27 de março de 2025
Fernando Fabbrini

Grosserias

Mal-educados que povoam o nosso cotidiano

Junto à minha casa existe uma área reservada aos veículos de idosos. Cabem ali três carros enfileirados. É boa medida, sobretudo pela proximidade de um supermercado. No entanto, vários idosos (e outros nem tanto, fraudando a comodidade) abastecem os carrões com as compras e largam os carrinhos no passeio, só para não terem o simples trabalho de retorná-los à loja, coisa de um minuto; de dez metros de distância.

Estava certa manhã voltando da caminhada habitual quando deparei-me com uma elegante senhora estacionando ali um SUV. Seus cabelos brancos certamente permitiam-na desfrutar de tal privilégio. Porém, desprezando os limites de cada vaga, estacionou o trambolho exatamente na metade da área reservada.

Logo, onde caberiam três, restava apenas meia vaga à frente e meia atrás; espaço para dois Fuscas – e apertadinhos. Com meu sorriso matinal costumeiro, uma vez que ainda não lera as notícias da internet, aproximei-me da janela do carro, dei bom-dia e proferi o infeliz e inoportuno comentário:

  • Olha, se a senhora estacionar um pouquinho à frente, caberão mais dois aí atrás…

Nossa! A face envelhecida – porém, ainda bela – da referida idosa transformou-se na de uma megera furibunda e vieram as respostas, na lata. A primeira:

  • Eu sei! – dita com ares de desprezo e arrogância. E, na sequência, batendo a porta do veículo e quase agredindo-me com a bolsa Chanel chiquérrima, a segunda:
  • Vá cuidar da sua vida! – e tomou o rumo do supermercado, pisando duro.

Pobre mulher! Com certeza não dormira bem; ou percebera uma nova ruga no canto dos olhos; ou descobrira que o maridão lhe botava chifres com uma bonitona; ou qualquer contrariedade lhe estragara a manhã. E ainda surge um cara dando lições de como compartilhar adequadamente o espaço urbano? Ela tinha razão.

Contei o caso para os amigos e descobri que não sou o único atento a essa epidemia – a grosseria urbana generalizada explosiva. Outra senhora, também num imenso SUV (serão acessórios desses modelos a desinteligência artificial e a estupidez genuína?) atravancava o tráfego de uma esquina, se lixando para a imobilidade que provocava na região, falando calmamente ao celular. Uma motorista – educadamente – lembrou-a que o local exibia uma placa de parada proibida.

Afastando o celular por um minuto, disparou a mesma resposta: – Vá cuidar da sua vida!

Falando em convívio, supermercado é ambiente ideal para uma rica amostragem sociológica. Há os que consideram e respeitam outros humanos e aqueles que vivem em torno do próprio umbigo.

São os ansiosos que atropelam incautos e empurram carrinhos contra calcanhares alheios em performances de Fórmula 1; os que se metem na fila de idosos se fazendo de inocentes; os que enfiam o braço na nossa cara – quase um tapa, um soco – apenas para alcançarem um produto na mesma gôndola onde paramos. O velho termo “com licença?” há muito abandonou o vocabulário nacional em espaços coletivos.

Outro dia, nova cena terrível lá. Dois meninos endiabrados infernizavam os fregueses com correrias e gritarias pelos corredores – e soprando cornetas de brinquedo; imaginem. O pai, absolutamente à parte, absorto, consultava interessado a prateleira de vinhos importados. A equipe do supermercado também fazia de conta que a vida corria normal; medo de perder o cliente; claro.

Mas algo aconteceu. Aos poucos, percebi reações dos demais fregueses; muitos olhares e sussurros de indignação e censura, divididos em dois grupos. Uma turma, querendo esganar o pai e os capetinhas. Outra, torcendo secretamente para que os garotos derrubassem garrafas de Domaine de la Romanée-Conti safra 1950.

Educadamente, saí de perto. Nem quis ver no que deu.

Fernando Fabbrini

Escritor e colunista de O TEMPO

Escritor e colunista de O TEMPO

1 Comentário

  • Rute Abreu de Oliveira Silveira 20 de outubro de 2024

    Triste constatação das grosserias que estamos sujeitos diariamente.
    Não consigo aceitar essas pessoas que não sabem viver em coletividade.
    São abomináveis.

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