No perfil do aplicativo estava escrito assim:
“Batalho em busca dos meus ideais!”
Pensei cá com meus botões, com um meio-sorriso divertido: mas, gente, que moça é essa que preenche perfil de motorista do Uber?!, e balancei a cabeça.
– deve ser uma figura!, arrematei.
E lá fiquei a esperar e lá veio a moça do Uber, morena, gordinha, sorriso fácil e largo no rosto largo e sincero.
Entrei, sentei, pus o cinto como um bom cão de Pavlov.
– moço, posso deixar o Nando Reis ou você quer trocar?
Eu acho o Nando Reis chato como, sei lá, uma novela do Manoel Carlos ou uma palestra sobre construtivismo, mas o trajeto era curto e moça era simpática, ora bolas. Carece de trocar não.
No caminho, eu que sou um observador arguto das pessoas (na verdade eu não sou nada arguto, é que eu gosto dessa palavra e queria usá-la hahahaha), ouvi uma parte da história da moça do Uber.
Separada. Um filho “liiiiiindo” (assim, prolongando as sílabas), super educado, apesar do pai ausente (aqui uma sombra passou pelo sorriso, quase nada), parou um pouco com a academia (“ahh, com esse frio, né?!”), estudou até o quinto período de Jornalismo, ficou desempregada, trancou, mas vai voltar, viu?!, assim, confiante, o rosto largo quase não cabendo o sorriso.
Ela diz que aquela corrida é a última da manhã, que ela vai para casa fazer o almoço e pegar o filho na escola, depois dar almoço, depois levar na natação, depois voltar pro Uber, até as 17h, quando ela repete tudo, só troca almoço por jantar.
– e a academia, moça? – pergunto – Não vai tirar um tempinho pra você não?
Ela abre o sorriso fácil e largo no rosto largo e sincero e encolhe os ombros, naquele gesto universal que significa a mesma coisa tanto entre os uruê-wau-wau da Amazônia quanto entre new yorkers de Manhattan.
E, determinada, retorna à luta, à lida, como naquela canção do Ney ou ao Bom Combate do qual nos falava Paulo.
O nome da moça do Uber? No perfil dizia Priscila.
Mas suspeito que seu verdadeiro nome seja Esperança.