16 de setembro de 2024
Carlos Eduardo Leão

Enochatos: quando o vinho vira piada

Dificilmente existe algo mais chato do que conviver com os pseudo entendidos de vinho.

…e Jesus, numa festa de casamento na Galileia, transformou água em vinho. João 2:1-11.

Apenas para comprovar que o vinho tem a sua importância garantida numa história que se conta há mais de 2000 anos. Claro que essa importância não existiria se os “enochatos” estivessem presentes nesse casamento, já que os convivas haveriam de pedir a Jesus que revertesse o milagre.

É mais do que sabido que o “chato” é uma entidade em ascensão no mundo. Já os “enochatos”, termo descrito pela primeira vez pelo dramaturgo Walcyr Carrasco, são uma variação mais complexa dessa organização que tem sido objeto de estudos e pesquisas da psiquiatria cuja expectativa é de que se trata realmente de seres esnobes, pernósticos e pedantes.

Os “enochatos” são pessoas com fortíssimas tendências à “malas-sem-alça”. Fazem um cursinho básico sobre vinhos, normalmente de fim-de-semana, leem alguma literatura de Google, e, a partir daí, posam como verdadeiros experts que “se acham” diante de plateias leigas.

O vinho não merecia esses caras. O vinho é um clássico das mesas através dos milênios nas mais variadas culturas, indiferentemente de seu status sociocultural. O vinho coloca em igualdade nobres e plebeus, reis e súditos, presidentes e povo, ricos e pobres numa interação interpessoal sem precedentes na história dos humanos.

Só não coloca em igualdade os verdadeiros enófilos, enólogos, sommeliers e apreciadores normais do bom vinho com esses verdadeiros “pés-no-saco”.

Vocês já repararam nesses “enobabacas”? Seguram a taça pela base. Se você segurar pela haste será veementemente repreendido por tamanha heresia. Turbilhonam o vinho com movimentos circulares em sentido anti-horário com a naturalidade de uma centrifuga. Ai de quem prefira o sentido horário! Alguns “enobobos” utilizam tanta rotação por minuto que, eventualmente, molham suas camisas, sofás, poltronas e mármores brancos das casas de amigos, estes sempre veladamente putos da vida.

A pesquisa do bouquet é sempre hilária. Encaixam a taça entre o queixo e o nariz numa inclinação de 36,04º em relação ao meridiano 47 e inspiram profundamente sei lá o quê (nem eles). Cabeça ligeiramente inclinada pra trás, olhos fechados e um ar de mistério. Invariavelmente acenam positivamente pra alegria de incautos embevecidos. Aprovado!!!

Segue a degustação do primeiro gole. Uma apoteose! Bochecham o vinho por 3 segundos para depois empurra-lo em direção à bochecha direita. Aqui permanece por impreteríveis 2 segundos. Já na esquerda, 4 segundos. As esquerdas, até na boca, são sempre mais complicadas, inconfiáveis, enganadoras e persuasivas. Voltam com o líquido para o meio da boca. Engolem. Fecham os olhos. Intermináveis 10 segundos e, finalmente, o veredicto.

“Aroma de frutas vermelhas dos bosques do Loire. Taninos fortes. Rascante num primeiro momento até a explosão de craquejas que o torna mais aveludado. A única crítica é a temperatura. Poderia estar 1,36° mais baixa e aí o aroma se desprenderia com mais facilidade”.

É mole? E tem gente que acredita!

Caso imaginasse a possibilidade da existência dos “enochatos”, Jesus certamente teria preferido transformar a água das Bodas de Caná em whisky ou cerveja. Mas como a Sua obra é completa, inspirou o enólogo Mário Telles a rebater a “enochatice” dizendo: “Não seja chato. Deguste na hora de degustar. Não contribua para a injusta imagem de esnobismo que a degustação de vinhos tem junto ao público”.

Xiiiiiii! Esqueci-me da indefectível cheirada na rolha! Sem ela os “enochatos” não completariam a sua arte!

Carlos Eduardo Leão

Cirurgião Plástico em BH e Cronista do Blog do Leão

Cirurgião Plástico em BH e Cronista do Blog do Leão

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