19 de abril de 2024
Colunistas Joseph Agamol

Eu encaro o fechamento de uma livraria como insulto pessoal

Quase como xingar a mãe…

Foto: Google Imagens – Jornal da Paraíba

Corriam os anos 80 no Rio de Janeiro. Eu lutava para concluir o Segundo Grau (antigo nome do atual Ensino Médio, que outrora se chamou “Científico”: curioso é que, a cada troca de nome, a qualidade do ensino caía mais), dividido entre atividades mais agradáveis, como o vôlei, o violão e as normalistas da minha escola: eu não era belo, mas, mesmo assim, havia mil garotas a fim, como dizia a canção.

Ao mesmo tempo, eu descia a ladeira com as más companhias do meu séquito: aliás, eu próprio era flor malcheirosíssima, useiro e vezeiro em ser expulso da sala, ser suspenso, ser quase expulso e quase coisas piores.

Salvou-me, do destino comum aos habitantes da minha região, o Complexo do Alemão, um professor. E os livros.

Ah, os livros! Eu os amava – amo! – desde guri. No princípio minha mãe trabalhava no Círculo do Livro – o que significava que eu lia quase tudo antes que ela conseguisse entregar aos sócios do Círculo, uma espécie de clube de leitura. Quando ela saiu, tive que me virar, como garotos pobres apaixonados por livros precisavam fazer.

E me virei apelando para as Bibliotecas Públicas: havia dezenas delas no Rio, por incrível que possa parecer. E eu percorria TODAS que tivessem ao menos uma seção de empréstimo residencial:

– a Biblioteca Estadual, na presidente Vargas, e sua horrenda estrutura em concreto pré moldado, provavelmente herança de Niemeyer, muito em voga na época.

– a Biblioteca Euclides da Cunha, situada no Palácio Gustavo Capanema, antigo Ministério do Trabalho,na região do Castelo, centro do Rio.

– e as pequenas e charmosas bibliotecas de bairros, como a de Olaria-Ramos e a da Penha, zona norte do Rio.

Eu era sócio de TODAS, e em TODAS eu gastava meu limite de livros emprestados (2), até fazer amizade com os bibliotecários, que simpatizavam com aquele garoto antipático, grande e de cara de poucos amigos, e liberavam uma quantidade maior: eu saía das bibliotecas com a velha mochila ABARROTADA de livros, que eu quase não conseguia carregar.

Livros que eram consumidos – DEVORADOS seria o termo mais preciso – e devolvidos sempre antes do prazo. Apenas para que eu pegasse mais. E mais.

Eu não era viciado em livros. Vícios são, em geral, degradantes. Eu era um ENAMORADO dos livros: é a única expressão que me ocorre, diante da lembrança do adolescente magro, de 1,90m, óculos à la John Lennon, e sempre com um livro a manusear, acarinhar, cheirar – e ler, claro, que espécie de pervertido vocês acham que eu era?

Todas essas recordações me passaram pelos olhos hoje, quando, após muitos meses sem ir ao shopping, descobri que as DUAS livrarias do que eu mais frequentava em Campinas fecharam. As duas. Ao mesmo tempo. A Cultura e a Saraiva. Onde passei horas e manhãs e tardes imerso em meu amor, entre cafés, chocolates e portais. Portais abertos pelos livros, meus amigos e amantes desde que aprendi a amarrar os sapatos.

Que país é esse, que fecha livrarias como quem fecha portas e caminhos?

Pois é isso que são: Portas. Caminhos. Vidas.

Joseph Agamol

Professor e historiador como profissão - mas um cara que escreve com (o) paixão.

Professor e historiador como profissão - mas um cara que escreve com (o) paixão.

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