berinjela que ela fazia.

Priscila Chapaval

Jornalista... amo publicar colunas sobre meu dia a dia...

Jornalista... amo publicar colunas sobre meu dia a dia...

1 Comentário

  • walter neiva 4 de setembro de 2020

    Hoje, estava pensando na primeira aula de canto, acho que foi em 1975, vi um cartão na Loja de discos(Bruno Blois ou Breno Rossi) anotei o endereço e lá fui eu. Eu morava na Vila Madalena, e na época era uma ginastica pegar um ônibus até o centro e depois para aquele bairro próximo ao Hospital do Servidor publico (eu acho,) não lembro o nome da rua, mas me lembro que a casa ficava numa vila, bem simpática- a casa dela a ultima a direita.(essa mesma da foto) Quando fui chegando me lembro de escutar uma voz de tenor, cantando E la solita storia del pastore- e de L Arlesiana de Cilea-(eu ja era apaixonado por ópera) o aluno saiu e eu entrei. Conversamos sobre condições, e fizemos alguns vocalizes. Mas na época eu não tinha condição de pagar as aulas. E nunca mais voltei , e tb nunca mais a vi. Uns anos depois conheci o Danilo Proença, tenor e empresário de construção, que era aluno dela e frequentava essas reuniões que vc menciona. Fiquei feliz em ler o seu relato, hoje sou diretor de ópera. E tenho um programa na Cultura FM.- Seguindo a Ópera-So canto para os amigos .(acabei achando um professor que me deu aulas de graça). Gostaria de encontrar esse livro dela. Não achei mais nada sobre ela na Internet, sobre sua carreira na Europa. Obrigado pelo seu relato!!- Walter Neiva- http://www.walterneiva.com

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