Em “A Grande Beleza”, filme de Paolo Sorrentino ganhador de um Oscar, há uma cena marcante. O repórter de entretenimento Jep Gambardella, vivido por Toni Servillo, vai assistir a uma apresentação teatral para escrever a crítica. No palco, ao ar livre, nada além de uma passarela e, ao final desta, um muro de pedras. Começa o espetáculo: a atriz, em trapos, berra algumas palavras enigmáticas e, súbito, dispara feito louca pela plataforma de madeira, tomando impulso para bater a cabeça contra o muro.
Plaft! Cai, desmaiada, sangrando. Jep se assusta, levanta-se, aguarda a chegada de socorro; crê ter sido um acidente. Mas, não; a performance era isso mesmo: correr e bater a cabeça na parede para sangrar.
Semana passada, durante palestra na Universidade Federal do Maranhão – evento pago com dinheiro público – um travesti subiu à mesa, ergueu a saia e rebolou o traseiro enquanto cantava musiquinha pornográfica. Não me espantei; era só mais um dos frequentes “espetáculos-educativos-bate-cus”, frutos dessa vergonha que o Brasil virou. Surpreenderam-me, sim, os aplausos eufóricos vindos da – felizmente, escassa – plateia de universitários.
Em São Paulo, uma artista criou modalidade que consiste em sugar e atirar jatos de tinta pela vagina, borrando telas no chão. Portanto, anotem: já existem hoje no país pessoas que entram numa fila, compram pipoca e pagam ingresso para verem uma mulher esguichando tinta pela… bem, pela via genital.
Cada um tem o direito de fazer o que quiser com suas partes íntimas e dejetos, desde que não respinguem nos incautos passantes. De minha parte, preservo conceitos particulares sobre o que é artístico ou o que é pura enganação barata, destinada a aparecer na internet e a “chocar os conservadores”. Isso é um golpe velho, mas que ainda pega os ingênuos. Diante da primeira categoria, resultado de talento, esforço e técnica, emociono-me, arrepio-me. Diante da segunda, costumo ter crises de riso. Há ainda aquela terceira criação artística frente a qual adotamos um silêncio obsequioso em respeito aos limites do autor.
Ouvi outro dia uma piada ótima nessa linha: a faxineira da galeria, na dúvida, pergunta ao dono: “isso é arte ou posso botar no lixo?”
Gosto não se discute, só se lamenta. Terrível também é aquilo que os críticos chamavam (ainda chamam?) de arte “engajada” porque ela só vive, espertalhona que é, das verbas oficiais – e jamais do sucesso, da preferência do público. O Poder é um mecenas velhaco que usa o nosso dinheiro para afagar protegidos e negociar contrapartidas, aproveitando-se das circunstâncias políticas e de interesses sórdidos. Isso explica o volume absurdo de porcarias patrocinadas como “arte/cultura”.
O Brasil é hoje o palco ideal desse cafajestismo. A imposição de feiuras e de aberrações disfarçadas de “inclusão” prossegue impávida. Rastejamos na educação básica, aquela que criava uma plataforma essencial e robusta para futuros cidadãos, mas avançamos nos territórios do supérfluo, da vaidade e do grotesco. A educação superior é uma lástima: universitário virou ativista – preguiçoso, arrogante, chafurdando no pântano da estupidez. Com poucas exceções, vai-se formando uma geração de profissionais pífios, incompetentes, irresponsáveis, obcecados pelo umbigo. Em vez de estudarem e acrescentarem algo de útil à comunidade, mergulham no ócio, nas drogas e nas ideologias da moda; no ridículo, na recusa covarde de amadurecer e enfrentar a vida real.
Voltando às artes plásticas, aposto que em breve despontará um novo talento – este, masculino – seguindo o estilo de pintura da moça que esguicha tinta pelas entrepernas. O nome da performance do rapaz até já inventei: será “Pinto”. Calma, não se escandalizem: refiro-me à primeira pessoa do presente do indicativo do verbo “pintar”.
Uma olhada nos domínios do grotesco
Escritor e colunista de O TEMPO