5 de dezembro de 2024
Marli Gonçalves

Dá trabalho


Dia do Trabalho e dá é trabalho viver. Dá trabalho se desdobrar, tentar. Pensar todo dia como nos virar para nos sustentar e às nossas famílias. Dá trabalho e é quase impossível ser feliz vendo tanta gente infeliz, nas ruas, largadas deitadas em sarjetas e portas, enroladas como lixo em sacos plásticos, tendo como colchão caixas de papelão, e as pedras como travesseiros.

Dá trabalho não sofrer, tentar não ver, não perceber. No país que conta mais de 12 milhões de desempregados fica até constrangedor se comemorar o Dia do Trabalho sem trabalhar, mas ainda é o feriado onde mais coisas fecham, tradicionalmente, como se fosse só esse o respeito devido. Será que vamos ter de novo aquelas grandes festas das centrais sindicais, com shows fabulosos, sorteios de carros, casas, discursos inflamados de palanque? Temo que não, não há mais o que gastar, e os sindicatos que pouco lutam pelos seus, nem eles parecem ter mais serventia. Agora, centrais parecem apenas trabalhar para organizar as quilométricas e dramáticas filas de desemprego, onde cadastram esperanças, engavetam sonhos.
Dá trabalho viver. Dá trabalho, sobretudo, sobreviver. Talvez seja esse o Dia do Trabalho a comemorar. O do Trabalho que dá para suportar. O do trabalho que temos todos os dias para nos mantermos otimistas, vivos e respeitados. Quer ver?
Dá trabalho aparentar. Sorrir quando se quer mais é chorar. Se maquiar para as olheiras não assustarem as criancinhas. Dá trabalho até posar para a foto 3 X 4. Não piscar.
Dá trabalho deduzir e seduzir. Dá trabalho amar, ser amado, esperar pacientemente alguma esmola emocional que caia no chapéu virado, enquanto fazemos nossas apresentações nos palcos da vida para ganhar aplausos e algum afeto. Dá trabalho tentar não demonstrar a falta que sentimos de um pouco mais de carinho e atenção. Dá trabalho sentar e esperar reconhecimento, algum agradecimento. Algum bilhete com beijos no final. Dá trabalho braçal, manual, intelectual.
Dá trabalho conhecer alguém. E preguiça. Muita. Ter de se interessar em saber no que foi que trabalhou até ali, o que fez ou não, se já tem experiência, se vem de alguma demissão amorosa, e se essa teve justa causa. Se dá para pedir referências, o que às vezes pode ser bom para evitar empregar tempo demais com a pessoa errada. Amar sempre tem pressa. A gente quer bater o ponto.
Dá trabalho comer, fazer a comida, comprar a comida. Carregar a comida. Dá trabalho decidir até se é melhor cozinhar, fritar ou assar, talvez nem isso.
Dá trabalho abrir o guarda-chuva para não se molhar, e o guarda-sol para não se queimar. Amarrar o cadarço do tênis, abrir e fechar zíperes, nem conto o trabalho que dá por meias, e se forem meias-calças então! Dá trabalho trocar de bolsa, arrumar malas. Desfazer malas. Trocar de roupa para sair, tirar a roupa pra dormir.
Dá trabalho tirar o pó da casa e das ideias. Tem quem ache até que dá trabalho ler, se informar, saber, pensar. Prefere mandar. Ou apenas seguir numa fila cabisbaixa alguém que não se dá nem ao trabalho de tentar unir e somar; só sabe dividir para tentar multiplicar.

Marli Gonçalves

Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano - Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto. (Na Editora e na Amazon).

Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano - Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto. (Na Editora e na Amazon).

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