3 de outubro de 2024
Joseph Agamol

O cio da chuva

foto: Victor Torres, Stocksy.com

Nós meio que embrutecemos em meio à tanto amargor cotidiano que, se deixarmos, vai nos tomando um pouquinho por vez.
A ponto de ser necessário um antídoto imediato.
Que nem precisa ser algo mais complexo e elaborado, não, não carece necessariamente de ser, sei lá, uma viagem, ou um presente ofertado a si próprio no altar de algum mall próximo.
Muitas vezes o alívio, o refrigério, a toalha fria na testa, vem de uma forma simples e inesperada.
Um livro bom. O novo de Stephen King. Tem final feliz, acredita? De fazer chorar de tão bonito.
Uma canção country de Miranda Lambert – ouça The House That Built Me.
Depois me conta.
Uma mensagem de quem se sente falta – e que as vezes a gente só percebe a falta quando a presença tarda.
A chuva escorrendo pelo beiral.
Pronto.
A chuva lá fora, dançando miudinho na janela de vidro pintado de prata.
Interrompendo um período de seca intensa, em vários sentidos, se forçar um pouquinho os olhos, um tantinho a alma, a gente consegue até um pouco ver a terra se abrindo para receber os pingos grossos, num quase balé sensual.
O cio da chuva.
Eu penso que é diante dessas pequenas maravilhas atemporais que nossa alma imortal se aquece e aconchega.
Porque observar a chuva caindo lá fora é um ritual universal, um conjurar de sentimentos bons, que atravessa tempos e espaços.
É como se a gente mergulhasse a mão no passado distante e extraísse ouro fundido alquímico que compõe aquilo que realmente somos, quando descascamos as camadas de armadura que vestimos no dia a dia.
É como se a gente mergulhasse fundo uma concha de prata em uma terrina gigante cheia até a borda de serenidade e paz.
E trouxesse de volta até os lábios.
A sede saciada, a fome matada, o sono tranquilo, o amor concebido, a alma em remanso, os mares interiores todos aplacados, o alívio concedido, a paz inconsútil, enfim.
A chuva no beiral.

Joseph Agamol

Professor e historiador como profissão - mas um cara que escreve com (o) paixão.

Professor e historiador como profissão - mas um cara que escreve com (o) paixão.

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