26 de março de 2025
Fernando Fabbrini

Terror no zoológico

A tragédia volta a ser estudada

Foto: Editoria de Arte

Nova Iorque tem uma porção de jardins botânicos e zoológicos. Um deles, o Prospect Zoo, fica no Brooklyn. Há alguns anos, numa tarde de maio, o jovem de origem porto-riquenha Juan Perez divertia-se ali com amigos. A sirene soou, era hora de fechar. Os garotos saíram mas não se afastaram muito. Trocando brincadeiras e bravatas – coisas de adolescentes – e como fazia calor, desafiaram Juan a saltar o alambrado e a nadar no lago artificial dos ursos polares.

Rindo, Juan topou. Esperou que os funcionários do parque fossem embora e, só de cuecas, galgou o obstáculo e mergulhou no lago, sob aplausos dos colegas. No espaço vivia Teddy, um macho de 650 kg e sua companheira Lucy, na faixa dos 400 kg. Os ursos logo notaram a invasão do seu território. Rapidamente Lucy mergulhou também e, com habilidade, impeliu Juan em direção à borda e ao macho. Trabalho de equipe: Teddy, com patadas poderosas, puxou o rapaz da água e atacou-o. Cena horrível; um banho de sangue; Juan morreu na hora. Ouvindo a gritaria, policiais chegaram. Foram necessários mais de 20 tiros para abater os animais e então recolher o que restara de Juan.

Impressionado com o episódio, Umberto Eco escreveu uma crônica primorosa (em Secondo Diario Minimo, Ed. Bompiani). O escritor, filósofo, semiólogo e linguista também era um arguto observador e crítico implacável dos comportamentos humanos. Umberto voltou seu foco a uma questão sutil: que tipo de educação estão recebendo os jovens e – principalmente – o que andam fazendo com o conhecimento? Juan era um garoto de classe média; frequentava high-school e tinha acesso a todo tipo de informação. Portanto, saberia avaliar o perigo da bravata.

Agora, um grupo da Universidade de Georgetown está novamente analisando o trágico evento do Brooklyn e similares, retomando pesquisas nessa linha. Algumas conclusões já foram alinhavadas e provocam arrepios. Com o apoio dos livros, internet, redes sociais, filmes e séries da TV, a relação dos humanos com os animais estará se tornando fantasiosa, ingênua? Todos os bichos serão bonzinhos, inofensivos como os da Disney? Viraram somente pets, objetos de suspiros apaixonados, afagos e beijocas?

Os pesquisadores de Georgetown acham que uma das causas desse fenômeno é a crescente rejeição aos aspectos “selvagens” e “primitivos” da vida – seja vida animal ou humana. A mídia, as redes sociais, os produtores de entretenimento politicamente corretos insistem na construção de um mundo fictício onde só existem seres “do bem”; simpáticos, pacíficos e engraçadinhos.

Assim, tudo que não pareça adequado precisa ser censurado nas páginas e telas, espaços agora exclusivos de leõezinhos amorosos, tubarões amáveis e hipopótamos fofinhos. Ou seja: andam propositadamente ocultando atitudes instintivas – disputas por alimento, autodefesa, acasalamento, guarda dos territórios e das crias – porque essas situações incluem brigas, violência, supremacia dos mais fortes. De fato, podem ser comportamentos assustadores – mas são reais; fazem parte da vida.

Fã dos bichos, sempre respeitei suas lógicas, às vezes incompreensíveis, porém legítimas. Mesmo animais domesticados podem nos surpreender quando ameaçados nos seus âmagos “selvagens”. Identificar inimigos e perigos, proteger-se e defender-se são, enfim, reações naturais de animais e de humanos em seus ambientes. Relembro os ursos e Juan Perez ao ler notícias de jovens morrendo em situações que revelam distanciamento absurdo da realidade e traços preocupantes de imprudência, arrogância, superproteção familiar ou ignorância pura e simples.

Embora na condição de humanos informados, pacíficos e tolerantes, não podemos desprezar o instinto primal; nossa porção “bicho” ou “selvagem”, quando necessário. Faz parte da vida.

Fernando Fabbrini

Escritor e colunista de O TEMPO

Escritor e colunista de O TEMPO

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