3 de outubro de 2024
Colunistas Joseph Agamol

No tempo da sacanagem

foto: John Sotomayor, 1986

Houve um tempo em que as crianças não falavam “sacanagem”, que era coisa de guris mal educados. Não sacanagem geral, como sinônimo de safadeza, coisas de alcova, mas a palavra em si. Isso foi no tempo da sacanagem. No tempo da sacanagem a dita cuja se executava entre quatro paredes – e o teor da mesma pertencia apenas aos envolvidos, como sói acontecer. “Sói” também é desse tempo.

No tempo da sacanagem não se amarrava cachorro com linguiça – mas se fazia verso em papel de pão. Aliás, diz a lenda que, no tempo da sacanagem, pão não engordava, só nutria.

No tempo da sacanagem se bebia água da torneira, da mangueira, da rua e ninguém ficava dodói. Ou a gente não sabia e seguia a vida. Tipo corte que sangrava e a gente não se dava conta. (Hoje é água para tudo, água smart, água que a garrafa amassa se você aperta, água aditivada e muitos ficam dodóis). Aliás, ”dodói” hoje em dia é multidão, sinônimo de gente que ofende, se magoa, se fere por dá cá aquela palha. Essa é do tempo da sacanagem também.

No tempo da sacanagem se ouvia Tom no rádio, Guimarães, Quintana e Drummond lançavam livros, a gurizada assistia “Vila Sésamo” na TV, o futebol era narrado por Jorge Cury, Waldir Amaral e João Saldanha no rádio, no verão não passava dos 40, e Cosme e Damião patrulhavam as ruas na madrugada, cortando a noite com seus apitos.

Donde se conclui, ao fim e ao cabo, que o tempo da sacanagem, no mau sentido, é é hoje mesmo.

Joseph Agamol

Professor e historiador como profissão - mas um cara que escreve com (o) paixão.

Professor e historiador como profissão - mas um cara que escreve com (o) paixão.

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