O dia estava como ela sempre amava: o céu azul-cobalto, alguns urubus dormindo na perna do vento, como naquela canção do Tom, a temperatura em civilizados 21 graus…
Ela colocou a playlist “Descobertas da Semana”, no Spotify e ouviu… “Sapato Velho”, que ela não ouvia há uns bons anos. Pensou com certa tristeza que hoje são tempos de músicas feitas para não serem ouvidas. Muito menos recordadas daqui a alguns anos.mas como assim, “Sapato Velho” é novidade, Spotify? Riu-se, divertida e sozinha, em frente à janela da sala. E recordou, o café esfriando na mão.
Era 1981. Ela ainda usava franjinha, acreditava em muitas coisas e homens e em teorias e explicações do mundo. O tempo levou quase tudo, a esculpiu, endureceu o bastante, chapiscou o muro exterior, para proteger a terra sagrada do seu coração.
“Você lembra, lembra”
Claro que ela lembrava: como iria esquecer?
O primeiro carro, o Uno à álcool que o pai ligava bem cedo para aquecer o motor e ela não chegar atrasada, o dia que saiu de casa, a mãe chorando no portão, como se ela fosse mudar para Alfa centauro, e não para uma cidade a 2h dali, o primeiro cara que a consumiu, ah, esse cara tem… Caetano. E Tavito. E Beto. E toda uma legião de canções desfilou em sua mente/coração.
A música acabou, sendo substituída por uma de Melody Gardot. Ela podia não colher mais as flores de maio, de quando era adolescente.
Mas ainda tinha estrelas nos olhos.
Muitas.
Professor e historiador como profissão – mas um cara que escreve com (o) paixão.