Mal-educados que povoam o nosso cotidiano

Junto à minha casa existe uma área reservada aos veículos de idosos. Cabem ali três carros enfileirados. É boa medida, sobretudo pela proximidade de um supermercado. No entanto, vários idosos (e outros nem tanto, fraudando a comodidade) abastecem os carrões com as compras e largam os carrinhos no passeio, só para não terem o simples trabalho de retorná-los à loja, coisa de um minuto; de dez metros de distância.
Estava certa manhã voltando da caminhada habitual quando deparei-me com uma elegante senhora estacionando ali um SUV. Seus cabelos brancos certamente permitiam-na desfrutar de tal privilégio. Porém, desprezando os limites de cada vaga, estacionou o trambolho exatamente na metade da área reservada.
Logo, onde caberiam três, restava apenas meia vaga à frente e meia atrás; espaço para dois Fuscas – e apertadinhos. Com meu sorriso matinal costumeiro, uma vez que ainda não lera as notícias da internet, aproximei-me da janela do carro, dei bom-dia e proferi o infeliz e inoportuno comentário:
- Olha, se a senhora estacionar um pouquinho à frente, caberão mais dois aí atrás…
Nossa! A face envelhecida – porém, ainda bela – da referida idosa transformou-se na de uma megera furibunda e vieram as respostas, na lata. A primeira:
- Eu sei! – dita com ares de desprezo e arrogância. E, na sequência, batendo a porta do veículo e quase agredindo-me com a bolsa Chanel chiquérrima, a segunda:
- Vá cuidar da sua vida! – e tomou o rumo do supermercado, pisando duro.
Pobre mulher! Com certeza não dormira bem; ou percebera uma nova ruga no canto dos olhos; ou descobrira que o maridão lhe botava chifres com uma bonitona; ou qualquer contrariedade lhe estragara a manhã. E ainda surge um cara dando lições de como compartilhar adequadamente o espaço urbano? Ela tinha razão.
Contei o caso para os amigos e descobri que não sou o único atento a essa epidemia – a grosseria urbana generalizada explosiva. Outra senhora, também num imenso SUV (serão acessórios desses modelos a desinteligência artificial e a estupidez genuína?) atravancava o tráfego de uma esquina, se lixando para a imobilidade que provocava na região, falando calmamente ao celular. Uma motorista – educadamente – lembrou-a que o local exibia uma placa de parada proibida.
Afastando o celular por um minuto, disparou a mesma resposta: – Vá cuidar da sua vida!
Falando em convívio, supermercado é ambiente ideal para uma rica amostragem sociológica. Há os que consideram e respeitam outros humanos e aqueles que vivem em torno do próprio umbigo.
São os ansiosos que atropelam incautos e empurram carrinhos contra calcanhares alheios em performances de Fórmula 1; os que se metem na fila de idosos se fazendo de inocentes; os que enfiam o braço na nossa cara – quase um tapa, um soco – apenas para alcançarem um produto na mesma gôndola onde paramos. O velho termo “com licença?” há muito abandonou o vocabulário nacional em espaços coletivos.
Outro dia, nova cena terrível lá. Dois meninos endiabrados infernizavam os fregueses com correrias e gritarias pelos corredores – e soprando cornetas de brinquedo; imaginem. O pai, absolutamente à parte, absorto, consultava interessado a prateleira de vinhos importados. A equipe do supermercado também fazia de conta que a vida corria normal; medo de perder o cliente; claro.
Mas algo aconteceu. Aos poucos, percebi reações dos demais fregueses; muitos olhares e sussurros de indignação e censura, divididos em dois grupos. Uma turma, querendo esganar o pai e os capetinhas. Outra, torcendo secretamente para que os garotos derrubassem garrafas de Domaine de la Romanée-Conti safra 1950.
Educadamente, saí de perto. Nem quis ver no que deu.


Escritor e colunista de O TEMPO
1 Comentário