16 de setembro de 2024
Carlos Eduardo Leão

Diagnóstico pelo cheiro – O poder da intuição na medicina

Absolutamente nada substitui a intuição do grande médico no diagnóstico além dos sintomas

“Leão, não fique triste. São coisas da Medicina que somente o tempo lhe ensinará. Depois de 45 anos de lida “a gente diagnostica pelo cheiro”.”

Meados de 1980, eu no 6º ano de Medicina e de plantão no Hospital São José, em Vitória. Chega um rapazinho de 17 anos, acompanhado pelos pais, com um mal estar abdominal. Não era dor. Não teve febre, não vomitou e não apresentou diarreia. No exame físico pude observar um abdome totalmente flácido, indolor à palpação e sem qualquer sinal que caracterizasse um problema inflamatório.

Pensei numa virose em estado inicial ou numa dispepsia por duas cuba-libres na véspera. Chamei o meu chefe, Prof. Dr. Olívio Louro Costa, um dos mais importantes cirurgiões do Estado e chefe da cadeira de Cirurgia Geral da minha saudosa Faculdade de Medicina da UFES.

Ele conversou durante dois minutos com o menino, deu duas apalpadelas no abdome e me pediu para avisar ao Bloco Cirúrgico que entraríamos com uma apendicite aguda. Confidencio aqui que naquela hora passou pela minha cabeça pensamentos inconfessáveis sobre aquela decisão.

Apendicite Aguda é um dos diagnósticos mais clássicos da Medicina, recheados por sinais e sintomas muito claros e, na maioria absoluta dos casos, muito tranquilo de se fazer. Lógico que existem as exceções. E como!

Resumo da ópera: aquele “a gente diagnostica pelo cheiro”, uma clara expressão metafórica que confirma definitivamente que a experiência é a mãe da ciência, ficou gravado na minha mente para sempre e perdi as contas de quantas vezes contei esse fato.

A última vez, foi em São Paulo em meados de março. Contei para o cardiologista João Serro Azul, um médico com as mesmas credenciais curriculares do Prof. Olívio Louro e protagonista de um segundo “diagnóstico pelo cheiro” que presenciei na vida.

Sábado, 9 da manhã, Sampa, no Simpósio Internacional de Cirurgia Plástica no Sheraton WTC. Senti um mal estar bem parecido com azia. A diferença é que melhorava quando parava de andar. Muito em função de ser médico, raciocinei: Azia não para com diminuição de movimentos. Pensei em coração.

Liguei para um amigo muito querido que estava no Sírio preparando-se para iniciar uma plástica mamária. “Vou mandar uma ambulância”, disse Marcelo Sampaio. “Acho que não dá tempo. Vou de táxi”, respondi.

Marcelo me salvou. Deixou absolutamente tudo preparado para a minha chegada, de preferência vivo, no extraordinário Hospital onde o Prof. Serro Azul me esperava. Todos os exames. Resultados tendendo para inconclusivos que, em outras circunstâncias, Hospitais ou profissionais, poderiam até me liberar pra voltar para BH à tarde.

“Não estou pondo muita fé nesses exames. Você vai para um cateterismo e não voltará pra casa hoje”, sentenciou João. Não tive dor, nem náusea, nem sudorese, minha “azia” tinha passado totalmente, estava me sentindo bem e o cara insistia. Pensei comigo: será que esse homem tá sentindo aquele “cheiro” do Dr. Olívio?

Obrigado, João! São poucos os privilegiados por Deus com esse “olfato” tão aguçado. Obrigado, Marcelo! Quando Carl Jung escreveu que “não é o diploma médico, mas a qualidade humana o decisivo” previu que você nasceria.

Ter me permitido raciocinar como médico, não subestimar o meu sintoma, manter-me tranquilo durante todo o processo numa paz interior sem precedentes, aceitar sem questionar a conduta dos médicos, não tem outra explicação: Deus.

E eu, feliz por continuar diagnosticando o cheiro das flores, o cheiro de Thaïs, o cheiro de Flávia, Duda e Lulu, o cheiro de Vic e Bartô, o cheiro da minha linda mãe, o cheiro da vida…

Carlos Eduardo Leão

Cirurgião Plástico em BH e Cronista do Blog do Leão

Cirurgião Plástico em BH e Cronista do Blog do Leão

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