19 de abril de 2024
Colunistas Joseph Agamol

A tal família tradicional brasileira

Não se passa uma semana sem que os tabloides publiquem ao menos uma declaração de personalidades midiáticas diversas, invariavelmente nesse tom:

“Fulano (a) CHOCA a família tradicional brasileira ao ————————- (insira aqui a irrelevância da vez).Fiquei matutando.

Por “família tradicional brasileira”, a tal que, dia sim, dia também, sente-se chocada, a julgar pelas manchetes dos jornais, entenda-se “gente comum”.

Homens e mulheres, brancos, negros, amarelos, que trabalham, estudam, pagam suas contas, torcem para que sobrem uns cobres para queimar uma costela no findi, e que torcem mais ainda para retornar às suas casas, à noite, no país dos 60 mil homicídios por ano.

O que surpreende, assusta e choca a família tradicional brasileira, amigos e vizinhos, é o preço do feijão. Do arroz. Do macarrão e do óleo.
Ah, tem a conta de luz. O bujão de gás. A TV por assinatura, o pacote de dados.

Boletos, enfim.

Essa história toda me fez lembrar o romance “O Cortiço”, de Aluísio Azevedo, publicado em 1890. Repito: 1890.

Há, no livro, uma cena rica em detalhes de uma transa entre a prostituta Leonie e sua “protegida”, Pombinha.

Há mais de cem anos.

Se a família tradicional brasileira, que na época devia ser ainda mais tradicional – cem anos, pô! – ficou chocada, não demonstrou. Seguiu em frente.
Há incontáveis gerações as pessoas fazem o que querem em seus quartos e camas e a “família tradicional brasileira” ignora solenemente.
Parem de achar que a família tradicional está preocupada com vossos umbigos – para não falar outras coisas.

Porque ela não está nem aí, amiguinhos.

Não está nem aí.
Os boletos, que droga.
Joseph Agamol

Professor e historiador como profissão - mas um cara que escreve com (o) paixão.

Professor e historiador como profissão - mas um cara que escreve com (o) paixão.

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