12 de fevereiro de 2025
Fernando Fabbrini

Felizes Natais

Os inesquecíveis, os comoventes e os artificiais

Imaginem uma construção abandonada desde a Segunda Guerra cujas paredes ainda exibiam marcas de tiros e manchas negras de explosões. Dentro dela, uma dúzia de hippies de diversas nacionalidades, figurinos e estilos de cabelo – louros nórdicos, tranças morenas, black-powers, rabos de cavalo.

Em dezembro de 1971 ainda existiam as últimas casa-matas e elas serviam de abrigo aos cabeludos de mochila nas costas que, como eu, vagavam pelas estradas da Europa pedindo carona. Tínhamos saídos de Lille em direção ao norte e alguém nos deu a dica sobre a hospedagem gratuita à beira-mar. Chegamos exatamente ao entardecer do dia 24, famintos e exaustos. De longe ouvíamos um violão desafinado e vozes idem tentando cantar “Happy Xmas – War is Over” de John Lennon, sucesso absoluto daquela temporada natalina.

Uma linda garota irlandesa recebeu-nos com um sorriso e uma guirlanda florida na cabeça. Lá dentro, na roda do violão, a turma de cantores entusiasmados saudou-nos com palmas. Um garrafão de vinho corria de mão e mão, acompanhado de baguetes francesas recheadas com salame. Além da fumaça da fogueira, montada no centro da roda com tocos de madeira coletados na praia, perfumavam o ambiente outros odores – os de incensos variados e, naturalmente, o de certas ervas muito apreciadas por aqueles jovens de fino trato.

Foi um Natal engraçado, polifônico, inesperado, diferente e maravilhoso. Lembro-me que demos as mãos, dançamos em torno do fogo e aguardamos o dia amanhecer descalços sobre a areia, comendo as últimas maçãs, devidamente irmanados e felizes. Celebrávamos a paz, o amor, o entendimento entre os povos e a beleza de estarmos vivos – valores reproduzidos ali em pequena escala. Nunca me esqueci desse Natal em Dunquerque. Com o tempo, de olho na loucura consumista que assola os finais de ano, acabei percebendo que Natais estranhos – digo, estranhos mesmo – são outros.

Espanta-me toda vez o Natal da ansiedade, das correrias, das compras feitas por obrigação. Há o deprimente Natal dos interesseiros e pragmáticos. Este inclui obrigatoriamente os relógios caríssimos, as joias deslumbrantes, os cristais da Bohemia, gravatas de grife e vinhos raros enviados aos poderosos, acompanhados de um cartão luxuoso cheio de mentiras.

Comovem-me, por outro lado, os Natais da simplicidade; as modestas garrafas de espumantes e os panetones entregues com carinho aos porteiros, vigias, lixeiros e faxineiras. Gosto dos Natais de presépios montados pelas crianças com figuras em escala surreal – ovelhas e carneiros gigantescos pastando ao lado de boizinhos liliputianos. E cachorros. E gatos. Há lugar para tudo: aldeões, estrelas guia, patos, marrecos, antigos bichinhos de louça e manjedouras herdadas de parentes que já se foram, viraram anjos. Emociono-me com as árvores de Natal criativas, feitas em casa graças ao talento dos artistas da família e aos tufos de algodão. Ao contrário, passo correndo pelos suntuosos presépios dos shoppings – exagerados, cobertos de luzes, cascatas douradas, pedras brilhantes – e certo toque brega.

Gosto dos Natais dos abraços, de matar saudades, das reconciliações, dos perdões. Dos Natais dos jovens namorados, dos presentes comprados com emoção e dinheiro poupado da mesada. Gosto do Natal das lembrancinhas. Das pequenas surpresas, dos cartões feitos à mão, dos livros que lemos e que achamos que o outro vai adorar.

Acima de tudo, gosto do Natal que vivemos em silêncio, lá dentro de nós, o Natal da gratidão. Depois que todos trocam presentes, comem, bebem, riem e se despedem, vamos dormir agradecendo à vida por mais um ano – tenha sido ele bom, difícil ou mais ou menos. A esperança maior é que renasça também, em cada marmanjo, um menino e seu doce coração de criança.

Fernando Fabbrini

Escritor e colunista de O TEMPO

Escritor e colunista de O TEMPO

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