28 de março de 2024
Erika Bento

As vidas de Sophie: Capítulo 19

capa livro 1Capítulo 19
Anne preparou um salmão com batatas e salada de rúcula para o almoço e, pouco depois das três da tarde, Sophie já estava no seu quarto, novamente, abrindo o notebook abandonado na escrivaninha desde que fizera a pesquisa − pouco produtiva − sobre Simbiose Psicológica. Mas, desta vez, seria mais fácil. Procurava algo bem mais concreto. Informações sobre um país a dez mil milhas de distância, embora Anne tivesse insistido mil vezes para que Sophie fosse com ela visitar uma exposição de artes.
— Vamos, deixa isso pra lá! Paul disse que vai nos passar as informações depois. Você precisa se distrair um pouco! — mas Anne viu que seus esforços eram em vão quando, na terceira vez, Sophie parou de responder e começou a digitar freneticamente, e saiu.
Sozinha no quarto procurou Africa do Sul no Google e apareceram mais de um milhão de páginas. Correu pelo Wikipedia e sites de turismo. Não imaginava que havia tanta beleza naquele país. Quase se perdeu nas páginas sobre a história, a economia e os conflitos raciais, como os de 2008, que mataram dezenas de pessoas e feriram centenas em várias cidades em explosão de xenofobia generalizada. Para um país na lista das nações emergentes, violência daquele tipo não fazia sentido para ela.
Sophie agitou a cabeça e sentiu-se frustrada. Na verdade, não sabia exatamente o que procurar. Paul lhe dissera algo sobre um funcionário no Consulado Britânico, então, procurou Consulado Britânico na África do Sul. Encontrou quatro. Um em Cape Town, outro em Durban e dois em Pretoria. Procurou no mapa. Cape Town, ao sul, Durban na costa leste e Pretoria ao norte, próxima a Johannesburg.
Pense, Sophie, pense!
Arriscou algo mais específico: falsificação de documentos no Consulado Britânico. Bingo! Vários links comentavam sobre uma prisão feita no Brasil, dois meses antes, que teria desvendado um esquema de falsificação de documentos britânicos. O primeiro artigo falava apenas que a polícia sul-africana investigava uma denúncia vinda da América do Sul sobre falsificação de documentos. O segundo acrescentava apenas que os documentos eram passaportes. O terceiro falava em certidões de nascimento para menores e Sophie sentiu uma fisgada no estômago. Leu mais dez artigos sobre o caso e, finalmente, encontrou algo que lhe chamou a atenção:
“Foi preso, esta semana, no Brasil, um inglês acusado de envolvimento com falsificação de documentos durante o período em que trabalhou no Consulado Britânico, em Pretoria, província de Gauteng. John Evans, 58 anos, natural de Melrose, Inglaterra, foi preso durante uma operação da Polícia Federal que investiga o envolvimento de autoridades brasileiras na imigração ilegal. A polícia teria encontrado com ele dezenas de passaportes e diplomas falsos usados por imigrantes. Evans informou que começou a cometer este tipo de crime quando vivia na África do Sul, depois de ser ameaçado por um policial que queria fugir com a filha, nos anos oitenta.
‘Eu tinha uma dívida com ele’ disse Evans ‘e ele me obrigou a fazer isso. Eu não queria, era uma criança de três anos, mas era isso, ou eu iria em cana por um crime que eu não tinha cometido. Ele tinha prestado um depoimento ao meu favor em um crime onde todas as provas apontavam para mim. Ele mentiu porque acreditava na minha inocência. E eu era mesmo inocente! Depois, usou isso para me chantagear e eu tive que fazer o que ele queria’.
Evans disse ter ficado transtornado com o que fizera e a sua vida se tornou um inferno. ‘Mas, pelo que parece, o arrependimento não durou muito’, afirmou o delegado federal Pedro Quintana, do Brasil, exibindo o volume do material apreendido.
A polícia de Pretoria já foi informada sobre os fatos, mas preferiu não se pronunciar.”
Não, Sophie. Esquece! Desencorajou a si mesma, embora não pudesse fingir que a fisgada no estômago continuava lá. Fechou o notebook, massageou a nuca, olhou
para o relógio na escrivaninha e viu que já eram quase seis da noite. Precisava sair dali, precisava respirar e decidiu fazer uma surpresa a Jesse no escritório. Tinha tido uma manhã exaustiva, uma tarde entediante e precisava de algo relaxante.
Trocou rapidamente de roupa, colocando um vestido curto peto, uma meia 7/8 deixando a mostra parte das coxas, uma bota de salto alto grosso, penteou os cabelos rapidamente e saiu. Pegou um taxi e seguiu até o escritório. Desde que reataram o namoro, Sophie não tinha ido nem uma vez ao seu encontro, era sempre Jesse que vinha resgatá-la de seus problemas e aflições. Queria lhe fazer uma surpresa e sentiu-se como uma jovem apaixonada, novamente, com um frio tremulante no estômago.
Sorriu timidamente pra si mesma mordiscando o lábio inferior, excitada. Afinal, não estava sendo tão ruim assim. Entregar-se e deixar rolar. Por um momento ficou confusa consigo mesma. Por que tinha sido tão intransigente da primeira vez? Do que tinha medo? Franziu os lábios. Sabia do que. Fez uma rápida chamada à Anne e avisou-a do seu encontro furtivo e a amiga lhe respondeu com comoção. Era um grande avanço. Sophie sentia-se viva e a adrenalina subia às alturas.
A rua estava movimentada e o taxi parou no trânsito a uma quadra da Griffiths Architects. Sophie saltou ali mesmo. Arrumou o vestido, ajeitou os cabelos e caminhou ansiosa, confiante e com tremores no estômago. Surpreendentemente, sentia saudades de Jesse e começava a se acostumar com isso, com a sua necessidade dele. Agitou a cabeça repreendendo a si mesma pelo tempo que perdera agindo infantilmente, sem lhe dar o devido valor. Sorte a sua que Jesse ainda a queria, sorte a sua por não tê-lo perdido. E sorriu travessa com suas ideias para noite funda.
Passou pelo café onde os dois costumavam se encontrar e sentiu uma ponta de nostalgia. Mas a nostalgia e a excitação evaporaram quando viu Jesse lá dentro. E ele não estava sozinho. E não estava tomando café. Jesse estava com Adrian, Jesse estava beijando Adrian. Jesse estava beijando Adrian, na boca. Não. Adrian estava beijando Jesse, ela estava quase debruçada sobre ele, sentados lado a lado nos bancos do balcão!
O seu estômago se contraiu. A garganta secou e sentiu as pernas amolecerem. Não era possível que estivesse vendo aquilo. Mas que droga, Jesse! E num único respiro, o Jesse maravilhoso se tornou o pior dos patifes, canalhas, trastes, todos juntos. E Adrian… aahhhh…. sentiu o orgulho rugir ferido mortalmente.
A ira percorreu todo o seu corpo arrastando ferozmente Sophie para dentro do café, atraindo os olhares do casal, mas ela não se intimidou e a deliciosa ira fez a sua mão direita erguer-se no ar e depois cair ferozmente em uma bofetada em Adrian, fazendo desaparecer aquele sorrisinho de satisfação que esticava seus lábios lateralmente.
— Sophie!!!! — exclamou Jesse sem muito se importar com Adrian, que choramingava baixinho ao seu lado — Sophie, eu…
— Cala a boca, Jesse! — berrou Sophie, e os olhares se voltaram para ela. — E fique-longe-de-mim! — exclamou fincando o indicador contra o peito dele, cada vez mais forte, a cada palavra. Virou-se nos calcanhares deixando o local com a mesma determinação com que entrara.
Uma tormenta de sentimentos ganhava força dentro dela. Sentia raiva, vergonha, humilhação, ira, ciúmes, desilusão; sentia vontade de vomitar. Caminhou apressadamente pela rua ouvindo Jesse gritando seu nome atrás dela. Não venha atrás de mim, não venha atrás de mim! Mas Jesse já estava no seu encalço, deixando Adrian para trás que saiu do café com a mão sobre a bochecha ardendo como mil sóis.
— Sophie! Espera! — Jesse correu e a alcançou pouco antes de ela entrar em outro taxi.
— Me larga, Jesse! — gritou, franzindo o cenho e virou-se, com centenas flechas no olhar apontadas para ele, segurando a porta do carro com uma das mãos.
— Sophie, não! Eu não vou deixar você ir embora assim. Eu não tive culpa! — exclamou Jesse segurando-a pelo braço.
— Ah, pelo amor de Deus, Jesse. Cala a boca! — esbravejou Sophie, puxando o braço de volta com força, quase perdendo o equilíbrio.
— Sophie! Você tem que me ouvir, por favor! — gritou ele ainda mais alto, enquanto Sophie batia a porta do taxi sem lhe dar qualquer chance.
Jesse ergueu as mãos à cabeça, desesperadamente, olhou para os lados e acenou para um taxi, depois desistiu e saiu em disparada de volta ao escritório. Sophie sentia o corpo tremer. Sentiu raiva de si mesma, ela nunca deveria ter deixado Jesse voltar à sua vida. Não estava pronta para isso, principalmente para Adrian e seu sorriso debochado com suas covinhas vulgares. Queria gritar de raiva, esmurrá-la até achatar o seu rosto redondo como uma panqueca.
Queria socar Jesse. Queria… queria… queria chorar de raiva! Mas só mordia os lábios até que Bring me to Life a fez abrir a bolsa com fúria. As mãos trêmulas mal conseguiam pegar o celular e Sophie sentiu a palma da mão direita arder. Desligou-o atirando-o de volta dentro da bolsa.
Os joelhos batiam um contra o outro e segurou-os tentando se acalmar. É apenas um homem, um cretino de um homem. Ele não é nada, nada! Começou a recuperar o controle sobre o seu corpo. Apaixonar e desapaixonar como trocar de canal.
Lembrou-se de Anne e quis muito que ela tivesse razão, que ela conseguisse, realmente, desapaixonar-se enquanto o seu autocontrole ia por água abaixo novamente. Águas que estavam subindo e logo se transbordariam em lágrimas, mas Sophie não choraria por Jesse e muito menos por Adrian. Aaahhh…. urrou novamente em sua mente.
Engoliu a raiva e a decepção e, quando chegou a casa, Anne estava na cozinha, sorrindo para ela, e as duas se viram somente de relance, pouco antes de Anne abrir um armário sobre a pia e pegar uma caixinha de chá.
— Ei! O que aconteceu com o encontro? — perguntou Anne, sem notar a expressão pálida de Sophie, com os lábios tesos e as pálpebras que despencavam sobre os olhos; mas quando Anne se virou, seu sorriso se apagou e ela correu até a porta onde Sophie restava imóvel.
— Deus do céu, o que aconteceu com você? — perguntou, enquanto ajudava Sophie a se sentar no sofá. Ela parecia hipnotizada, imersa sabe-se lá em que, e Anne sentiu o pânico infiltrar em suas veias. — Sophie, fale comigo!
— Eu vi o Jesse… e a Adrian… se beijando… — a frase soou estúpida.
Anne sentiu a tensão descer pelas pernas, mas tão logo processou a mensagem, soltou o corpo no sofá ao lado de Sophie confusa. Teve uma visão ou viu mesmo?
Mas não lhe perguntaria.
— Me conta como foi isso… — murmurou.
Sophie foi lhe contando, revendo a cena à sua frente parecendo irreal, mas não era e mais: ela sabia que Jesse viria atrás dela e sabia também que não queria vê-lo, por nada neste mundo, queria encarar Jesse.
— Sophie, tem algo errado. Ele não faria isso, quer dizer, eu acredito em você, mas ele não faria isso! Só pode ser coisa da Adrian!
— E se for? Ele não me pareceu forçado a fazer nada! — exclamou Sophie, embora no seu íntimo sabia que vira Adrian sobre Jesse e não o contrário. Mas que se dane, eles estavam se beijando e pronto.
O telefone de casa soou e Sophie segurou Anne pelo braço antes que ela se levantasse.
— É ele, não atenda! — ordenou friamente, e Anne obedeceu, enquanto a campainha soou e soou enchendo a casa de um som estridente por alguns segundos.
— Sophie, por favor, pense um pouco… — embora desejasse fuzilar Jesse em praça pública, Anne não suportava ver a amiga daquele jeito. Era a primeira vez que a via sofrer por um homem e era mortificante.
— Anne, esquece. Está tudo bem — mas não estava. Quanto mais tentava controlar a ira, mais se sentia consumida por algo novo, um sentimento ainda desconhecido que fazia o seu peito arder em chamas.
Era como se algo precioso tivesse sido roubado e sentiu-se tocada por mil agulhas em sua mente. Era tão intenso e desconfortante! Sentiu-se caindo estupidamente de costas num tirar de tapete violento e viu o sorriso de Adrian à sua frente. Merda! Mil vezes merda!
Ela tinha um instinto e devia aprender a ouvi-lo em todas as ocasiões. Sentiu-se contrariada, humilhada, excluída e, do fundo de sua memória, emergiam imagens de visões antigas de um garoto solitário quando Sophie tinha quase dezesseis anos.
Era o último ano na casa leste, em uma noite úmida de primavera e Sophie estava na biblioteca. Pesquisava desinteressadamente sobre mitocôndrias para um trabalho de biologia, enquanto Anne saíra por um instante para devolver a sua pilha de livros à senhora Shelton, a bibliotecária. Sophie detestava biologia e aquela pesquisa estava se tornando entediante demais. Corria os olhos pelas letras e desenhos ovais sem entender uma linha. Voltava para o primeiro parágrafo pela quinta vez na esperança de que absorvesse tudo por osmose. Mas quanto mais tentava, mais se distanciava da realidade.
As letras à sua frente começaram a dançar como pequenos bonecos feitos por traços infantis. Em princípio, Sophie divertiu-se ao ver os pauzinhos pretos criarem vida e saírem do papel numa festa desorganizada, até que uma das letras apontou para o desenho deitado no papel e deu-se uma risada coletiva. Letras que caçoavam do desenho que, pouco a pouco, também se ergueu da página e, de uma mitocôndria arredondada, pipocavam braços, pernas e uma cabeça desproporcional, se transformando em um garotinho desajeitado.
As letras foram ganhando forma de pequenas criaturas, como gnomos, que dançavam ao lado dele, rindo e debochando largamente. O menino girava em torno de si mesmo, acompanhando a dança daquelas criaturas cruéis que se divertiam torturando a sua mente. De tanto girar no mesmo eixo, o menino desequilibrou-se caindo sobre os joelhos, levando o grupo a gargalhadas histéricas e pequenas lanças saíam de suas bocas atingindo o garoto por todo o corpo, encolhido, apavorado, mas, sobretudo, humilhado.
Uma luz alaranjada surgiu no centro da cena, saindo de dentro do peito do garotinho, e as risadas foram diminuindo até cessarem completamente. Ele, então, ergueu-se, recobrando a confiança, e seus olhos queimavam demoniacamente sentindo o poder crescente rastejando pelo seu corpo. Mas Sophie sabia que, embora exalasse triunfo sobre aqueles que o açoitavam, aquele garotinho ainda chorava por dentro, ciente da sua pequenez. E o garoto entrou em combustão diante de um grupo que festejava a sua autodestruição, em êxtase.
Mas estas não foram as únicas visões que voltavam à mente de Sophie. Imediatamente, outro garoto, em outra visão, anos mais tarde, ressussitava no seu baú de memórias.
O menino brincava com um carrinho de madeira, num chão de terra batido, com os pés descalços e sujos, quando dois pés enormes passaram por ele, pisando sobre o brinquedo, despedaçando-o, e seguindo em frente. O garoto juntou os pedaços e, com cada um deles, fez um novo carrinho que, novamente, foi pisoteado e desintegrado em dezenas de outras partículas. E o garoto pegou novamente cada pedacinho e o transformou em minúsculos outros brinquedos que, novamente, foram destruídos por algo maior do que ele, até que não lhe sobrou mais nada. E, das suas lágrimas, que caíam fundas no chão, nasceram flores que o garotinho colheu e entregou àquele ser maior do que ele. Mas o gigante deixou as flores caírem e pisou sobre elas displicentemente. E o garoto, por fim, comeu as pétalas, sentindo um gosto amargo e ácido na boca. Quando comeu a última pétala, sentiu sua barriga se mexer, como um verme que criara vida dentro dele. Aterrorizado, o menino sentiu as garras que lhe cortavam o abdômen por dentro, como se abrisse um saco de dormir. Em meio aos gritos de tortura, a criatura o devorou, de dentro para fora, até que não sobrou nada e o verme saiu rastejando para, depois, entrar em um buraco no chão.
À medida que tais imagens eram cuspidas para fora do seu subconsciente, Sophie afundava no sofá inerte e Anne sequer percebera que, nos segundos precedentes, Sophie fizera uma descoberta nos olhos daqueles garotos perdidos.
— Eu já sei, Anne! — bradou Sophie.
— O que? — indagou Anne sentindo-se perdida.
— Os garotos! Era ele!
— Que garotos? — sentiu-se duplamente perdida.
— Os garotos! São a mesma pessoa, Anne! — e Anne desistiu de perguntar. — Eles são Thomas! Foi sempre ele!
— Thomas? Sophie, por Deus, não estou entendendo nada!
— Os garotos das visões! — virou-se para Anne com os olhos aterrorizados. — O que ele quer de mim?
— Sophie, comece do começo, por favor!
E Sophie a fez lembrar-se do garotinho que tinha sido tema de inúmeras teorias de Anne sobre rejeição e descaso nas duas vezes que ele surgira e Anne ergueu as sobrancelhas, atônita.
— Mas como isso surgiu na sua mente, agora? O que o Jesse tem a ver com isso?
— era muito confuso e destoante para Anne.
— Eu não sei! Eu estava aqui, sentindo raiva, muita raiva e, aliás, ainda estou! — Sophie inflou as narinas. — Enfim… enquanto algo me devorava por dentro, eu entendi! …Ai, Anne, sei lá como foi que do Jesse fui parar no Garoto inflamável e no
Verme do avesso — exclamou Sophie gesticulando as mãos e encolhendo os ombros em desespero —, mas eu tenho certeza! São os mesmos olhos verdes, tímidos e perdidos. Eu sabia que já tinha o visto em algum lugar…
— E você ainda confia nele? — questionou Anne, erguendo as sobrancelhas.
— Confiar? Ah, Anne, nesse exato momento eu não confio em ninguém! — Anne a olhou em advertência quando a campainha tocou fazendo-a saltar no sofá. — Merda! Só pode ser o Jesse. Deixa ele tocar!
— Ah, Sophie, tenha dó! — vociferou Anne, irritada, levantando-se em sua fiel postura de general.
— Tá bem, tá bem! Eu abro, então — bufou Sophie, levantando-se do sofá, enojada.
Caminhou pesadamente até a porta, abriu-a ferozmente e partiu pra cima.
— O que é que você quer, Jesse? — perguntou Sophie em muitos tons acima da sua voz.
— Eu quero que você me deixe falar! — e a voz de Jesse era ainda mais aguda.
— Mas eu não quero saber! Já tenho problemas demais para ter que lidar com mais um! — mas Jesse era intransigente. Forçou a entrada empurrando Sophie para o lado, e passou por ela a passos largos. — Eu quero que você vá embora, Jesse. Agora! — intimou, com seus olhos escuros penetrantes e Jesse baixou a cabeça agitando-a incrédulo, passando a mão pelos cabelos.
— Tudo bem, eu vou embora, mas só depois que você me ouvir. Te peço só um minuto, ok? — Sophie bateu a porta atrás dela, mas não se moveu, apenas cruzou os braços e esperou. Anne tinha se evaporado há muito tempo. — Sophie, foi a coisa mais estúpida que me aconteceu e, por favor, acredite em mim — Jesse tinha as mãos juntas em oração enquanto Sophie lhe jogava o seu pior olhar dos olhares.
— O escritório… — balançou a cabeça — o dia foi sufocante, hoje, você não tem ideia! Eu estava uma pilha de nervos e Adrian me chamou para tomar um ar fresco
e descemos para um café. Apenas um café! Como já fizemos várias vezes! Como eu podia imaginar? Eu não tinha ideia e nem sei se ela tinha premeditado isso ou não…
— Ah, por favor Jesse, pára. Eu não quero ouvir mais nada!
— Vai sim, Sophie, porque eu não vou deixar que uma estupidez como aquela tire você de mim! — exclamou Jesse aproximando-se, ameaçadoramente, de Sophie que sustentou o olhar com firmeza. — Ela se jogou pra cima de mim e me beijou! Do nada! Me pegou de surpresa e assim que me dei conta, eu a empurrei. Pelo amor de Deus, Sophie, você deve ter visto!
— Ah, eu vi. Vi sim e, pra falar a verdade, Jesse, não me importa mais. Eu não preciso disso, agora. Não mesmo! — Sophie baixou os olhos, inspirou profundamente e continuou com uma frieza cortante. — Acabou, Jesse. É melhor deixarmos pra lá — subitamente, um vislumbre de Adrian olhando de canto de olho para Sophie ainda na porta do bar, segundos antes de se atirar sobre Jesse, abalou a sua confiança. Ela me viu e fez de propósito! Mas não importava. Tinha chegado ao seu limite. Realmente, não precisava de nada disso.
Jesse estreitou os lábios e a encarou uma última vez com seus olhos de um dourado escuro faiscavam, mas Sophie havia criado uma barreira em torno de si mesma. Não sentia mais o efeito Jesse sobre ela. Recuou dois passos sem perder o olhar, estendeu a mão para trás, abriu a porta e se afastou, enquanto Jesse passava por ela vagarosamente. Sophie fechou a porta e era como se nada fosse.
Anne desceu as escadas silenciosamente e tentou uma aproximação.
— Sophi, você tem certeza?
— Sim, Anne — respondeu, implacavelmente
O telefone tocou mais uma vez e, embora hesitante, Sophie atendeu. Era Paul e sua voz tinha um tom entusiasmado.
— Sophie! Os documentos chegaram! — exclamou, euforicamente.
— Documentos? — uma nuvem passou pelos seus olhos.
— Sim! O relatório do Brasil! — Sophie encostou-se à parede e ergueu a cabeça para trás apoiando-a contra o muro frio cor de palha.
— E o que tem nele, Paul? — perguntou, com os olhos fechados.
— Pistas, Sophie. Muitas pistas. Você quer ouvi-las agora? — uma intensa corrente ricocheteou por todo o seu sistema nervoso.
— Quero, por favor — falou à meia voz, mas Paul não percebeu a hesitação, o medo e a tensão em Sophie e continuou animado.
— Eles me mandaram cópias de todo o processo. Eu dei uma olhada por cima, porque tem muita coisa que interessa mais a eles lá do que a nós — Vamos, Paul, vai logo ao ponto, por favor. — O melhor é o depoimento do principal acusado, um tal de John Evans — o coração de Sophie parou e esperou. — Esse cara é um falsificador de documentos, de todo tipo que você imaginar. Ele meteu um monte de gente lá em maus lençóis! Deputados, juízes, a coisa vai ficar feia por lá, viu… bom, não sei. Os nomes desses caras estão rasurados na minha cópia, mas também não importa. O que me chamou a atenção foi a história que ele contou.
— É sobre o policial, em Pretoria? — perguntou Sophie, parecendo indiferente.
— Como você sabe? — indagou, abismado.
— Eu li na internet.
— Oh! Quando você leu isso? — Ah, Paul, o que interessa?
— Hoje à tarde.
— Ah… então você já sabe? — indagou, desapontado.
— Li apenas isso, não falava nomes.
— Mas no depoimento ele falou. Disse que foi um tal de John Mitchell, ou Johnny que o forçou a falsificar o documento dele e da filha, uma garotinha de três anos. — e a excitação baixou vários pontos.
— Ele disse quando exatamente foi isso? — “Uma garotinha de três anos” ficou ecoando em sua mente.
— Disse — Paul suspirou e continuou. — Em 1987 — fez-se uma pausa e Paul sabia que Sophie fazia os cálculos naquele exato momento, como ele também fizera. — Eu sei o que você está pensando, Sophie e eu também penso a mesma coisa. Vale a pena investigar mais.
— Ele disse o nome que ele deu para a garotinha? — cerrou os olhos com firmeza.
— Não — Sophie sentiu uma frustração nauseante, ou seria alívio? — Mas ele disse que ficou paranóico depois disso. Tinha medo que fosse descoberto e, alguns meses depois, pediu demissão do cargo e se mudou para a Angola, depois foi para Portugal até chegar no Brasil…. hã… cinco anos atrás.
— E como tudo isso pode nos ajudar, Paul? — perguntou, exausta, e a cabeça começava a latejar.
— Bom, vou entrar em contato com as autoridades da África do Sul e pedir os casos de crianças desaparecidas naquele ano. O tal Evans disse que isso foi em agosto de 87 — Agosto… mês do meu aniversário… —, portanto, o leque diminui substancialmente. Se dermos sorte, teremos fotos e dados das famílias destas crianças, inclusive desta garotinha. Vamos torcer por isso! Vamos torcer para que não tenha passado muito tempo e que eles tenham um arquivo organizado.
— Tudo bem. Assim que você tiver mais alguma coisa me avisa, por favor? — Sophie abriu os olhos e viu Anne cor de vela à sua frente.
— Claro, minha querida! — Paul sentia a estranha calma na voz de Sophie e perguntou. — Você está bem, Sophie?
— Estou. Tá tudo bem, só estou cansada. Eu espero você me ligar. Obrigada, Paul.
— forçou uma despedida mais animada.
— De nada, Sophie. Boa noite e cuide-se bem, garota!
— Pode deixar… — Sophie desligou o telefone, sabendo que teria que contar tudo a Anne e não estava nem um pouco a fim. Queria que este dia terminasse, mais nada.
Anne ficou mais empolgada com as notícias do que Sophie. Ou fez de conta, tentando fazê-la esquecer de Jesse e do garoto perdido, Thomas. Mas Sophie sentia-se tão exausta que, na verdade, não pensava mais em nada. Queria apenas tirar as roupas e esperar que o colchão a engolisse para sempre!
Achou que nem precisaria tomar o remédio para dormir, por isso, deixou o copo com água no criado mudo, ao lado do remédio, para caso perdesse o sono à noite. Mecanicamente, despiu-se, jogou o vestido preto na cama e enfiou uma camiseta regata longa com Florence Welch segurando um coelho branco nos braços estampada na frente.
Pensou, ironicamente, Siga o coellho branco, Sophie. Afundou a cabeça no travesseiro macio e sussurrou novamente antes de cair no sono Siga o coelho branco…
CONTINUA NA PRÓXIMA SEMANA

bruno

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