Magistrados entram com ações na Justiça, através de suas ‘associações profissionais’, exigindo dinheiro e outros benefícios do Erário – e eles mesmos, magistrados, julgam as causas que moveram
De todas as patologias que fazem da justiça brasileira como um todo, e durante a maior parte do tempo, uma máquina de produzir injustiças, poucas se comparam ao sindicalismo judicial. É criação relativamente recente; ganhou raízes e disparou a crescer depois da Constituição de 1988, valendo-se da vasta inundação de direitos que abençoou e enriqueceu nos últimos 30 anos, entre muitos outras, as castas superiores do judiciário brasileiro. Basicamente, funciona assim: os magistrados entram com ações na Justiça, através de suas “associações profissionais”, exigindo dinheiro e outros benefícios do Erário – e eles mesmos, magistrados, julgam as causas que moveram.
Não é preciso ser nenhum Prêmio Nobel para saber que essas causas acabam, sistematicamente, com a vitória dos juízes. Trata-se, pura e simplesmente, de julgamento em causa própria – uma aberração que não se comete em nenhum país bem-sucedido do mundo. Alguém já ouviu falar de juízes americanos, por exemplo, movendo uma ação judicial para cobrar aumentos de salário, “adicionais” por tempo de serviço, licenças-prêmio e outras maravilhas que a máquina estatal fabrica em benefício dos que ocupam os seus galhos mais altos? É claro que não. No Brasil, porém, isso é coisa do noticiário de todos os dias, como a previsão do tempo e a cotação do dólar.
O último espasmo desse sistema que produz falcatruas em regime contínuo aconteceu no Rio de Janeiro. O Tribunal de Justiça local deu ganho de causa – é óbvio – à uma ação em favor dos cerca de 1.200 magistrados do Estado, na ativa ou aposentados, pela qual se cobravam “atrasados” que, segundo os sindicatos de juízes, vêm desde o ano de 2005. Esses sindicatos se apresentam sob o sufixo “magis”, abreviação para as associações de magistrados de todos os tipos, estaduais e nacionais, que cobrem o Brasil de ponta a ponta. Funcionam com muito mais sucesso do que qualquer sindicato de trabalhadores.
No Rio de Janeiro, como em outros Estados, o sindicato local tem tido uma performance exemplar para a categoria. A justiça fluminense, no ano passado, custou cerca de 750 milhões de reais ao pagador de impostos – sem contar, naturalmente, com o presente que acaba de ser dado. Cada juiz ganhou, em média, pouco acima de R$ 46 mil reais por mês. Não há nenhum limite vista. A qualquer momento, as “magis” podem entrar com uma nova ação – sabendo perfeitamente que a decisão está garantida desde já.
Fonte: Estadão
José Roberto Guzzo, mais conhecido como J.R. Guzzo, é um jornalista brasileiro, colunista dos jornais O Estado de São Paulo, Gazeta do Povo e da Revista Oeste, publicação da qual integra também o conselho editorial.