23 de abril de 2024
Erika Bento

Pé na estrada pela Inglaterra

Dizem que Londres pode ser uma armadilha; atrai e aprisiona. Depois de quase um ano e meio morando em Londres, posso dizer que a afirmação é verdadeira. A vida, aqui, é como em qualquer cidade grande. Durante a semana, trabalho e compromissos diários nos consomem e, quando chega o final de semana, a cidade oferece tantas atrações que é difícil pensar em sair dela. Porém, as nossas tão esperadas férias chegaram e decidimos colocar o pé na estrada, pela primeira vez. Ficaríamos fora apenas três dias, mas nos parecia um milagre.
Decidimos seguir na direção oeste. Visitar as famosas construções pré-históricas de Stonehenge e, depois, percorrer mais uma hora até Bath, uma cidade termal do período romano. A escolha de Bath foi por minha conta. A cidade é mencionada, rapidamente, no segundo livro da série Contato (ainda estou trabalhando nele e pretendo lançar em julho) e sempre tive a curiosidade de visitá-la.
Decidimos, também, alugar um carro e fazer o percurso com mais autonomia. Como somente eu tenho carteira de motorista europeia, coube a mim pilotar a máquina. Primeiro problema: como dirigir com o direção do outro lado? Os primeiros minutos foram uma tragédia. Acho que todos pensam que é só mudar o lado do volante e da estrada, mas não é. Até mesmo a noção espacial muda. Quase arranquei o retrovisor do lado direito um monte e vezes, raspei a roda no meio fio esquerdo duas vezes, sem contar que quase entrei na contramão nas primeiras ruas. Ah, e imagine passar a marcha com a mão esquerda! Você não tinha pensado nisso, não é? Eu sim, por isso, escolhi um carro automático!
Passados os primeiros momentos de pânico, colocamos o GPS para funcionar e seguimos a nossa aventura. Próximo problema: limite de velocidade nas estradas. Eu não fazia a menor ideia, e é o tipo de informação que não é clara nas estradas, a não ser quando o limite padrão é alterado por obras, acidentes, etc. Por sorte, meu marido formatou o GPS para emitir um aviso sonoro quando ultrapassássemos o limite. Assim, finalmente, descobri que o limite nas autoestradas é de 70mph.
Outro obstáculo foi o de fazer os meus muitos anos de motorista entender que a pista veloz fica do lado direito, portanto, ultrapassar pela direita não é errado, é obrigatório, e o motorista lento, portanto, deve ficar do lado esquerdo. Foi complicado, mas acabei me acostumando.
O melhor modo de sair de Londres é pegar a rodovia M25, que praticamente circunda toda a cidade. Pode-se imaginar, o trânsito. Felizmente, pegamos o fluxo contrário do trânsito pesado, mas quando nos aproximamos de um ponto de congestionamento, avisos luminosos indicavam o novo limite máximo de velocidade. Basicamente funciona assim: a alguns quilômetros de distância do engarrafamento, o limite máximo diminui drasticamente para evitar que mais carros cheguem a um local já estrangulado. O resultado é que o trânsito flui lento, mas flui, o que é ótimo. Apenas uma coisa me deixou intrigada. Nas rodovias de alta velocidade, se você precisar de gasolina, banheiro ou comida, vai encontrar a cerca de 40 quilômetros de distância um do outro. Acho escasso.
Saindo da autoestrada, pegamos estradas menores, com mão dupla e nenhum buraco, além de muito bem sinalizadas. Os centros de conveniência com gasolina (e até hotel) são mais frequentes.
Stonehenge é intrigante. Alguns acham que são apenas pedras, mas para mim é história e eu adoro uma história, real ou não. Estar em um lugar com milhares de anos de história, com uma construção misteriosamente elaborada para o solstício do verão e do inverno, para mim, é algo mais do que simples pedra. É fascinante, é místico. Até minha filha, de oito anos, achou fascinante.
O local é muito bem preservado e administrado. O passeio conta com áudio-guia, uma loja com dezenas de livros sobre o local, além de souvenirs, é claro, e um museu com objetos encontrados durante escavações, além de uma sala de exibição em 360 graus que mostra as quatro estações do ano, sendo que o espectador se localiza bem no centro das pedras. É possível, entre outras coisas, acompanhar as etapas da construção de Stonehenge e o incrível momento quando os raios do sol passam exatamente por entre o corredor de pedras.
Terminado o passeio, seguimos para Bath, distante uma hora e meia de Stonehenge. Chega-se à cidade pela parte alta, o que nos dá uma ligeira amostra do que está por vir. Bath é rodeada de edificações do estilo clássico georgiano e, do alto, os telhados em ponta com espaços idênticos um do outro, mais parece um imenso cemitério. Não é fúnebre, mas maravilhoso! É tão fora do comum que faltam palavras para retratar a beleza da cidade. Só mesmo uma foto para dar-lhes uma ideia.

Bath também foi a cidade termal dos romanos, no século I, e conta com várias construções romanas que me deixaram com os olhos cheios d’água. A abadia e a terma romana são de tirar o fôlego. O balneário, construído no ano de 76 d.C. somente foi descoberto durante escavações no século XVIII e foi transformado em um museu que vale cada centavo do ingresso, também com áudio-guia. A nascente ainda existe e, com isso, a água continua escorrendo pela tubulação do balneário, a uma temperatura de 40º, mas é proibido nadar. Quem quiser sentir-se como a elite romana daquele tempo, vale passar algumas horas no Spa da cidade, cujas águas são da mesma nascente.
A pequena Bath tem cerca de 80mil habitantes e as atrações se esgotam em um dia. Portanto, no dia seguinte, pegamos o carro e fomos explorar as cidades vizinhas, na maioria, pequenas vilas. Com destino incerto, escolhemos a pequena vila de Lacock, que fica a meia hora de Bath. Chegamos a uma vila com acesso proibido aos carros. Avistamos um estacionamento à beira de uma estradinha rural e paramos por lá.
Um senhor, vestido como um caçador, nos atendeu com as primeiras informações e um mapa da vila. Em resumo, estávamos diante de uma vila do século XIII, altamente preservada, cujas casas ainda são da época. É uma incrível sensação de estarmos caminhando por cenários de filmes de época. E não é que, para a minha surpresa, Lacock foi set de filmagem de obras como Orgulho e Preconceito, Emma, Wolfman e… HARRY POTTER! Dois filmes da série foram filmados na vila de Lacock e dentro da sua abadia, cujos corredores e salas deram vida à escola de magia de Hogwarts. Não poderia ter escolhido lugar melhor para passar o dia!
No nosso último dia de aventura, nada pior do que pensar em voltar para casa. Por isso, saímos bem cedo de Bath, voltamos em direção à Londres, mas descemos até uma cidade praiana chamada Brighton, também cenário da infância de Sophie, no meu primeiro livro. Brighton fica a 90Km ao sul de Londres e tem um pier delicioso com inúmeras atrações para as crianças, sem contar o Royal Pavilion, um palácio ao melhor estilo Taj Mahal, fora da Índia. Ruim mesmo é a praia. Uma escosta de pedras, nada mais. Ao menos, não no centro da cidade.
De volta à casa, ainda suspiro as mil experiências que a viagem de férias me proporcionou. E esta foi apenas a primeira. Agora que nos livramos da armadilha da cidade grande, espero repetir a dose em pouco tempo.
Sem dúvida, passear pela Inglaterra é uma surpresa atrás da outra. Vale a pena!
Coluna publicada em 18/04/2014

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