19 de abril de 2024
Adriano de Aquino Colunistas

Almoço entre velhos amigos

Neste domingo, no delicioso almoço semanal entre velhos amigos, que pode ser quinzenal ou mensal e, dependendo da disposição e do humor geral, pode também acontecer nos sábados, tive o prazer de reencontrar uma amiga de longa data.

Foto: Google Imagens – Receiteria

Há bastante tempo não nos encontrávamos pessoalmente.

Seu retorno temporário ao Brasil, há muitos anos morando no exterior, me trouxe a feliz sensação de que a sintonia afetiva, o fascínio pela inteligência, a ousadia e a irreverência intelectual consolidam laços duráveis entre pessoas que mesmo separadas por um oceano, permanecem em ativa sintonia.

Reencontros, ancorados na admiração franca e recíproca, desprovida das afetações que cercam os ambientes ‘cults’ e sofisticados, tem o poder de minimizar o tempo, a distancia e as circunstâncias que separam um amigo de outro.

Além disso, amizades sinceras e longas, exercem uma magia sobre a memória.

Ela perguntou-me: Você lembra de como nos conhecemos?

Não fosse ela quem é, eu ficaria incomodado em responder. O desconforto de encontrar alguém que pergunta:

Lembra de mim? Pede uma resposta pautada na polidez, um pacto, assim como ‘bons modos’, que disciplina o convívio social. Mas, convenhamos, também é um incomodo.

Essa norma não a afeta. Muito menos a mim.

Não me lembrar exatamente do fato que nos aproximou há mais de trinta anos, não a chateou e nem me tolheu.

Fui sincero. Disse: Não! Não lembro!

É aí que a franqueza solidificada pelo afeto mútuo ajuda o amigo desmemoriado.

Lembro com clareza sobre o que nela sempre me atraiu. Sua beleza, charme e sensualidade de uma personalidade inquieta, despertaram meu desejo primal.

Isso, na ocasião, imprimiu em mim a forte sensação de querer realizar meu desejo. O fato e os detalhes do primeiro encontro, em si, foi secundado por essa predominante sensação de desejo.

A sedução e o tempo que levou para o desejo ser enfim compartilhado, desdobrou-se em uma amizade construída sobre o afeto.

O desejo pode durar bastante mas a tendência é que ele se esgote. Seja por outros interesses, seja pelo declínio do fluxo hormonal- o famoso tesão.
Nunca na minha vida desejei intensamente fazer um amigo.

Para mim a amizade é um fenômeno mágico, composto a quatro mãos. Ela surge assim, como uma sinfonia, executada pelo dueto e regida pelo afeto.

Por isso, amigos são para sempre. É o caso dela!

Então, ela me disse o que a levou a se mover na minha direção.

Participávamos de um colóquio sobre arte contemporânea.

Tenho ZERO interesse por colóquios. Contudo, sei que esse tipo de evento é útil para a divulgação da minha atividade artística, para troca de ideias e performances intelectuais para um público amante das artes, marchands, críticos, curadores e segmentos editoriais do mercado cultural.

Quem vive nessa atmosfera precisa frequentar coisas assim para ampliar o leque de interessados pela sua obra, seja ela plástica, poética ou teórica.

Lá estava eu entre os artistas palestrantes.

Ela, inscrita para uma mesa sobre sociologia da arte, campo que nunca foi do meu interesse.

Talvez, esse meu desinteresse pelo seu tema, só nos levasse a encontros ligeiros na cafeteria e papos de coffee breaks.

Porém, um episódio que aconteceu num dos intervalos, mudou o rumo das coisas.

Contou-me ela que quando o jovem e intrépido organizador do simpósio anunciou alegremente que no intervalo, antes do almoço, o grupo de palestrantes e inscritos seria recebido na casa onde morou o poeta Fernando Pessoa, nos últimos quinze anos da sua vida, ela ouviu alguém perguntar: “O Fernando estará lá para nos receber?” seguido de risos dos participantes.

Foi quando sua atenção se voltou para o atrevido que, na sequência, complementou sua pergunta, dizendo: “Como ele não estará, eu não irei.

Prefiro ir a uma tasca traçar uns acepipes, tomar um bom vinho do Porto e ver a vida passar.”

Foi, então, que ela se ofereceu como companhia.

São muitos motivos – inclusive os mais singelos e divertidos – que levam as pessoas a se aproximarem de outras. Todavia, consolidar uma amizade duradoura e sincera exige um tipo especial de abertura afetiva ao outro. Uma abertura que transcenda apriorismos classistas e salamaleques que ornamentam as tertúlias culturais e visam a imposição do senso comum, opiniões taxativas, disputas e agressões veladas e puxa saquismo de aderência a grupos ‘politicamente corretos’ e ativistas de teclado, marcas das relações sociais episódicas e débeis, desprovidas de significado.

Ao me lembrar esse episódio, ela contribuiu para recompor partes da minha memória fragmentada, espalhada por pedaços da minha vida.

Amigo é assim!

Te presenteia generosamente com recortes de memória que pertencem aos dois e salva o amigo dos lapsos de esquecimento de fatos marcantes da vida.

Adriano de Aquino

Artista visual. Participou da exposição Opinião 65 MAM/RJ. Propostas 66 São Paulo, sala especial "Em Busca da Essência" Bienal de São Paulo e diversas exposições individuais no Brasil e no exterior. Foi diretor dos Museus da FUNARJ, Secretário de Estado de Cultura do Rio de Janeiro, diretor do Instituto Nacional de Artes Plásticas /FUNARTE e outras atividades de gestão pública em política cultural.

Artista visual. Participou da exposição Opinião 65 MAM/RJ. Propostas 66 São Paulo, sala especial "Em Busca da Essência" Bienal de São Paulo e diversas exposições individuais no Brasil e no exterior. Foi diretor dos Museus da FUNARJ, Secretário de Estado de Cultura do Rio de Janeiro, diretor do Instituto Nacional de Artes Plásticas /FUNARTE e outras atividades de gestão pública em política cultural.

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