Houve um tempo em que as crianças não falavam “sacanagem”, que era coisa de guris mal educados. Não sacanagem geral, como sinônimo de safadeza, coisas de alcova, mas a palavra em si. Isso foi no tempo da sacanagem. No tempo da sacanagem a dita cuja se executava entre quatro paredes – e o teor da mesma pertencia apenas aos envolvidos, como sói acontecer. “Sói” também é desse tempo.
No tempo da sacanagem não se amarrava cachorro com linguiça – mas se fazia verso em papel de pão. Aliás, diz a lenda que, no tempo da sacanagem, pão não engordava, só nutria.
No tempo da sacanagem se bebia água da torneira, da mangueira, da rua e ninguém ficava dodói. Ou a gente não sabia e seguia a vida. Tipo corte que sangrava e a gente não se dava conta. (Hoje é água para tudo, água smart, água que a garrafa amassa se você aperta, água aditivada e muitos ficam dodóis). Aliás, ”dodói” hoje em dia é multidão, sinônimo de gente que ofende, se magoa, se fere por dá cá aquela palha. Essa é do tempo da sacanagem também.
No tempo da sacanagem se ouvia Tom no rádio, Guimarães, Quintana e Drummond lançavam livros, a gurizada assistia “Vila Sésamo” na TV, o futebol era narrado por Jorge Cury, Waldir Amaral e João Saldanha no rádio, no verão não passava dos 40, e Cosme e Damião patrulhavam as ruas na madrugada, cortando a noite com seus apitos.
Donde se conclui, ao fim e ao cabo, que o tempo da sacanagem, no mau sentido, é é hoje mesmo.
Professor e historiador como profissão – mas um cara que escreve com (o) paixão.