16 de setembro de 2024
Percival Puggina

Um debate tão breve quanto memorável

A França que conheci não existe mais. Aquela França que pelo batismo de Clóvis (496) fez jus ao título de “Filha dileta da Igreja” não responde à pergunta: “O que fizeste de teu batismo?”. Essa questão, levantada certa vez por São João Paulo II, se converteu em interpelação constante entre os cristãos que visitam o país por onde tanto andei e aonde não mais voltarei. Por certo, tampouco a reconheceria como sua o meu querido São Bernardo de Claraval.

Recebi um desses vídeos que nos veem de todos os lados e pelos quais passamos sem dar muita atenção. Este, porém, num relance, atraiu-me por conter diálogo travado no senado francês sobre o cartaz de divulgação dos Jogos Olímpicos. Cinco minutos depois, eu aplaudia, no silêncio de casa, as luminosas palavras do senador Roger Karoutchi. Compartilho-as com meus tão estimados leitores.

A cena abre com o senador se dirigindo ao presidente da mesa: “Que diferença faz vosso governo entre uma cruz e uma flecha?”. O assunto, o cartaz em questão, era uma alegre mistura de marcos visuais da capital francesa, reunidos num pequeno espaço gráfico, tudo misturado como naqueles hotéis-cassinos de Las Vegas. O cartaz principal que chamava aos Jogos Olímpicos de Paris, escamoteara a cruz instalada no alto do Hotel des Invalides, substituindo-a por uma flecha ou coisa que o valha. A cultura dessa França enferma reage como vampiro à vista de uma cruz.

A ministra dos Esportes, Amélie Oudéa-Castéra, procurou explicar o sumiço, sublinhando as muitas diferenças entre o desenho da peça publicitária e a realidade dos marcos da cidade nela incluídos. Disse que não se tratava de uma reprodução, mas era o que o artista livremente produzira, sem comando do Estado. Era a cidade reinventada. O cartaz, enfim, era a França, os Jogos Olímpicos e Paraolímpicos.

Em sua resposta, o senador Roger Karoutchi foi certeiro e sábio, negando que o cartaz seja a França e os Jogos Olímpicos. Transcrevo sua fala:

“Não, desculpe, não são a mesma coisa. Você pode pintar a Torre Eiffel da cor que quiser, mas não pode remover a cruz da cúpula do Hotel des Invalides, que existe desde Luís XIV. Não se pode mudar a história da França.”

Em seguida, discorre sobre o sentido de nação: “(…) somos a nação de um modo provisório porque nós tivemos predecessores e teremos sucessores. Esta nação se orgulha de organizar os Jogos Olímpicos. Mas ela não quer ser apagada, não quer que seus símbolos e a história que a fizeram sejam apagados, renegados. Podeis usar as cores que quiserdes, mas há 350 anos existe uma cruz sobre o Domo dos Invalides! E há uma cruz no cume da torre de Notre-Dame.”

“Os símbolos da França e a história da França fundam a nação. Sem ela não há república, sem ela não há evolução, sem ela não há solidariedade. Quaisquer que sejam as posições políticas, se quisermos fazer evoluir a nação, nós não podemos apagá-la porque se o fizermos desapareceremos. Nações não são eternas, assim como estados e impérios. Fazei a nação, toda a nação; fazei a república, toda a república; fazei a França, toda a França, mas não apagueis nossos símbolos.”

Que a experiência francesa nos sirva de conselheira em momentos tão adversos aos bens e valores culturais que constituíram nossa própria nação.

N.A.: *A íntegra desse diálogo pode ser assistida aqui:

Percival Puggina

Arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores, colunista de dezenas de jornais e sites no país.  Membro da Academia Rio-Grandense de Letras. Escreve, semanalmente, artigos para vários jornais do Rio Grande do Sul, entre eles Zero Hora, além de escrever o seu próprio blog e em outros websites de expressão nacional, a exemplo do Mídia Sem Máscara, Diário do Poder, Tribuna da Internet. Sua coluna é reproduzida por mais de uma centena de jornais.

Arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores, colunista de dezenas de jornais e sites no país.  Membro da Academia Rio-Grandense de Letras. Escreve, semanalmente, artigos para vários jornais do Rio Grande do Sul, entre eles Zero Hora, além de escrever o seu próprio blog e em outros websites de expressão nacional, a exemplo do Mídia Sem Máscara, Diário do Poder, Tribuna da Internet. Sua coluna é reproduzida por mais de uma centena de jornais.

    Deixe um comentário

    O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *