24 de abril de 2024
Ligia Cruz

Permissão para dever

CONTASSe notícia boa é mosca branca por aqui, a dita deve estar extinta. Nada vai bem na terra brazilis. A saúde do país é tão frágil que estamos na eminência de concretizar a maior recessão da história, desde que Cabral aportou com suas caravelas por aqui. E olha que o mosquito vilão daqueles tempos era o infame borrachudo, nenhuma semelhança com o importado rajadinho aedes aegypti.
O desemprego deve ultrapassar os 10% em 2016. Esse indicador é o mais trágico de todos. Mas essa não é a preocupação do governo. Fechado em espadas para não ser degolado pelo movimento pró-impeachment, com moral abaixo da soleira, a equipe econômica tenta controlar a inflação, hoje em 11%, e se defender, sem nenhum mote, de novo rebaixamento, de mais dois graus, na nota brasileira no mercado internacional, pela agência de riscos Stand&Poor’s. Quem vai investir aqui com tanto barulho? Se correr a recessão pega, se ficar o mosquito pica. Triste.
A reação desta vez, para disfarçar a soberba, foi a de “pedir licença” ao congresso brasileiro para autorizar um rombo de R$ 60, 2 bilhões nas contas públicas. Lição aprendida no pós-pedaladas fiscais, com artifício de pecado consentido se for para o bem. E junto vem o corte de R$ 24,4 bilhões nos gastos do governo, necas em relação ao tamanho da conta da corrupção e dos gastos do governo. Óbvio que foi feito ainda mais um apelo pela volta da CPMF e pela reforma na previdência. A tesourada no orçamento atinge, entre outras, obras de infraestrutura Brasil afora – menos na transposição do rio São Francisco, no Bolsa Família e no programa Minha Casa Minha Vida, os bordões da Era Lula. Depois disso tudo, nem o “padim” padre Cícero quer mais ser canonizado por aqui.
Com moral baixo, a indústria paralisa as máquinas e conta suas perdas. Em torno de 64% delas não vão investir em crescimento e expansão de negócios no país neste ano. E a face mais cruel de toda essa história, na perspectiva daquele que paga todas as contas e sustenta a base da pirâmide, o desemprego segue em escalada vigorosa. Aquela instantânea e nova classe média tão festejada, que comprou e comprou, através de milhares de carnês há dois anos, está falida. São mais de 700 mil brasileiros sem emprego formal. Só em 2015 foi extinta 1,5 milhão de vagas no regime CLT.
Esses números alarmantes preocupam os especialistas da OIT (Organização Internacional do Trabalho). E o Brasil, mal pagador, engrossa as estatísticas dos 3,4 milhões de desempregados do planeta, alargando o buraco das incertezas de sobrevivência.
No salve-se quem puder, muitas empresas não querem saber desses desempregados quebrados em seus quadros. Nas duas últimas semanas uma denúncia está provocando um debate acalorado em um grupo do site LinkedIn. Com o mote de dar mais visibilidade profissional, o serviço também revela a crueza na esfera do emprego. A postagem reverbera o desabafo de uma candidata a uma vaga em uma grande empresa da rede de varejo. Após passar por todas as etapas da contratação, ela teve sua vaga recusada por estar inadimplente no comércio. O comentário já soma 194 comentários e muitos relatos nesse sentido, tristemente semelhantes.
Além da hipocrisia de ter que ser fluente em inglês, mesmo sem precisar usar, entre tantas outras exigências que servem só para aprimorar o corte, o candidato a emprego não pode ter o “nome sujo” (termo hediondo que deveria ser banido e penalizado por quem o usa) ou negativado como diz uma vertente mais boazinha no mercado. A lista negra se confirma e fulmina sem dó. Mas que chances têm de reverter essa condição tantos brasileiros que acreditaram no milagre da economia ou sabe-se lá por que outras circunstâncias encontram-se devedores? Esse é só um registro do dramático quadro social do país.
O cidadão tem poucas oportunidades de conseguir um lugar ao sol no Brasil real. Na ponta da corda, distante da esfera palaciana que só enxerga a si mesma, estão aqueles que não têm chances de negociar, pedir permissão para dever, para descumprir acordos e promessas, mesmo com milhões de avais em votos. Permissão para dever a outrem, só o governo. Calote, só o governo. Omissão, só o governo. Mentir, só os políticos todos. Enquanto isso o mosquito segue fazendo vítimas alheio às péssimas condições de saúde pública e mais tantas mazelas.

bruno

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