Ele desistiu de sair e tentou se acomodar nas sombras. Estava frio e úmido, havia chovido e seu pêlo estava cheio de lama. Ele deitou a cabeça sobre as patas e chorou baixinho.
Lá fora, em uma breve trégua na Primeira Guerra Mundial, o homem caminhava em meio aos escombros. Por todos os lados onde seus olhos podiam chegar, só via destruição. Murmurou uma prece quase silenciosa e prosseguiu, suas botas pesadas rompendo a lama e os destroços.
Foi quando sua audição aguçada captou um ruído abafado. Ele parou. Fez “shhhhh” para o irmão em armas mais próximo. Baixou a cabeça, atento, buscando a origem do som. Um murmúrio. Vinha de uma pilha de ruínas do que devia ter sido uma casa. Caminhou até lá. A mão no coldre.
Debaixo de todo o entulho, ele ouviu o som de passos se aproximando. Humanos. Se encolheu. Chorou mais um pouquinho. Se pudesse, teria coberto a cabeça com as patas. Tremia, de medo e frio. Tanto medo!
A pequena abertura no alto da pilha se abriu. Primeiro ele viu mãos grandes abrindo caminho. Chorou mais alto. Depois um rosto grave e de traços duros. Ao vê-lo, o rosto se enterneceu e abriu um sorriso.
Então ele sorriu também, como só os cães sabem fazer. Sentiu as mãos grandes o buscando e erguendo da pilha. O homem ria agora, feliz, e o aconchegou dentro do seu casaco de couro marrom. Estava quentinho lá dentro. Ele se sentiu aquecido e seguro – e logo adormeceu.
Quando acordou, estava dentro de uma casa enorme, com enormes pássaros pousados no solo e muitos homens vestidos como o humano que o resgatou, botas, casaco de couro… Debaixo dele havia um tapete felpudo e grosso. À sua frente, duas tigelinhas, uma com comida e outra com água limpa. Ele latiu, feliz. Comeu, bebeu, procurou o agora SEU humano e viu que ele estava próximo. Resmungou satisfeito… e dormiu de novo.
Eu não sei o nome do soldado americano que salvou o cachorrinho. Eu juro que procurei muito. Sei que ele fazia parte do 369 regimento de infantaria, formado em sua maioria por soldados negros – e por isso conhecido como os Harlem Hellfighters.
Mas o que importa é que aquele Alguém lá em cima sabe. E, na hora da chamada para o Paraíso, tenho certeza que o nome do soldado será um dos primeiros da lista. E – quer saber?
Acho que ele vai entrar com um cachorrinho pulando feliz ao seu lado.
Duvido que se separariam.
Professor e historiador como profissão – mas um cara que escreve com (o) paixão.