Ameaças chegam de todos os lados e a cada dia parece mais desesperador o simples ato de viver. Não bastassem as ameaças físicas, agora também temos as virtuais, cibernéticas, digitais, intrometidas, sórdidas e perigosas. Para completar, as mulheres ainda são as maiores vítimas de ameaças de exposição de fotos íntimas, sequestro de dados e extorsões
Invasão, vazamentos, hackers, apps de mensagem, comunicação, criptografia, Telegram… saudades do tempo em que só ouvíamos falar em vírus, que a gente imaginava como pequenos insetos ou bactérias contaminando nossos computadores. Agora o problema são ratos e vermes cibernéticos, em forma humana, escondidos em algum canto escuro. Nossos celulares, tão tecnológicos, esses aparelhinhos que viraram os verdadeiros “pets” digitais que carregamos para cima e para baixo na mão, na coleira, no bolso, na bolsa, com lindas capinhas cada vez mais variadas, chamativas e sofisticadas – já repararam que loucura está isso? – se viram contra nós, quase que literalmente. E não é para tirar foto selfie com a câmera da frente.
Nossa vida está toda ali.
Nunca ouvimos falar tanto, tão frequentemente, e de forma tão espalhada, desse assunto que, se você pensar bem, não precisa ser autoridade, importante, celebridade, coisas assim, para ser “invadido”. É, inicialmente, gente que se diverte tentando enganar os outros, atrapalhar o serviço, armados até os dentes, mas – incrível – a arma é alguma forma de inteligência nesse campo da informática que ainda age, fala e se comunica em uma língua estranha à grande maioria de nós. Já tentou ler algum desses manuais? E as orientações para nós, pobres mortais, que quem mexe com isso acha que é tudo fácil, mas que a gente não consegue entender a sopa de letras, comandos, o que falam, os termos técnicos, uma nova língua aborígene e extraterrestre para os leigos. Principalmente quando tentam dizer o que é que temos de fazer. Que normalmente dizem que é fácil e se irritam, abruptos, com nossa total lentidão frente aos dedos ágeis deles quando se movimentam nos dispositivos.
Essa semana o site Chumbo Gordo ficou fora do ar por quase 48 horas. Fiquei quase esse tempo todo tentando resolver, isso ainda depois de descobrir que havia sido um ataque hacker. Foi uma dor de cabeça. Como se um bando de formigas atacasse um açucareiro ao mesmo tempo e ele tombasse (eu explico bem mais simples, né?). Eles chamam isso de derrubar. Outro dia tínhamos sofrido um ataque, mas no site da empresa, e foi identificado que vinha de provedores instalados na Rússia. Garantimos: nós não conhecemos ninguém lá, muito menos inimigos. Os ratos não têm terra, se espalham – justamente para não serem localizados. Os caras, em geral, são contratados para o serviço sujo, ou ganham enganando trouxas com páginas falsas, ofertas mirabolantes, e-mails que se forem abertos pescam coisas e senhas dentro do seu computador. Assim como você já deve saber que tem quem venda, e bem caro, perfis, robôs, curtidas, seguidores. Eles vivem disso. O que vem ajudando a divulgação maciça de fake news, e a defesa ardorosa de “certas” coisas, pessoas e poderes nas redes sociais.
Virou tudo território de ninguém.
Nesse território vimos a prisão de quatro cidadãos do interior de São Paulo acusados de, por meios difusos, entrarem na conta de mil pessoas, grande parte, autoridades. Não está claro ainda se roubaram as pessoas comuns e se, das tais autoridades, pegaram o que lhes é de mais valioso: a intimidade, as conversas, as decisões. Até o presidente teria sido “invadido”, mas daí nada de bom sairia mesmo…Já pensaram as conversas dele? Com os “meninos”, Filhos do Capitão, ou mandando a esposa preparar um ragu? Descendo a lenha em alguém que o contrariou?
Brincadeiras à parte, esse assunto é muito sério, está cada dia pior e não enxergamos como resolvê-lo exatamente. Ainda vamos saber muito, a não ser que seja, como quer o ministro da Justiça, todo o material apreendido destruído, queimado, “desaparecido”. Quem são mesmo esses presos? Venderam? Deram de graça? Qual interesse? Político, de verdade, de ideologia, não está parecendo, e devem estar sendo escarafunchados.
Sobre a nossa vulnerabilidade, especialmente a das mulheres, surgiram leis, mas que só funcionam – se é que funcionam – depois do leite bem derramado e das fotos espalhadas pelo vento virtual que ninguém consegue ensacar. Tenho pensado muito nestas questões e estou convencida, inclusive, que grande parte dos feminicídios que estão ocorrendo, esse verdadeiro horror, são decorrência de problemas com celulares, mensagens, privacidade invadida. Uma mensagem ingênua pode ser lida e entendida de qualquer forma por alguém contaminado pelos ciúmes e pela insegurança. Já tive, e de alguma forma ainda tenho, problemas por causa disso, e que me impedem de mandar mensagens para alguém na hora que gostaria. Pode ser interceptada, a palavra do momento, e causar barulho, que não desejo para ninguém.
Dá medo. E cada vez mais homens e mulheres se comunicam por esses meios, inclusive por trabalho e necessidade.
Sabem que ando até com receio de mandar beijos no final das mensagens?
Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto. (Na Editora e na Amazon).