30 de abril de 2024
Lucia Sweet

A farsa dos não políticos


No Brasil, a proporção em que os escândalos políticos foram se sucedendo nos últimos anos, um fenômeno tornou-se evidente. A entrada em cena de empresários sem currículo, passado ou experiência político-partidária, oferecendo ao eleitor exatamente isso como capital simbólico de diferenciação: o fato de não serem políticos. Por aqui, o fenômeno atingiu o ápice, em outubro do ano passado, com a vitória, no primeiro turno, do empresário João Doria Júnior para o cargo de prefeito de São Paulo, derrotando adversários com ampla trajetória política.
Em escala internacional, o triunfo do autointitulado não-político se deu nos Estados Unidos, um mês depois da vitória de João Doria em São Paulo. O megaempresário e multibilionário Donald Trump, contrariando todas as previsões e expectativas, assombrou meio mundo e transformou em realidade o que até a véspera parecia apenas uma piada de mau gosto e foi eleito presidente da República. O criador do reality show O Aprendiz derrotou a democrata Hillary Clinton, que tinha não apenas o apoio do presidente no cargo, Barack Obama, um dos mais populares do país em todos os tempos, mas também a simpatia das minorias, dos imigrantes, da maior parte da imprensa e que era praticamente unanimidade entre toda a classe artística e a bilionária indústria do show business.
CHEIROSINHOS
Embora Trump e Doria, em escala brasileira e global, sejam as espécimes mais emplumadas para exemplificar a gambiarra eleitoral do “não é político”, o fenômeno se replica cada vez com mais frequência e amplitude nos quatro cantos do mundo. E, claro, reverbera até não poder mais nas redes sociais, onde principalmente a turma dos reacionários, aquela que geralmente tende a considerar como pertencente à categoria humana apenas a própria família, e mesmo assim olhe lá, aplaude essa neoespécime de homens públicos e tem orgasmos múltiplos a cada pirotecnia publicitária que um deles protagoniza tão somente com a intenção de ressuscitar na imprensa a estratégia de uma antiga personagem de novela: cada factoide político-publicitário é um flash.
O que é da ordem do espanto é a turba, independentemente de amar ou odiar um Doria ou um Trump da vida, acreditar nessa lenga-lenga do “ele não é político”. Como assim, cara pálida? Até Madre Teresa de Calcutá, se viva fosse e se candidatasse a um cargo político-partidário, automaticamente seria uma política, no sentido eleitoral da coisa. Ou você aí, que acha o máximo ouvir Doria dizer que sonha com o dia em que todo brasileiro possa usar a marca (de roupas) Polo by Ralph Lauren, pensa que ele se candidatou à Prefeitura de São Paulo para poder ter a imperdível oportunidade de vestir uma farda de gari e varrer a rua no 1º dia do ano ou incluir em seu currículo de empresário a concretização do sonho de distribuir xampu e desodorante, doados por seus amigos industriais, aos mendigos e albergados para que esses fiquem cheirosinhos?
Qual a dificuldade de entender que isso se configura em factoides tão ou mais políticos do que aqueles insinceros abraços em criancinhas chorosas e suadas na periferia que os (velhos) políticos tanto repetiam e repetem? Acreditar que os Dorias da vida não são políticos soa mais ingênuo que a boa fé das velhinhas que acreditam na história da urgência contada pelo sujeito que encontram na fila do banco desesperado para trocar um bilhete premiado de loteria de 20 milhões por 20 mil porque precisa do dinheiro imediatamente para salvar a mãe morrendo num hospital ali perto. Por trás de cada candidato que faz questão de afirmar que não é político e nem gosta de política se esconde um empresário que andava louquinho para sair do armário e entrar nas urnas. Uma vez picados pelo bicho político, todos são iguais, se não em métodos, mas em práticas, estratégias e ambição eleitoral.

O Boletim

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