29 de março de 2024
Adriano de Aquino Colunistas

Inexiste oportunismo ingenuo

Quem agora aplaude a Censura o faz conscientemente. Não teme que um dia a censura o atinja.

Ao apoiá-la, taticamente, a fim de calar a voz de quem discorda, o oportunista pusilânime, encorajado pela patota, exterioriza seu autentico e inequívoco interesse de submeter a Liberdade de Expressão aos seus domínios.

Imagem: Google Imagens – Porco Espinho

————————————————————————–

Texto de Flavio Quintela, para a Gazeta do Povo Allan dos Santos:

EU SOU VOCÊ AMANHÃ

“Jamais pensei que a liberdade de expressão fosse passar incólume pelos governos do PT somente para ser vilipendiada e cerceada pelo STF durante o governo Bolsonaro. Mesmo com todas as ameaças petistas, como a de criar um órgão estatal para regular a imprensa, não se tem notícia de alguém que tenha tido sua prisão decretada por crime de opinião até pouquíssimo tempo atrás.

A divulgação da decisão assinada por Alexandre de Moraes, que decreta a prisão preventiva, extradição, bloqueio de contas bancárias e bloqueio de contas em redes sociais de Allan dos Santos, deixa claro o nível de corrosão a que nossas liberdades estão submetidas no Brasil de hoje. Não há uma lei sequer em nenhum dos códigos brasileiros que defina o crime atribuído a Allan.

E, mesmo diante do inciso XXXIX do artigo 5.º da Constituição Brasileira, que diz que “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”, um ministro do Supremo Tribunal Federal achou que poderia mandar prender alguém por pura interpretação pessoal.

Os aplausos efusivos à decisão de Alexandre de Moraes contra Allan dos Santos são um indício claro da irracionalidade que tomou conta da discussão política no Brasil.

O momento é delicadíssimo para os brasileiros. A polarização extrema entre apoiadores e críticos do presidente destruiu as bases de diálogo até mesmo em assuntos tão ideologicamente independentes como esse. Liberdade de expressão não deveria ser um valor defendido apenas por gente de direita ou de esquerda, ou por gente a favor ou contra Bolsonaro, mas sim por todos os que prezam pelas liberdades básicas do indivíduo.

Os aplausos efusivos à decisão de Moraes são um indício claro da irracionalidade que tomou conta da discussão política no Brasil. Não podemos flertar com autoritarismo de nenhuma espécie. Não podemos querer mais poder ainda nas mãos do Estado. E, principalmente, não podemos achar que seremos tratados de maneira distinta quando forem as nossas opiniões que deixarem um ministro do STF bravinho e melindrado.

Pouquíssimas são as vozes que têm se levantado contra as ações despóticas de Alexandre de Moraes; muitas são as vozes que têm comemorado e se regozijado com elas. Estou perplexo com isso. Desde quando o STF se transformou no grande defensor dos direitos dos cidadãos brasileiros? Somente um néscio ingênuo poderia acreditar na nobreza de uma corte que vem demonstrando, vez após vez, sua falta de compromisso para com a verdade e o cumprimento das leis.

E, de repente, temos uma enxurrada de néscios ingênuos escrevendo e comentando em todos os canais de mídia. Você não precisa gostar de Jair Bolsonaro para defender a liberdade de expressão. Eu não gosto nem um pouco dele, mas jamais abrirei mão da minha liberdade. Você não precisa gostar do Allan dos Santos para condenar a decisão autoritária que o atingiu.

Basta ser a favor da equidade e da justiça, basta entender que ele e você são iguais perante a lei. Pior ainda é ler coisas como “mas ele merece mesmo, fez pouco caso do vírus e levou muita gente à morte”. Como se fosse possível atribuir mortes a quem emitiu publicamente uma opinião.

Durante toda a pandemia, uma quantidade imensa de informações sobre a doença, sobre o vírus, sobre as vacinas, sobre tratamentos, sobre proteções, foi despejada nas redes sociais e nas mídias tradicionais. Em muitíssimos casos, coisas ditas em um momento foram desmentidas por completo um tempo depois, e em algumas vezes restabelecidas ainda mais à frente.

Ainda que se tenha aprendido muito sobre a Covid-19, muita coisa continua apenas no campo do achismo e da opinião. Mesmo em coisas básicas houve mudanças de informação até mesmo por parte de autoridades mundiais, como no caso do uso de máscaras por cidadãos comuns, que foi classificado como ineficaz pelo CDC logo no início da pandemia, e depois ganhou importância capital, como se pudesse literalmente bloquear o contágio.

A própria Organização Mundial da Saúde mudou de opinião diversas vezes nesses últimos dois anos.

Quantas mortes vamos atribuir à OMS? Como fazemos essa conta?

Somente um néscio ingênuo poderia acreditar na nobreza de uma corte que vem demonstrando, vez após vez, sua falta de compromisso para com a verdade e o cumprimento das leis.

Entendem como não faz sentido condenar Allan dos Santos por opiniões que ele divulgou publicamente? Ninguém foi obrigado a seguir o que ele disse, pois ele jamais teve autoridade nenhuma sobre ninguém. Nem sequer teve autoridade técnica sobre o assunto. Sendo assim, é inaceitável que se coloquem mortes na conta de suas opiniões ou na das opiniões de quem quer que seja.

Se percorrermos o caminho da criminalização de opiniões, não nos restará liberdade nenhuma. As pessoas precisam ter a liberdade de ouvir todos os lados, todas as opiniões, e decidirem o que querem entender como verdadeiro e o que querem descartar como falso.

Não é nosso papel decidir por ninguém, muito menos papel do Estado. A história está repleta de exemplos de como esse caminho termina em escravidão e morte.

Os que hoje se dessensibilizam para poderem apoiar publicamente os atos autoritários do STF serão os mesmos a sofrer com a próxima onda de censura. Depois que esse tipo de prática se tornar regra, basta mudar o nível da tolerância para com as críticas para que toda e qualquer pessoa possa ser condenada.

Hoje é Allan dos Santos, amanhã pode ser o radialista local, o sujeito que opina semanalmente (como eu), o comentarista da televisão etc.

Existem coisas com as quais não se pode mexer. Liberdade de expressão é uma delas.”

Adriano de Aquino

Artista visual. Participou da exposição Opinião 65 MAM/RJ. Propostas 66 São Paulo, sala especial "Em Busca da Essência" Bienal de São Paulo e diversas exposições individuais no Brasil e no exterior. Foi diretor dos Museus da FUNARJ, Secretário de Estado de Cultura do Rio de Janeiro, diretor do Instituto Nacional de Artes Plásticas /FUNARTE e outras atividades de gestão pública em política cultural.

Artista visual. Participou da exposição Opinião 65 MAM/RJ. Propostas 66 São Paulo, sala especial "Em Busca da Essência" Bienal de São Paulo e diversas exposições individuais no Brasil e no exterior. Foi diretor dos Museus da FUNARJ, Secretário de Estado de Cultura do Rio de Janeiro, diretor do Instituto Nacional de Artes Plásticas /FUNARTE e outras atividades de gestão pública em política cultural.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *