“Ah, se as estrelas fossem minhas!”, ela pensou, “como no título da música!”, e sorriu para o espelho, a cabeleira se precipitando em ondas pelos ombros e costas.
O passado era o que era e ela não podia mais mudar toda a mágoa e desamor e descuido que sofrera.
O passado era o que era mas ficou, pendurado numa fotografia de família, numa aliança esquecida numa caixa invadida lentamente pela poeira.
Não havia poeira em seu presente e não haveria no futuro, ela decidiu.
Ela decidiu não desistir, como nunca havia desistido no passado, quando tinha perdido a conta das vezes em que chorara escondida no escuro, no quarto, na cama, no banheiro, dentro do armário, em quase todo lugar que a abrigasse e a suas lágrimas.
Quando chegara pensar que, para ela, a noite nunca se tornaria madrugada e, por fim, manhã.
Quando levantava os olhos para o céu e se perguntava quando seria a sua vez de sorrir.
A sua vez.
Ela lembrou de tudo isso num átimo, a mala velha aos seus pés, os poucos pertences, o livro que ganhara quando criança, a foto borrada dos seus 15 anos, a festa em que ela vomitara no banheiro e voltara rindo, rindo, meio bêbada ainda, a capa do disco que ela amava, as meias de dedinhos coloridos. O diploma. A passagem.
Tinha espaço na mala. Tinha espaço no coração. Na alma. Ah, como tinha.
Ela olhou ao redor mais uma vez. Não ia sentir saudade. Chorar? Ah, vá!
Soprou uma mecha de cabelo dos olhos, repetindo um gesto que executava desde menina, segurou a alça da mala, seus dedos sentindo o couro áspero como uma promessa, apertou com força e desceu os degraus com cuidado, em silêncio, para não acordar ninguém.
Para não acordar o passado.
Ela fechou a porta as suas costas e entrou na madrugada. Levantou a cabeça, semicerrou os olhos e entreabriu as narinas, o rosto uma máscara de determinação, como uma lutadora saindo das cordas e voltando ao ringue, e mirou o horizonte.
Escuro. Ainda escuro.
Mas ela pressentia, mais do que via, uma poeira dourada a lhe sussurrar que haveria uma manhã clara, um sol de outono, e, sim, haveria ainda alguma dor, mas os sorrisos enfim viriam para ela.
Era só não desistir.
“Desistir? Agora? Que eu caminhei para tão longe? Ah, vá!”
E tomou para si a manhã que lhe pertencia.
Professor e historiador como profissão – mas um cara que escreve com (o) paixão.