29 de março de 2024
Colunistas Joseph Agamol

A menina que ama Dezembros

Foto: Joseph Agamol

Ela olhou o calendário e sorriu: 5 de dezembro! Mas como?! Já?!

Seus dedos buscaram o play e colocaram para rolar o mais recente álbum do Clapton, “Christmas”.

Segurou a caneca de café e recostou na bancada da cozinha. Fechou os olhos. Viajou.

Voltou a ser só a menina que ia dormir cedo na noite de 30 de novembro, torcendo para amanhecer logo.

Ainda de olhos fechados, ainda sorrindo, o café um travo doce-amargo na língua, a memória avivada.

Dezembro era mês das rabanadas, comprar o pão, a canela, mês da família chegar de longe, de ir para a casa da tia que não tinha tido filhos e que a tinha como a que não tivera.

Era o mês de montar a árvore com esmero, os enfeites delicados acondicionados em uma caixa com algodão, de aguardar ansiosa o dia 25, dos presentes simples que sabia que viriam, sempre vinham, ainda que com algum sacrifício.

Era o mês em que o Verão ainda não havia chegado com força e as noites eram ainda frescas e ela até sonhava com renas e bonecos de neve, natais brancos como na canção de Irving Berlin e Frank Sinatra que ela só viria a conhecer muitos anos depois.

Era o mês das férias da escola, ela que muitas vezes não precisava de férias porque amava estudar, mas que amava mesmo assim, sentir os pés livres na terra preta como bolo de chocolate, e na areia dourada como bolo de nozes, o mar batendo na praia e lhe fazendo dormir.

Anos mais tarde, adolescente, palavra que nem existia na época, dezembro era o mês de desacelerar, de planejar namoros futuros, empregos futuros, viagens futuras, começando com os Estados Unidos, começando em 1 de janeiro.

Já adulta, dezembro eram resoluções de ano novo, perder tantos quilos, ganhar tanto de dinheiro, esquecer amores antigos, abrir-se para paixões novas, um carro novo, um apartamento novo, um trampo novo, o novo, o novo.

Agora madura, continua sonhando, um sonho misturado com lembranças de toda uma vida, o novo mesclado com o antigo que viveu, viajar para voltar onde foi tão feliz, o amor que era novo tornou-se antigo e bom, alicerces fincados na terra preta de bolo de chocolate, os novos fios brancos como a neve que teimavam em surgir, e as linhas finas próximas aos lábios, como a lembrar das estradas que percorreu, tanta estrada!

Tanta estrada.

Ela abriu os olhos e viu que ainda tinha o café nas mãos. Ainda rolava Clapton na vitrola. Vitrola, vê se pode?! Ainda sorrindo, olhou o calendário.

Não importava quantos caminhos tinha trilhado ou quantos trilhavam seu rosto:

Ela ia ser para sempre uma menina que ama Dezembros.

Joseph Agamol

Professor e historiador como profissão - mas um cara que escreve com (o) paixão.

Professor e historiador como profissão - mas um cara que escreve com (o) paixão.

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