19 de abril de 2024
Erika Bento

As vidas de Sophie: Capítulo 23 – FINAL

capa livro 1Capítulo 23 – FINAL
O inverno estava mais frio e úmido que o normal. A neve caia fina e se desmanchava antes de tocar o solo. Era uma sexta feira e Sophie saía de mais uma longa sessão de fisioterapia. Anne a esperava na recepção da clínica.
— Então, como foi? — perguntou Anne, levantando-se da cadeira e jogando uma revista de fofocas de celebridades para a cadeira ao lado.
— Doloroso e chato, como sempre — resmungou Sophie, caminhando com a ajuda de um bastão de alumínio sob a mão esquerda que recuperara a força, diferente da perna que ainda vacilava depois dos últimos derrames, três meses atrás.
— Deixa de ser chorona! — reprovou Anne com zombaria. — Então, vamos fazer as compras de Natal hoje, ou não?
— Pode ser… — concordou sem muita vontade.
— Entendi. Nada de compras — falou Anne para si mesma. — Mas preciso comprar alguma coisa para o jantar de hoje. Prometi fazer massa para Nancy, e Brad disse que vai passar em casa mais tarde também. Acho que quer filar jantar de novo! — disse orgulhosa.
— Mas não é hoje que ele fica com a filha? — indagou Sophie confusa. Ainda não se acostumara com o fato de Brad ter uma filha de cinco anos, fruto do seu curto casamento anterior. Ele mantivera a filha em segredo até sentir-se seguro em relação a Anne. O mistério de Brad, ironicamente, quase fez Anne se afastar dele definitivamente.
— Ah, a ex trocou o dia de hoje por amanhã. Ela precisa fazer uma viagem ou algo assim — falou entre os dentes, abrindo a porta do carro para Sophie que entrou com um pouco mais de dificuldade que o normal. Sentia-se sempre pior depois da sessão tortura, como costumava chamar a fisioterapia.
— Ah, a ex… — desdenhou Sophie. Esperou que Anne entrasse no carro e continuou.
— Anne, não seja ciumenta. Brad é louco por você, a pequena Linda te adora, vocês estão super bem juntos, deixa a Bety pra lá!
— Você diz isso porque não tem uma ex no pé do Jesse — rosnou. — E a única que tentou atravessar o seu caminho, tomou um chute que deve estar procurando o rumo de casa até agora! Aliás, ninguém sente a menor falta dela no escritório — comentou acidamente.
— Adrian era diferente — Sophie endureceu os lábios.
— E sabe o que Brad me contou? — perguntou eufórica. — Steven está saindo com alguém! Ah… finalmente! — disse levando as duas ao alto. — Não vejo a hora de conhecê-la. Ele disse que Steven está bem empolgado. É médica, também. Saiu há pouco de uma relação e… — Sophie ligou o botão automático em sua mente e deixou que Anne esgotasse todo o seu repertório, concordando vez ou outra, esboçando espanto quando a sua intuição lhe mandava; sorria educadamente, balançava a cabeça, mas estava longe. Tinha outras coisas em mente mais importantes do que Steven, neste momento. E ficou com seus pensamentos profundos enquanto fingia ouvir a longa narrativa de Anne.
Vários minutos depois, Anne fez a pergunta usual de fim de discurso.
— Você não acha? — estava já estacionando o carro em frente a casa.
— Hã.. claro! — murmurou Sophie preparando-se para descer.
— Ok, onde você estava agora? — perguntou Anne, rabugenta, abrindo a porta do carro.
— Ué, aqui! — respondeu sorrindo, colocando o bastão para fora e apoiando-se nele para firmar o corpo enquanto jogava o peso para a outra perna.
Entraram em casa e começaram a despir-se das roupas pesadas, apoiando-as nos ganchos na parede lateral, quando Sophie advertiu.
— Pode deixar que eu atendo! — Anne a olhou, confusa. — Hã… o telefone — apontou para a mesinha —, ele vai tocar.. eu atendo! — explicou sorrindo e, alguns segundos depois, o telefone começou a tocar. Anne olhou para ela e ergueu as mãos em rendição.
— Acho que nunca vou me acostumar a isso… — resmungou, e Sophie riu divertidamente, atendendo a ligação.
— Fala, Thomas! — exclamou em um sorriso sincero e despreocupado. — Sim, está tudo reservado, já — sentou-se na mais recém-aquisição de Anne, uma minúscula poltrona com braços de madeira, ao lado do telefone. — Isso mesmo, quatro pessoas
— continuou ainda com o sorriso nos lábios. — Eu também não vejo a hora! … Legal! Vou ver agora mesmo! Beijos pra você também! — e desligou radiante.
— Por que vocês fazem isso, hein? — questionou Anne, abrindo e fechando portas de armários da pequena cozinha.
— Isso o que? — indagou distraída, indo em direção ao sofá. Anne estreitou os olhos.
— Essa coisa meio híbrida — falou, apontando para Sophie com uma colher de pau na mão e um vidro de massa de tomate na outra. — Essa mistura de mente e telefone — agitou a cabeça. — Me deixa confusa! — Sophie soltou uma gargalhada gostosa.
— Porque é divertido te deixar confusa! — continuou rindo. — Tô brincando… é que são coisas diferentes — falou, soltando um suspiro enquanto pegava o notebook na mesinha do lado e apoiando-o no colo. — A voz dele mental é mais distante, enquanto no telefone é mais viva, real!
— Ah, entendi, coisas de “Thomas e Claire” — frisou com sarcasmo.
Na verdade, Anne não sentia mais ciúmes da telepatia entre Sophie e Thomas desde que assumira que ela e Sophie também tinham algo incomum. Sempre fora algo latente, mas foi preciso evidenciar o dom de Sophie para que ambas se dessem conta do que, há anos, ocorria entre as duas. Anne quase sempre percebia as emoções de Sophie, mesmo à distância, facilitando, muitas vezes, o trato de situações difíceis, e vice-versa. Anne era capaz de prever não só os sentimentos de Sophie, mas até mesmo as suas reações, e vice-versa. Era mais do que uma previsibilidade. Era uma sincronia inquebrável, e isso bastou para que Anne não se sentisse mais ameaçada pela magia de Thomas, nem de Jesse, nem de ninguém mais.
Sophie e o seu computador viraram companheiros inseparáveis desde que ela e Thomas haviam afinado a comunicação. Não que precisassem sempre dele, mas era mais inteligente receber fotos via email. Imprimi-las, seria um grande problema se fossem recebidas mentalmente!
Sophie olhava a sua caixa postal com ansiedade. Thomas lhe dissera que lhe enviara mais fotografias dele com Emilie. Os três meses que se passaram ainda era pouco para Sophie se acostumar com o fato de que tivera uma mãe, que ela havia sofrido desesperadamente a sua ausência, que ela tivera um filho e que morrera imersa em profunda tristeza. Correção. Poderia ter morrido em profunda tristeza, caso Sophie não tivesse ido ao seu encontro. E as dezenas de fotos que Thomas já lhe havia mandado não foram suficientes para sanar a sua necessidade dela. Nunca seriam!
Três novas mensagens apareceram em negrito na sua tela e todas elas continham arquivos em anexo. Quatro em uma, cinco na outra e oito na última. Sophie sentiu a ansiedade trepidar pelo seu corpo e abriu a primeira mensagem.
“Estas fotos foram tiradas há quatro anos, quando eu entrei na faculdade de Psicologia.”
Sophie clicou nas imagens em anexo e a ansiedade se transformou em uma contração cardíaca. Thomas e seus cabelos rebeldes estavam iluminados por um sorriso perfeito. Ele erguia o braço direito exibindo, com orgulho, um papel entre os dedos, enquanto a mulher ao seu lado também sorria para a câmera.
Os mesmos traços, mesma cor de olhos e cabelos, mesmo tom de pele, mesmo formato de boca. A diferença estava no olhar. Enquanto o de Thomas era luminoso, o de Emilie tinha um tom de verde opaco e as pálpebras repousavam pesadamente sobre eles. Sophie sorriu, desejando que tivesse tido mais tempo e mais oportunidades para corrigir as coisas.
— Thomas te mandou mais fotos? — indagou Anne, curiosa.
— Ahã… — resmungou. — São de Emilie — murmurou. Ainda era difícil pronunciar a palavra mãe o tempo todo. — E de Thomas também e… uau…!
— O que foi?
— Tem uma aqui com toda a família! Anne, eles são em muitos! — exclamou abismada.
— Como assim, muitos? — perguntou, saindo de trás do balcão da cozinha vindo em passos rápidos ao encontro de Sophie.
— Primos, tios, tias… — Sophie não sabia se queria uma família tão grande assim. — Uau…. — Anne já estava em pé atrás dela analisando cada foto, comentando sempre alguma coisa sobre cada uma, mas Sophie parece ter ouvido apenas um comentário, talvez por ter sido a foto que mais lhe chamara a atenção, também.
— O Peter e a Emilie formavam um casal tão lindo…
— É… — concordou num sussurro, admirando uma das poucas fotos de Emilie sorrindo de verdade e, ao lado dela, Peter, um homem alto, moreno, forte e de cabelos lisos que a olhava com uma paixão vívida nos olhos.
Sophie sabia que aquele homem deve ter feito de tudo por sua mãe e lhe era grata por isso. Mesmo sem conhecê-lo de verdade (o tinha visto somente de relance uma vez, encostado em uma pilastra na varanda de uma casa), mesmo sabendo que o romance entre os dois tinha sido o pivô de todo o seu futuro em cativeiro ao lado do pai, ela não podia odiá-los. Não conseguia, não queria. O único erro tinha sido o do seu pai de tê-la levado embora. Se ele a tivesse deixado, tudo teria sido diferente. Ela teria vivido em uma família cheia de amor, teria compartilhado sua infância com o seu irmão, Thomas, teria tido tantas outras coisas.
Sophie sentia a respiração de Anne atrás dela e o seu olhar nas fotos e, como por encanto – o encanto Anne – Sophie não sentia mais raiva por não ter vivido uma vida diferente. Anne fazia tudo ter valido a pena e Anne sorriu atrás dela, compartilhando do mesmo sentimento. Anne pousou uma das mãos no ombro de Sophie e deu-lhe um suave beijo nos cabelos. Sophie puxou a mão de Anne e deitou a cabeça sobre ela. Nada precisava ser dito e Anne voltou para a cozinha cantarolando uma música qualquer.
Sophie também não se sentia mais uma aberração ou uma antena ambulante da dor. Não depois que conseguiu superar os riscos da primeira semana no hospital. Agora, não tinha do que se queixar. Sentia a sua perna responder sempre melhor ao tratamento, não tinha tido mais visões – a não ser por alguns flashes quando estava no metrô − e aprendeu a controlar a Simbiose Psicológica que tinha com Thomas.
Sentia-se especial e completa. Tinha Thomas, Anne, Paul e Jesse. Tinha Brandon, Linda, Nancy, John e até Peter! Tinha uma história de vida que podia contar aos seus filhos, um dia, que começava desde o dia em que tinha nascido. Não existiam mais pontos cegos em sua mente. Não poderia ser mais feliz!
Anne lhe perguntou algo sobre o jantar e Sophie lhe respondeu de volta, embora sua mente estivesse um tanto dividida, neste momento, e era desafiador e excitante manter as duas conversações!
Claire, esqueci de te avisar que a Amy também vem, tá? — Interferiu Thomas em sua mente — Que legal, Thommy! Finalmente vou conhecer a minha cunhadinha? E, ela sabe sobre nós? — perguntou Sophie enquanto respondia à Anne que não fazia questão de sobremesa — Tá brincando? Não dá pra contar essas coisas pra alguém com dois meses de namoro, né? — Mmm… isso vai ser divertido! — Zombou ao mesmo tempo em que dizia a Anne que ia tomar um banho. Estava ficando boa nisso! — Claire, Claire… você é impossível! Acho que criei um monstro! Pobre Amy! — Ah, pode apostar! — respondeu calada e riu baixinho, subindo as escadas.
Thomas e Sophie haviam entrado em um acordo em como poderia funcionar a telepatia entre eles. As regras eram simples, mas claras. Poderiam se comunicar desde que o outro estivesse disposto a isso. Se a mente estivesse receptiva, era sinal de que o outro não estava ocupado com afazeres importantes. Era mais ou menos como fazem as pessoas comuns em seus programas de bate papo virtual. Usavam um sinal de online e offfline como se existisse uma plaquinha de “não disturbe” pendurado em seus portais mentais. O som do chamado simplesmente retornava ao invés de fluir. Tiveram que se exercitar exaustivamente, por vários dias, até conseguir tamanho controle, mas, por fim, conseguiram. Além disso, Thomas pediu que continuasse a chamá-la de Claire e Sophie aceitou, como se aquilo preenchesse, de alguma forma, a ausência da sua vida não vivida na infância. E tudo parecia absolutamente perfeito como era!
Às oito da noite, Anne e Sophie serviam a mesa com Jesse, Brandon e Nancy já sentados.
— Esse cheiro me mata! — exclamou Jesse, olhando faminto pra a travessa de lasanha à bolonhesa à sua frente.
— E então, quando vocês vão para a África do Sul? — perguntou Nancy, com seus cabelos grisalhos desgrenhados e a voz rouca.
— Daqui a dez dias — respondeu Sophie, ansiosa, esperando estar livre do bastão até lá. — Falei com Thomas hoje. Ele disse que a namorada dele também vai estar lá, mas, obviamente, ainda temos que manter segredo sobre nós — enfatizou.
— Ah, besteira! — falou Anne com sarcasmo. — É tão normal conhecer irmãos telepatas hoje em dia!
— E que nunca se viram pessoalmente! — completou Brandon, irônico.
— Mmm… muito boa mesmo! — falou Jesse, em elogio à lasanha em sua boca.
— Será um Natal maravilhoso para você, minha querida — comentou Nancy à Sophie.
— Sim… eu não tenho dúvidas disso! Só me assusta um pouco o fato de que Thomas talvez queira nos apresentar para toda a família dele! — balançou a cabeça. — Eu preferiria algo mais íntimo, somente com Peter, nós quatro e ele, mas acho que famíia é
isso, não é? — sorriu.
— Thomas é um garoto especial…. e vai ser um excelente psiquiatra, espero conhecê-lo um dia — disse Nancy.
— Acho que ele vem pra cá em breve, não vem? — perguntou Anne à Sophie.
— Acho que sim, ele falou alguma coisa sobre fazer uma especialização por aqui no ano que vem — respondeu Sophie, pensativa.
— E as autoridades sul-africanas, você se decidiu se vai contar tudo a eles? — questionou Nancy. O assunto não era o preferido de Sophie, mas Nancy estava curiosa para saber qual a decisão que ela tomara.
— Não, ainda não — Sophie franziu os lábios. — Às vezes eu penso que não devo nada à polícia de lá — ergueu uma sobrancelha. — Aliás, penso que eles devem muito mais a mim do que eu a eles — comentou amargamente se referindo ao fato de a polícia ter encoberto o crime cometido pelo pai. — Por outro lado, eu continuo usando documentos britânicos falsos — encolheu os ombros.
— Eu já disse que ela não deve fazer nada — disse Anne. — há vinte anos você é Sophie Wellgrave, aceita por todas as autoridades britânicas. Se foi uma mentira no começo, passou a ser verdade há muitos anos, já. Pra que vai mexer com isso? Se fosse simples como mudar o corte de cabelo, mas não é!
— Eu concordo com a Anne — falou Jesse. — Isso pode virar um processo judicial complicado. Envolve dupla cidadania, troca de todos os seus documentos e sabe se lá mais o que!
— Eu sei, eu também penso assim, mas às vezes parece que estou, ainda, vivendo uma mentira… — ponderou Sophie, chateada. — Em todo caso, como as autoridades de Petroria não sabem de nada ainda, eu não preciso, necessariamente, fazer alguma coisa. Um advogado, amigo de Paul, está estudando o caso e vai nos passar todas as informações quando voltarmos de viagem.
— Por falar nisso, e Paul e as meninas? Como vão as férias deles? — perguntou Brandon, aproveitando a deixa para mudar de assunto. Era evidente que Sophie não se sentia à vontade.
— Ah, estão ótimas! — respondeu Anne, animada. — Ele nos mandou um email com a foto da pequena Sophie dando a primeira risadinha… oh, tão doce! Ela estava com uma fralda de praia cheia de florzinhas, tão fofa!
— Vocês fizeram a coisa certa — disse Nancy com seus olhos azuis arrependidos por ter tocado no assunto dos documentos. — Paul foi sempre muito bom pra vocês. Ele merece ter uma aposentadoria tranquila, com dinheiro suficiente para ajudar Christeen e a bebê. Ainda bem que aquele rapaz deu sossego para ela, hein! — assobiou, levando um pequeno pedaço do jantar à boca, e continuou. — Ah… Eu tenho certeza de que Elena está orgulhosa de vocês, meninas — sorriu com seus lábios finos e rosados.
— Por mim, eu teria doado tudo a eles, e não a metade, mas a Sophie tem razão. A senhora Elena queria que nós tivéssemos um futuro promissor — encolheu os ombros.
— Acho que era isso que ela pensou, não? Que tivéssemos uma reserva para o futuro? E, pra falar a verdade, eu não confiava muito naquele Liam com seus olhos “verdes penetrantes” sobre o dinheiro dela.
— Nem eu — afirmou Sophie.
— Mas sejamos justos, ele nunca deu motivos pra isso — ponderou Jesse, bebendo um pouco do vinho.
— Pode ser, mas… foi melhor assim — murmurou Sophie, sentindo o peito encolher. Ainda não se acostumara à perda de Elena e, olhando à sua volta, sentiu-se invadida por uma incômoda melancolia.
A mesa estava silênciosa, novamente. Jesse devorava a lasanha, Nancy e seus olhos distantes e Anne… Sophie podia jurar ter visto uma aura de afeto sobre Brandon e Anne e apostou todas as suas fichas nele. O cara ideal para Anne. Ponderado, atencioso e calmo. Ah, precisaria ser alguém como ele para driblar os ataques de fúria de Anne! Riu para si mesma, admirando a amiga com seu já inseparável cordão de prata com uma delicada pedra esmeralda em cristal swarovski e um pingente de nó celta pendurado no pescoço. Sophie franziu a testa ligeiramente percebendo a ironia daquele símbolo. O nó celta representa a conexão de todas as coisas, o enlaçamento infinito de tudo e de todos. E não tinha sido assim, afinal? As suas visões, o seu passado e as pessoas ao seu redor?
Anne levou à mão ao pescoço e acaricou o pingente, um hábito que havia cultivado nos últimos meses, e elevou os olhou para Sophie que a fitava com um sorriso divertido no rosto. Anne franziu as sobrancelhas se perguntando o que Sophie estaria pensando e balançou a cabeça para os lados. Sophie seria sempre uma caixinha de surpresas e Anne adorava isso nela! Anne suspirou e foi tirada da sua contemplação por uma voz exageradamente forte e grave.
— Um brinde! — sugeriu Nancy, com as bochechas coradas do vinho, esperando que todos erguessem suas taças. — A vocês! Meus jovens e adorados amigos — olhou para cada um deles com olhos marejados. — Às suas vidas felizes, nem sempre tranquilas — riram todos —, mas com muito amor.
O tintilar agudo das taças se misturou às vozes eufóricas de pessoas ligeiramente alteradas pelo vinho.
— Quando você vem nos visitar novamente, Nancy? — perguntou Anne.
— Acho que vou parar um pouco mais em casa, agora. Preciso dar um tempo para John e Kate! — exclamou divertidamente. — Eles são ótimos amigos, mas eu tenho muitas coisas para fazer em casa, também. Estou envolvida em uma pesquisa que vai me tomar um bom tempo.
— Simbiose Psicológica? — sugeriu Sophie, curiosa.
— Talvez… — respondeu Nancy, enigmática.
A noite fluiu tranquilamente assim como os dias seguintes, embora a excitação de Anne pela viagem parecesse superar a de Sophie em alguns aspectos. Anne pesquisara sobre a previsão do tempo e vira que não estava preparada para sair do inverno chuvoso e úmido de Londres para o verão escaldante de Pretoria. Precisou sair e comprar algumas roupas novas. Estava eufórica para conhecer a cidade dos Jacarandás com suas flores em tons de rosa e violeta que caíam pelas ruas da cidade.
Sophie não demonstrava, mas temia quais seriam seus sentimentos quando estivesse, pessoalmente, no mesmo lugar onde havia nascido e onde sua mãe vivera toda a sua vida; na casa onde morava e tocando seus objetos pessoais. Tinha certeza que sentiria a sua presença vivamente em todos os lugares e não sabia se isso seria confortante ou desesperador. Apenas uma coisa tinha certeza e já havia dito a Thomas: não visitaria o seu túmulo. Não tinha necessidade de atestar a sua morte. Emilie estava viva em suas lembranças. Podia sentir a sua voz dentro da sua mente repetindo, todos os dias, as suas últimas palavras, e nada lhe tiraria esta sensação.
O dia, finalmente, chegou e estavam todos, Anne, Sophie, Jesse e Brandon no terminal cinco do Heathrow Airport, fazendo o check-in, quando Sophie ouviu a voz de Thomas em sua mente.
Está tudo bem? Já embarcaram? — O voo parte em duas horas, ainda, Thommy. Relaxa! — Ok, maninha… — e Thomas se calou, deixando Sophie embarcar calmamente, até que, de repente, outra voz invadiu a sua mente. — Por favor, me deixe sair! — Thommy! O que foi? — perguntou Sophie aflita. — Nada! Por que? — Não foi você, não é? — Eu o que, Claire? — Sophie sentiu a antiga fisgada no estômago de volta à sua vida. — Nada não, pensei ter ouvido alguma coisa — respondeu, tentando limpar a mente, mas Thomas sabia que não estava nada bem. — O que você ouviu? — Nada, acho que estou apenas ansiosa — mentiu e fechou a sua mente.
Thomas não entrou e nenhuma outra voz também. Sophie havia aprendido a controlar os acessos à sua mente, não só para Thomas, mas para qualquer outro contato, desde que voltara a fazer terapia com Barkley. Trabalhavam para que Sophie aceitasse o seu passado e as suas dores, o que a deixava quase inteiramente ligada somente ao seu mundo e não aos sentimentos ao seu redor. Mas nada era absoluto. O dom de Sophie poderia não se apagar por completo. Era algo a ser observado com o passar do tempo.
Tão logo se sentisse mais livre do seu passado, talvez Sophie abrisse a comunicação novamente, ou não. Tudo era incerto, ainda.
Estavam todos acomodados nas quatro poltronas do corredor central do Boing 747 já há cinco horas, exatamente na metade do percurso, no meio da madrugada, quando Sophie sentiu a fisgada novamente. Abriu os olhos e viu apenas a penumbra dentro do avião, com a iluminação noturna e poucos focos de luzes sobre alguns assentos.
Relaxe e durma, Sophie. Ordenou a sua voz pacificadora e racional. Sophie ajeitou-se na poltrona, entre Anne e Jesse, e fechou os olhos novamente. Não é nada. Mas aquilo não a deixaria em paz. Respirou profundamente, tentando controlar os seus batimentos cardíacos, evitando hiperventilar. Focou-se em Pretoria e seus Jacarandás. Procurou sentir o sol em sua pele e colocou-se em movimento, como se corresse mentalmente em ruas arborizadas, sentindo o cheiro das flores.
Tem alguém aí? Socorro!
Sophie sentiu seu coração saltar, batendo violentamente contra o seu peito. A garganta secou e suas mãos agarraram os braços da poltrona.
Por favor, por favor, me deixe sair!
Não podia mais ignorar aquele apelo. Concentrou-se naquela voz infantil. Era um garoto, com cerca de dez anos. Thomas, me ajude! Gritou desesperadamente em sua mente, mas Thomas não respondeu. Oh, não, Thomas, por favor. Eu preciso de você!
Mas o chamado retornava, não com muita força, e Sophie pensou que ele talvez estivesse apenas dormindo. Ouviu o choro abafado do garoto, preso em algum lugar.
Thomas!!! E finalmente ele respondeu.
O que foi, Claire? — disse, ofegante, como se tivesse percorrido mil milhas para encontrá-la. Está tudo bem com você, Thommy? — Sim, está tudo bem. O que aconteceu? — Me diz a verdade, Thomas! Por que você está ofegante? O que está acontecendo? — perguntou Sophie angustiada. — Não está acontecendo nada! Eu apenas estava… ocupado! — Sophie desculpou-se mentalmente e foi invadida por outros chamados.
Ei, garoto. Não adianta gritar, ninguém vai te ouvir. — dizia uma voz grave, masculina, num tom áspero e Sophie abriu os olhos.
Você ouviu isso, Thommy? — Não, passe pra mim! — Sophie fez um esforço monstruoso para repassar as vozes que tinha invadido a sua mente e enviou-as a Thomas como se ela mesma as pronunciasse. — Claire, olhe à sua volta. Veja se tem alguma criança por perto. — Sophie olhou como pôde na pouca iluminação e viu que, absurdamente, não havia criança por perto. — Não, não tem criança aqui — Ela não pode estar longe, Claire. Você deve estar captando algum sonho ou pensamento de uma criança por perto. — Mas Sophie não via nada. — Confie em seus instintos, Claire. Não perca o foco!
Sophie levantou-se da poltrona passando por Jesse à sua direita e seguiu pelo corredor, para o fundo da aeronave, analisando os passageiros. A maioria dormia profundamente. Alguns usavam máscaras de dormir, outros tinham as bocas desajeitadamente abertas e poucos assistiam alguma coisa na pequena televisão à frente. Não pôde caminhar por toda a aeronave porque, simplesmente, sua perna se prendeu no pavimento quando passou por um homem de meia idade que a encarava desconfiado.
Thommy, estou confusa. Não é uma criança, é um homem, um senhor de cabelos brancos e ele… — O que tem ele, Claire. Concentre-se! — Ele tem um olhar tão frio!
Sophie conseguiu se despregar do chão e seguiu para o minúsculo banheiro a poucas fileiras atrás dele. Viu, com alívio, a plaquinha verde na porta e entrou. Concentrou-se na própria respiração, diminuindo a intensidade da pulsação em suas veias.
Thommy, eu não quero mais isso. É errado! O que eu tenho a ver com esse homem? Eu não quero mais voltar a sentir nada disso! — Fique calma, maninha. — Eu não entendo… — murmurou Sophie em sua mente controlando-se para não chorar. — O que você não entende, Claire? — Aquele homem, por que ele tem lembranças assim tão terríveis? Será que ele foi vítima de abuso quando criança? Mas que droga! Por que isso agora? Era para eu me fechar para isso, não era? — Sophie firmou a voz e disse
— Thomas, eu não quero mais isso. Eu não tenho direito de ouvir a vida alheia. Eu não quero mais isso! — Claire, você tem um dom e só você pode decidir o que fazer com ele. — Mas é tão inútil ouvir essas dores! — Não, não é. Você pode ajudar as pessoas, Claire. Pense nisso!
Sophie não queria pensar. Já tinha tido o suficiente de toda essa história. Balançou a cabeça recusando-se a reviver dias e noites de angustia sem saber de onde vinham, por que vinham e o que fazer com elas.
Não, Thomas, eu não quero. Não posso salvar as pessoas de suas dores, não mais. — Claire, fique calma. Feche a sua mente, agora. Se precisar de mim, me chame, mas feche-a o quanto puder. Falaremos sobre isso aqui, pessoalmente, ok?
Sophie olhou-se no espelho e não via aquelas bolsas arroxeados abaixo dos olhos há meses. Definitivamente, não queria isso de volta. Fechou a mente, lavou o rosto e saiu do banheiro tentando manter o controle. Enquanto caminhava pelo corredor, fitava diretamente os cabelos grisalhos que ultrapassavam o encosto da poltrona. Via-os cada vez mais próximos e engoliu seco fechando a mente e a garganta. Mas bastou estar ao lado daquela poltrona para sentir um arrepio passar por todo o seu corpo.
Imagens aterrorizantes invadiram a sua mente sem pedir permissão. Um corredor escuro e sujo como um subterrâneo. Quatro pés. Dois com sapatos masculinos sociais e dois com tênis, menores, praticamente sendo arrastados pelo chão úmido. Goteiras pingavam em algum lugar ecoando pelas paredes vazias, e os pés com os tênis foram jogados para dentro de uma sala, uma cela, e foram presos a alguma coisa metálica como algemas. Havia duas camas de molas, sem colchões, e o garoto estava preso a uma delas. Sophie continuava imóvel no corredor ao lado de alguém que ela não sabia se era um menino crescido ou um homem perverso. Empurrou os próprios pés para frente, forçando-os a caminhar e a levá-la para o mais longe possível das sensações, dos sons e do desespero. De volta ao assento, Jesse lhe perguntou se estava tudo bem e Sophie lhe respondeu com um sorriso forçado, mas suficiente para os olhos nublados e sonolentos de Jesse se fecharem novamente.
Encostou-se à poltrona e bloqueou a sua mente, definitivamente. Não queria levar nada
daquilo adiante. A vida não era justa, as pessoas sofrem e ela era apenas uma pessoa, dotada com um dom maldito que a fazia reviver momentos que ela não pedia para saber! Cerrou os olhos e conseguiu, finalmente, mergulhar no silêncio em sua mente.
Quando a voz abafada do comandante anunciou que estariam pousando em breve em Johanesburgo, Sophie não resistiu a dar uma olhada para trás, para o homem que lhe proporcionara o pior voo de sua vida. Virou o pescoço lentamente, vendo pares de olhos preguiçosos pelo caminho, até que o seu olhar cruzou o dele. Frio e vazio. Sentiu o mesmo arrepio descer pela coluna pregando-a no assento. Virou-se de volta rapidamente.
Jesse, Anne e Brandon acharam que Sophie estava ansiosa demais para ver Thomas quando ela puxou Jesse pela mão e praticamente correu desajeitadamente pelo corredor de acesso às esteiras das bagagens, com as pernas ainda um pouco desconexas. Felizmente, não precisava mais do bastão para lhe dar segurança, embora às vezes sentisse que a perna esquerda era um tanto lenta e pesada demais para correr, fazendo-a parecer alguém com câimbras.
— Calma, Sophi! O Thomas não vai embora sem você! — zombou Anne quase correndo para alcançá-la, mas Sophie não lhe respondeu, nem sorriu.
— O que foi, Sophie? — sussurrou Jesse sendo arrastado por Sophie.
— Eu preciso sair daqui, Jesse. Eu preciso sair daqui! — exclamou, num tom desesperado.
Ninguém mais questionou quando Sophie, pálida e suando, se jogava sobre as bagagens e puxava-as até o carrinho de mão. Nem quando Sophie parou e encarou um grupo de policiais que abordava um homem grisalho a poucos metros de distância.
Sophie apenas prendeu a respiração. Ele não era o menino, ele não era o menino!
Gritava em sua mente enquanto via o homem sendo levado, algemado, por cinco policiais armados.
Thomas, ele era um molestador! — berrou para Thomas, que estava em contato com ela desde que desceram do avião. — Claire, precisamos conversar sobre isso. Você não pode negar o seu dom. Você percebe o quanto pode ser útil? — Não! Eu não percebo nada. Eu não quero! Sophi estava tão estranhamente parada que parecia uma estátua congelada durante um momento de terror.
— O que foi Sophi? — perguntou Anne, olhando de Sophie para o grupo de policiais.
— Querida, você está bem? — indagou Jesse segurando-a pelo braço, mas Sophie não respondia, sentindo medo e repulsa por aquele homem que, agora, passava bem ao lado dela.
Claire, acalme-se. Vamos pensar sobre isso. Você entende o que aconteceu? —
Sophie não respondeu. Claro que entendia, mas se recusava a dizer. — A dor do menino ficou impressa nas lembranças desse homem! As dores eram tão intensas que atravessaram a mente dele e chegaram à sua! Claire, isso é espantoso! Thomas mal continha o entusiasmo. — O garotinho, ele está morto? — perguntou Sophie com o estômago revirando, prestes a um ataque de pânico. — Não creio, Claire. Você não fala com os mortos, você ouve mentes vivas!
Pela primeira vez, Thomas percebeu o pânico na voz da irmã e sentiu-se mal por ela, por ele não ter pensado no que ela estava sentindo, novamente, mergulhada em mentes e situações desconhecidas.
Tente se acalmar, temos muito tempo para falar sobre isso. Falou Thomas, com a voz meiga e doce de sempre. A única coisa que costumava acalmá-la. E Sophie não via a hora de poder abraçar o irmão.
Quando Sophie atravessou as portas de vidros escurecidos viu uma pequena multidão aguardando a chegada dos passageiros. Passou os olhos, ansiosamente, em dezenas de olhares ávidos e encontrou, com facilidade, o verde brilhante que a encarava.
Thomas era ainda mais alto e mais bonito do que ela imaginava. Tinha uma luz própria que emanava do seu sorriso largo que estreitava delicadamente os olhos. Correu para ele e saltou sobre seus braços, deixando Jesse, Anne, Brandon e todas as malas para trás.
Sentiu-se segura em seus braços. Encarou-o por um instante, com olhos úmidos. Oh, meu irmãozinho! Você é tão lindo! — Cuidado, eu ouvi isso! — respondeu Thomas mentalmente, com os olhos também marejados, percebendo uma minúscula lágrima se arrastando pela bochecha de Sophie.
Aos poucos, o grupo se uniu a eles em abraços e cumprimentos calorosos. Sophie havia esquecido por alguns minutos, o que acontecera no avião, mas sabia que teria que enfrentar essa sua nova fase, essa sua nova experiência. Embora sua vozinha covarde lhe dissesse para esquecer aquilo, a sua outra voz lhe cobrava atitude. Confusa, suplicou a si mesma.
Por favor, dá um tempo! Eu vou pensar nisso, depois! — Thomas ouviu e interveio. —
Mas lembre-se, você pode até salvar vidas um dia e eu posso ajudar você. Não se esqueça disso — cobrou ele, dando uma olhada furtiva à Sophie, enquanto sorria para Anne.
Sophie olhou para todos à sua volta, estavam tão felizes e excitados! Não podia estragar este momento, mas não podia evitar pensar no garoto. Enquanto as suas vozes se enfrentavam em uma batalha interior, Sophie, subitamente, soube o que fazer e todas se calaram. Havia apenas a consciência de Sophie, em posição ereta e orgulhosa.
— Thomas, vem comigo! — exclamou, puxando-o pela mão deixando todos para trás, perdidos, novamente. Somente Anne tinha uma vaga ideia do que Sophie estava sentindo. Não sabia o motivo, mas sentia a aflição e a necessidade da amiga e, claro, sabia que teria que apoiá-la, pois havia aprendido que, embora as decisões de Sophie não fossem as mais racionais, era o que tinha que ser feito.
Sophie, arrastando Thomas pela mão, correu contra o fluxo das pessoas, voltando para o imenso espaço onde poucos passageiros ainda pegavam suas bagagens. Viu dois policiais parados e foi em direção a eles.
— Aquele homem, ele é um sequestrador de crianças, não é? — indagou ela, com olhos firmes e uma voz tão decidida que os policiais se colocaram imediatamente em alerta. — Eu preciso vê-lo, eu acho que sei onde ele prende as crianças — e foi o suficiente para que os policiais a pegassem firmemente pelo braço, puxando Sophie e Thomas para uma sala onde outros dois policiais mantinham o homem grisalho em custódia.
Os primeiros policiais sussurraram algo para os outros dois e Sophie se desvencilhou das mãos deles, correndo para dentro do cômodo, parando diante do homem algemado. Ele ainda tinha o mesmo olhar frio e arrogante, sentado em uma cadeira de madeira. Sophie concentrou-se o máximo que pôde e começou a falar o que via.
— É um subterrâneo, não é? Ele ainda está lá! Você o deixou para morrer! Não teve coragem de terminar o serviço, não foi? — Sophie tremia e as lágrimas começaram a rolar pelo seu rosto.
As revelações pegaram os policiais de surpresa até que uma mulher corpulenta, vestida com um uniforme diferente dos demais se aproximou. E Sophie continuou.
— É um presídio abandonado! — exclamou Sophie, inclinando o corpo ameaçadoramente sobre o homem que não se moveu um centímetro. — Vamos, me diga! — ela queria surrá-lo, ali mesmo, aproveitando da sua imobilidade, mas não o fez.
Thomas estava logo atrás dela e segurou-a pelo braço, sentindo uma energia intensa atravessá-la atingindo-o no peito. Ele não tinha ideia do quão intensas poderiam ser as visões da irmã e quase perdeu o fôlego. Os olhos de Thomas encararam os da policial que puxou Sophie pelo outro braço.
— Senhora? Está tudo bem! — girou o corpo de Sophie e, quando encarou os seus olhos, continuou. — O garotinho já foi libertado esta manhã, em uma cidadezinha, na Inglaterra. Ele está bem. — Sophie sentiu os joelhos vacilarem. Fechou os olhos e procurou algo em que se apoiar.
Estou orgulhoso de você, maninha. Disse Thomas, silenciosamente, para Sophie. —
Eu, não. Estou tonta!
— Por favor, podem lhe dar um copo de água? — pediu Thomas, e os policiais se entreolharam confusos.
A mulher corpulente fez um sinal com a cabeça e um deles saiu pela porta dos fundos, retornando pouco depois com um copo nas mãos, enquanto o outro levava o homem grisalho para outro cômodo. Sophie bebeu a água em um só gole e pensou na encrenca em que se metera. Ouviu a voz aguda de Anne do lado de fora e corrigiu o pensamento.
Em que eu meti todos nós!
Não se preocupe, eu dou um jeito nisso — disse Thomas em sua mente.
Anne, Jesse e Brandon entraram pela porta com ares desnorteados. Sophie sorriu nervosamente. Não importava o quanto teria que explicar, o garotinho estava bem. Era só isso que importava desde o momento em que decidira voltar correndo para aquela confusão, ela só pensara no garotinho e na possibilidade de poder ajudá-lo. Fora a sensação mais forte que Sophie já sentira e, por uma fração de segundos pensou que Thomas pudesse ter razão. E se ela pudesse ajudar as pessoas? E se a sua visão fosse a chave que a polícia precisasse para libertar o garotinho? E se ela tivesse sido a única chance de ele ser encontrado?
Não. Nada de querer salvar o mundo! Falou a sua voz firme, autoritária e apavorada.
Enquanto Thomas conversava com a policial, deu uma piscadinha de lado para Sophie, com seus cílios longos e aventureiros.
Você ainda deseja fechar a sua mente, Claire?
Sophie sorriu timidamente, baixando os olhos enquanto Jesse a abraçava.
Não. Talvez não seja tão ruim, assim. Respondeu, observando Thomas apertar a mão da policial. Aparentemente, tinha usado do seu charme para saírem dali sem grandes problemas. Ou usara de alguma outra coisa que Sophie pensou ter visto escondida entre os dedos do irmão, mas nem quis pensar nisso. Sentia-se como se tivesse vencido uma maratona.
Anne observava Sophie, deslumbada. Sabia que ela havia enfrentado o mundo desconhecido, novamente. Brandon tinha o olhar receoso e Jesse sorria seu melhor sorriso apaixonado. Ele também sabia o quanto Sophie lutava para ser uma pessoa normal, mas ela não tinha − e nunca teria − nada de normal e era isso que ele admirava nela. A sua força e sua coragem para enfrentar os seus medos, por piores que fossem.
Legal! Vamos salvar o mundo! Provocou Thomas, voltando-se para Sophie e os outros, com um imenso sorriso no rosto. Vai sonhando, super herói! Zombou ela, enquanto todos saiam e caminhavam de volta pelo salão de bagagens.
É sério, Claire. Canalizar o seu dom para algo produtivo. Vamos ter que treinar melhor a sua mente e…
Sophie pendurou seu “não disturbe” mental e Thomas deu uma gargalhada divertida, enquanto Sophie sorriu largamente para ele. Para todos eles. Ela sabia que não poderia lutar contra a sua natureza, mas pensaria nisso depois. Agora, tinha umas férias para aproveitar ao lado das pessoas que amava e ouviu a risada divertida de Thomas atrás dela.
Ok, ok, recebido! Falaremos sobre isso depois, então…
FIM
Sobre a autora:
Érika Bento Gonçalves, jornalista profissional por vocação, nasceu em Poços de Caldas, MG, onde foi repórter e apresentadora de telejornal por oito anos até se mudar para São Paulo, onde atuou como editora e editora chefe nas principais emissoras do país por outros cinco anos. Mudou-se para a Itália, em 2008, onde residiu até final de 2012, quando se transferiu para Londres, residente atualmente.
O primeiro volume da série Contato – As vidas de Sophie foi seu primeiro livro completo publicado até hoje. Duas de suas inúmeras crônicas foram publicadas no livro Cronicidades, pela Incult Produções Culturais, sendo comercializado pelo Clube de Autores. Participa, ainda, como colaboradora do site O Boletim, desde 2005.
Atualmente, a autora se dedica ao segundo volume da série Contato, com data de publicação ainda não definida.

bruno

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