Um grupo de ministros do STF está em guerra com a democracia
Os ministros do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Dias Toffoli
(Divulgação/STF)
Esqueça por um momento, se for possível, as ordens do STF que mais uma vez mandaram soltar José Dirceu, o príncipe do PT condenado a 30 anos e nove meses de cadeia por corrupção, além de outros dois colossos da vida pública nacional — um, do PSDB, é acusado de roubar merenda escolar e o outro é tesoureiro do PP. (Só isso: tesoureiro do PP. Não é preciso dizer mais nada.) Faz sentido um negócio desses? Claro que não. Não existe na história do Judiciário brasileiro nenhum réu condenado a mais de 30 anos de prisão por engano, ou só de sacanagem; dos outros dois nem vale a pena falar mais do que já se vem falando há anos. Mas a questão, à esta altura, já não é o que cada um deles fez ou é acusado de ter feito no mundo do crime — a questão é o que estão fazendo os ministros supremos que abriram a porta da cadeia para os três, e virtualmente para todo o sujeito que hoje em dia é condenado por roubar o erário neste país. Os ministros, pelo que escrevem nas suas sentenças, decidiram na prática que ninguém mais pode ser preso no Brasil por cometer crimes de corrupção. Tudo bem, mas há uma pergunta que terá de ser respondida uma hora qualquer: é possível existir democracia num país onde Gilmar Mendes, Antonio Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio Mello, com a ajuda de algumas nulidades assustadas e capazes de tudo para remar a favor da corrente, decidem o que é permitido e o que é proibido para 200 milhões de pessoas?
Esse grupo de cidadãos está no STF por indicação, basicamente, de um ex-presidente da República hoje na cadeia, condenado a 12 anos por corrupção e lavagem de dinheiro, e por uma ex-presidente deposta por quase três quartos dos votos do Congresso. Foram aprovados para seus cargos pelo Senado Federal do Brasil — um dos ajuntamentos mais corruptos que se pode encontrar entre os seres humanos vivos no momento sobre a face da Terra. Jamais receberam um voto. Não respondem a ninguém. Como os loucos, os pródigos e os silvícolas, estão fora do alcance da lei — não podem ser acusados de nada, e muito menos punidos por qualquer ato que venham a cometer. Têm o direito de ficar nos seus cargos pelo resto da vida. Com essa proteção toda, garantida pela Constituição suicida em vigor no Brasil, deram a si próprios o poder de anular provas. Podem ignorar qualquer lei em vigor, recusar-se a aplicar normas legais, não aceitar decisões do Congresso e suprimir procedimentos judiciais. Dizem, é claro, que todas as suas sentenças estão de acordo com as leis — mas são eles, e só eles, que decidem o que a lei quer dizer. Se resolverem que dois mais dois são sete, nenhum brasileiro terá o direito de dizer que são quatro.
Os grandes gênios da nossa criatividade política, com os seus imensos estoques de sabedoria acumulada, devem ter alguma resposta para a pergunta feita acima. Talvez eles saibam como seria possível manter, ao mesmo tempo, o regime democrático e uma corte suprema povoada por Toffolis, Gilmares e Lewandowskis e dedicada a manter a corrupção como uma atividade legal no Brasil. Para os mortais comuns, está difícil de entender. Não existe em lugar nenhum do mundo, e nunca existiu, uma democracia em que o tribunal mais alto do Poder Judiciário faz uso da lei para impedir a prestação de justiça. Se as atuais leis brasileiras, como garantem os ministros a cada vez que soltam um ladrão de dinheiro público, os obrigam a transformar o direito de defesa em impunidade, então todo o sistema de justiça está em colapso; nesse caso, o que existe é um Estado de exceção, onde as pessoas que mandam valem mais que todas as outras. Contra eles, no entendimento de parte do STF, nenhum fato existe; nenhuma prova é válida. Os Toffolis, etc., conseguiram montar no Brasil um novo fenômeno: ao contrário da fábula narrada por Kafka em “O Processo”, o simples fato de alguém ser acusado perante o tribunal é a prova indiscutível de sua inocência.
Fonte: Veja Abril
José Roberto Guzzo, mais conhecido como J.R. Guzzo, é um jornalista brasileiro, colunista dos jornais O Estado de São Paulo, Gazeta do Povo e da Revista Oeste, publicação da qual integra também o conselho editorial.
José Roberto Guzzo, mais conhecido como J.R. Guzzo, é um jornalista brasileiro, colunista dos jornais O Estado de São Paulo, Gazeta do Povo e da Revista Oeste, publicação da qual integra também o conselho editorial.
Usamos cookies em nosso site para oferecer a você a experiência mais relevante, lembrando suas preferências e visitas repetidas. Ao clicar em “Aceitar tudo”, você concorda com o uso de TODOS os cookies. No entanto, você pode visitar "Configurações de cookies" para fornecer um consentimento controlado.
This website uses cookies to improve your experience while you navigate through the website. Out of these, the cookies that are categorized as necessary are stored on your browser as they are essential for the working of basic functionalities of the website. We also use third-party cookies that help us analyze and understand how you use this website. These cookies will be stored in your browser only with your consent. You also have the option to opt-out of these cookies. But opting out of some of these cookies may affect your browsing experience.
Necessary cookies are absolutely essential for the website to function properly. These cookies ensure basic functionalities and security features of the website, anonymously.
Cookie
Duração
Descrição
cookielawinfo-checkbox-analytics
11 months
This cookie is set by GDPR Cookie Consent plugin. The cookie is used to store the user consent for the cookies in the category "Analytics".
cookielawinfo-checkbox-functional
11 months
The cookie is set by GDPR cookie consent to record the user consent for the cookies in the category "Functional".
cookielawinfo-checkbox-necessary
11 months
This cookie is set by GDPR Cookie Consent plugin. The cookies is used to store the user consent for the cookies in the category "Necessary".
cookielawinfo-checkbox-others
11 months
This cookie is set by GDPR Cookie Consent plugin. The cookie is used to store the user consent for the cookies in the category "Other.
cookielawinfo-checkbox-performance
11 months
This cookie is set by GDPR Cookie Consent plugin. The cookie is used to store the user consent for the cookies in the category "Performance".
viewed_cookie_policy
11 months
The cookie is set by the GDPR Cookie Consent plugin and is used to store whether or not user has consented to the use of cookies. It does not store any personal data.
Functional cookies help to perform certain functionalities like sharing the content of the website on social media platforms, collect feedbacks, and other third-party features.
Performance cookies are used to understand and analyze the key performance indexes of the website which helps in delivering a better user experience for the visitors.
Analytical cookies are used to understand how visitors interact with the website. These cookies help provide information on metrics the number of visitors, bounce rate, traffic source, etc.
Advertisement cookies are used to provide visitors with relevant ads and marketing campaigns. These cookies track visitors across websites and collect information to provide customized ads.