28 de março de 2024
Walter Navarro

Foi um rio Senna que passou em minha vida


25 anos, esta noite, sem Truffaut!
Onde vocês estavam quando as luzes se apagaram?
Onde vocês estavam quando Elis Regina morreu?
Onde vocês estavam quando Tancredo Neves morreu?
Onde vocês estavam quando Ayrton Senna morreu?
Onde vocês estavam quando Tom Jobim morreu?
Onde vocês estavam quando as torres gêmeas morreram?
“Onde vocês estavam quando as luzes se apagaram”, é um nome bonito de filme de 1968.
Quando Elis morreu, em 19 de janeiro de 1982, eu estava em Paris e li, para minha surpresa e rima com tristeza, uma pequena nota, no “Le Monde”, me contando que tinha morrido, “a maior cantora brasileira”.
Quando Tancredo Neves morreu, em 21 de abril de 1985, eu estava fazendo uma coisa, durante três dias, que não posso contar aqui. Era feriado, de propósito e, depois de fazer o que não posso contar aqui, fui para Barbacena.
Em Barbacena, na piscina de uma ex-namorada, ficamos vendo aviões e helicópteros descendo no aeroporto, porque São João Del Rey, túmulo de Tancredo, não continha glúten, nem aeroporto.
Ayrton Senna, conto daqui a pouco porque é o tema do texto de hoje.
Quando Tom Jobim morreu, em 8 de dezembro de 1994, exatamente 14 anos depois de John Lennon, na mesma cidade; eu estava num avião da Alitalia, indo do Rio de Janeiro, para Paris, via Roma ou Milão. Não me lembro mais.
Eu estava com o novo CD dele, “Antônio Brasileiro”, na bagagem de mão. Comprei no aeroporto do Galeão, que hoje, é Tom Jobim.
Soube da morte de Tom, ao trocar de avião.
Voltando do banheiro matinal, peguei vários jornais italianos, com Tom Jobim na capa.
Eu sabia que ele estava doente, em Nova York, mas nem de longe achei que tinha morrido, até ler as manchetes: “O Maestro Morreu”, daí pra cima ou para baixo.
Lembro muito bem deste 9 de dezembro de 1994.
Antes de chegar em casa, o táxi parou pra eu comprar uma garrafa de uísque.
Passei a tarde e a noite, ouvindo o CD e bebendo a garrafa inteira, sozinho.
Quando as torres gêmeas morreram, eu estava em BH, trabalhando, como um remador de Ben Hur.
Primeiro, a primeira.
Todo mundo no escritório e na Globonews achando que era um acidente.
Eu sabia que não era, fato consumado e confirmado quando, logo depois, a segunda torre foi atingida.
Terrorismo nunca é coincidência.
Onde vocês estão agora?
Eu, claramente, em casa, esperando Godot.
Dia 1º de maio de 1994, eu estava sempre em Paris.
Era um domingo de primavera, lindo, azul e verde.
Meu amigo francês, Nicolas – não, não é o Sarkozy da Carla Bruni – tinha convidado uma galera para, na casa dele e de sua mulher, uma brasileira de nome estranho, assistirmos à corrida da F1 em Ímola, Itália.
Fomos com aquela sede de anteontem…
Começamos torcendo por Senna, mas, logo depois, convocados por Baco e Dionísio, esquecemos a corrida e começamos a entornar litros adentro.
O amigo francês, Nicolas, que trabalhava na Air France, pediu mil perdões porque tinha um voo e escafedeu-se, rumo ao aeroporto Charles de Gaulle.
Uma hora depois, ele ligou, do aeroporto, para comentar que Senna sofrera grave acidente.
Interrompemos a orgia etílica e voltamos à TV.
Doeu demais.
O que vimos e não vimos antecipava a tragédia: Senna morreu.
Ficamos todos pasmos, tristes e, evidentemente, mais bêbados. Bêbados são emotivos.
À noite, na solidão do lar, vi as reportagens na TV.
Vi um documentário inglês sobre Senna.
Durante a semana, acompanhei o enterro de Senna em São Paulo. Bateu o recorde de Elis e Tancredo.
Uma semana depois, recebi as cartas mais dramáticas e emocionadas sobre Senna.
Duas semanas depois, recebi outra leva, contando até piadas.
“O que é um monte de caixão, um sobre o outro? A Senna acumulada…”.
Este é meu Brasil brasileiro.
O consolo foi, dois meses depois, o Brasil Tetra Campeão na Copa do Mundo dos Estados Unidos, com São Romário.
Mais ficou aquele gosto de cabo de guarda-chuva no ar para sempre.
Pelo menos o meu domingo nunca mais foi o mesmo.
E olha que sempre gostei mais do Nelson Piquet!
A F1 ficou tão chata que o Schumacher ganhou sete campeonatos seguidos.
Sem Senna, nossa F1 naufragou.
Rubinho? Massa?
Me poupem!
Acabaram os domingos de asfalto e borracha. A vida ficou mais lenta e previsível.
Nunca mais vi uma corrida inteira.
Nunca mais dentro da noite veloz, com pneus de chuva.
1994. O ano de Paris, com Tetra, sem Senna e Jobim.
25 anos depois, continuo em 1994, sem Paris, sem Senna e Jobim.
PS: “o primeiro amor passou, o segundo amor passou, o terceiro amor passou, mas o coração continua”.

Walter Navarro

Jornalista, escritor, escreveu no Jornal O Tempo e já publicou dois livros.

Jornalista, escritor, escreveu no Jornal O Tempo e já publicou dois livros.

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