18 de abril de 2024
Colunistas Erika Bento

Feridas invisíveis


Uma mulher dá entrada no hospital com hematomas pelo corpo. Exames preliminares constatam múltiplas fraturas não tratadas. 

Um homem é levado de ambulância ao hospital com queimaduras de óleo quente no rosto e nas mãos. 

Foto: Google Imagens – Diário do Rio

Ambos os casos são evidências físicas de violência doméstica. De acordo com dados do IBGE de 2018, 30.4% dos homicídios contra mulheres ocorreram dentro de casa; para os homens, a proporção é de 11.2%.

Independente de gênero, a violência física é visível aos olhos do mundo tanto quanto da própria vítima. Já o abuso emocional é quase.sempre invisível, causando um dano mental às vezes  impossível de se reverter. 

Vítimas de abuso emocional não raramente perdem a habilidade de discernir o certo do errado, já que a realidade é distorcida pelo parceiro ou parceira.

A vítima de abuso emocional não se vê como vítima, mas como causa. “Por que eu fui reclamar?”, “É tudo culpa minha”, “Como eu posso ser tão egoísta?” Estes são apenas alguns dos pensamentos frequentes das vítimas de abuso emocional.

 Para ambas as partes, a falta de violência física é quase um critério de eliminação do conceito violência doméstica. O agressor usa do argumento para controlar ainda mais a vítima, enquanto o agredido se sente confuso, impotente e culpado porque afinal, “ele/ela nunca me bateu”,“há tantas pessoas que passam por coisas muito piores!”.

A violência emocional continua, seja na vida adulta ou na infância, deforma a percepção de si mesmo e da realidade da vítima, muito semelhante a uma lavagem cerebral. A vítima se vê isolada e incapaz de se libertar. Ela pode até ter consciência do ambiente nocivo em que vive, mas acredita que a culpa é dela e que se ele/ela “parar de reclamar, tudo fica bem”.

Narcisistas são excelentes manipuladores mentais. Conscientemente ou não, eles acreditam que o mundo gira em torno deles, reagem com frustração e ameaça diante de questionamentos, são sempre a vítima da situação enquanto distorcem os fatos contra o parceiro ou parceira. Frios e calculistas, os narcisistas surpreendentemente podem se emocionar e até derramar lágrimas, mas não se engane, é tudo parte da obsessão por si mesmo. Narcisistas são vingativos por natureza porque se sentem ultrajados quando os outros não agem em seu benefício. 

Sobreviver a um relacionamento abusivo não é apenas sair dele, mas encarar algo que nunca lhe foi dito, enxergar as inúmeras feridas internas sem sentir ódio do parceiro ou de si mesmo, é poder respirar sem sentir o peito apertado, é reaprender a não se julgar o tempo todo, é reconstruir o amor próprio e acreditar no merecimento de uma vida melhor.

O assunto é tema da nova série da Netflix, Maid. Uma verdadeira obra prima! A dura realidade das vítimas de abuso emocional e psicológico é retratada de forma delicada ao mesmo tempo humana e realista, com atuações fantásticas. Sem dúvida nenhuma, uma das melhores séries que já assisti nos últimos anos, ao lado de This is Us. 

Partir correntes apenas com a coragem e a determinação (e uma pitada de sorte) causa novas cicatrizes, mas de crescimento, não de dor.

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