Não se passa uma semana sem que os tabloides publiquem ao menos uma declaração de personalidades midiáticas diversas, invariavelmente nesse tom:
“Fulano (a) CHOCA a família tradicional brasileira ao ————————- (insira aqui a irrelevância da vez).Fiquei matutando.
Por “família tradicional brasileira”, a tal que, dia sim, dia também, sente-se chocada, a julgar pelas manchetes dos jornais, entenda-se “gente comum”.
Homens e mulheres, brancos, negros, amarelos, que trabalham, estudam, pagam suas contas, torcem para que sobrem uns cobres para queimar uma costela no findi, e que torcem mais ainda para retornar às suas casas, à noite, no país dos 60 mil homicídios por ano.
O que surpreende, assusta e choca a família tradicional brasileira, amigos e vizinhos, é o preço do feijão. Do arroz. Do macarrão e do óleo.
Ah, tem a conta de luz. O bujão de gás. A TV por assinatura, o pacote de dados.
Boletos, enfim.
Essa história toda me fez lembrar o romance “O Cortiço”, de Aluísio Azevedo, publicado em 1890. Repito: 1890.
Há, no livro, uma cena rica em detalhes de uma transa entre a prostituta Leonie e sua “protegida”, Pombinha.
Há mais de cem anos.
Se a família tradicional brasileira, que na época devia ser ainda mais tradicional – cem anos, pô! – ficou chocada, não demonstrou. Seguiu em frente.
Há incontáveis gerações as pessoas fazem o que querem em seus quartos e camas e a “família tradicional brasileira” ignora solenemente.
Parem de achar que a família tradicional está preocupada com vossos umbigos – para não falar outras coisas.
Porque ela não está nem aí, amiguinhos.
Não está nem aí.
Os boletos, que droga.
Professor e historiador como profissão – mas um cara que escreve com (o) paixão.