

De demência em demência, ao longo dos últimos trinta anos, magistrados e políticos conspiraram para destruir o sistema de Justiça no Brasil. Tem sido um jogo roubado: ganha-ganha para eles, e perde-perde para a população que sustenta a ambos. De um lado, juízes e ministros das cortes superiores do Judiciário escreveram leis em seu benefício material e deram para os deputados e senadores aprovarem. Em troca, os políticos ganharam a virtual imunidade para os crimes que cometem – e que são obrigatoriamente decididos pelos magistrados. Xeque mate. You lost.
O atual presidente do STF, santo-dos-santos daquilo que foi um dia o Poder Judiciário do Brasil, fez um resumo imortal para essa situação de selvageria. “Perdeu, mané”, disse ele para um cidadão indignado com o comportamento do STF e de sua falange eleitoral o TSE, nas eleições presidenciais de 2022. O ministro Luís Roberto Barroso estava falando de política – tema, aliás, que não tem nada a ver com as suas obrigações de juiz. Mas, na verdade mais ampla, os “manés” perderam não só a eleição de 2022, como também já tinham vinham perdendo, ano após ano, o direito à segurança jurídica – a expectativa racional de que a lei vai ser cumprida conforme está escrita.
A ‘Constituição Cidadã’ de 1988, no entender dos seus comanditários, tinha de dar à Justiça brasileira uma independência jamais vista no mundo. O resultado concreto é que os magistrados ficaram independentes para fazer todo o tipo de mal em seu próprio benefício, sem correr nenhum risco efetivo de punição ou de controle
É um câncer em metástase. Começou, como ocorre em tantas das nossas piores desgraças, com uma intenção linda no papel, e falsa na vida real: a “Constituição Cidadã” de 1988, no entender dos seus comanditários, tinha de dar ao Judiciário brasileiro uma independência jamais vista no mundo. O resultado concreto é que os magistrados ficaram independentes para fazer todo o tipo de mal em seu próprio benefício, sem correr nenhum risco efetivo de punição ou de controle. O público em geral ficou dependente de uma casta que assumiu o direito a se remunerar como quer, de ignorar a lei em favor do que acham “certo” e até de vender sentenças – inclusive a prestações. Não se pode pressionar um juiz em nada, certo?
É claro que essa infecção não se regenera por conta própria, assim como não se regeneram os delinquentes que os sociólogos querem tirar da cadeia para que se transformem em cidadãos exemplares. O último feito da Corregedoria do CNJ, a quem cabe, justamente, fiscalizar a conduta da magistratura, é mais uma conquista da “classe” – e mais uma agressão contra o povo brasileiro. É sempre assim, desde que a “Constituição Cidadã” sindicalizou a Justiça deste país: a pretexto de coibir um erro, o CNJ legaliza o erro, e aproveita para dobrar o que está errado.
mês – o que já é um despropósito em si. Como também se sabe, esse limite é uma das piadas mais sinistras do Judiciário. Por via da manipulação esperta dos “penduricalhos”, vantagens extra-salariais em dinheiro que as leis vão criando para a carreira, magistrados recebem muito mais que esse teto; são essas importâncias absurdas que todos os dias você vê anunciadas na mídia.
E o que o CNJ faz diante dessa aberração? Estabelece que, a partir de agora, os “penduricalhos” não podem passar de outros R$ 46.000 por mês. Ou seja, na prática: o salário legal da “categoria” passa a ser de R$ 92.000 mensais. Dobraram a anomalia. Como esse teto tende a se tornar um piso, dá para se deduzir para onde estamos indo.
Fonte: Gazeta do Povo


José Roberto Guzzo, mais conhecido como J.R. Guzzo, é um jornalista brasileiro, colunista dos jornais O Estado de São Paulo, Gazeta do Povo e da Revista Oeste, publicação da qual integra também o conselho editorial.