19 de abril de 2024
Walter Navarro

Desatentos e desencantados venceremos


Paralelepípedo, sufrágio, suplício, sinistro, macambúzio, hortifrutigranjeiros, lupanar, pacóvio, beleléu, quiproquó, nauseabundo, sequilhos, tonga da mironga, cacilda, nosocômio.
Nem assaz alhures e antanho, as palavras eram mais bonitas ou melhor empregadas. Eram mais primas, mais tantas, mais férreas. Hoje, tudo é meio de plástico, resina; quebra à toa, só pra vender mais.

Não mais que de serpente, empregos viraram postos de trabalho; passe (no futebol) virou assistência, lado virou viés; insistir, pontuar. A favela não resistiu aos ferimentos e, no hospital, virou comunidade.
Quando eu mandava já ir, melhor, quando eu pedia Misericórdia; quando eu pedia pra ir e dizer que eu chorei, que eu morri de arrependimento; que o meu desalento não tinha fim; era verdade, a pessoa ia dizer a ela e Serelepe até acreditava.
Hoje não. As palavras ficaram cinzas, feias, vagabundas, tristes, meio assassinadas e ninguém faz pissirongas.
Eu dizia pra ir e dizer assim, como sou infeliz, no meu descaminho, dizer que estou sozinho e sem saber de mim. E estou mesmo, mais sozinho que cabelo em sabonete. Se bem que eu uso é Protex líquido, que elimina 99,9% das bactérias.
Eu suplicava aos muros, entradas e bandeiras pra dizerem que estive por pouco, pra dizerem a ela que estou louco pra perdoar, sei lá o quê. Misericórdia! E que, seja lá como for, por amor ou por favor, era pra ela voltar.
E eu ainda insistia… Ôoooo Cid Gomes! Vai e diz, diz assim, que eu rodei, que eu bebi, que eu caí, que eu não sei, que eu só sei que cansei, enfim.
Cansei dos desencontros. Corre e diz a ela que eu entrego os pontos.
Pô! Desencontro, meu! Desencanto! Ela até podia fingir que não, mas entendia voltava.
Hoje não.
Hoje, desalento é outra coisa. Desalentado, hoje, não é mais por favor, nem por amor. Mas continua sem fim.
Hoje, desalento não é mais aquele bom e velho substantivo masculino, aquele estado interessante de quem tá na lama; do infeliz que se mostra sem alento; desanimado, abatido, esmorecido, sorumbático e catatônico da Silva.
O desalento hoje perdeu a poesia e o romantismo. O desalentado não é o Chopin sem a George Sand em Mallorca. Não é mais um jardim sem flor, eu sem você, futebol sem bola, o chato do Piu-Piu sem o Frajola.
Desalentado hoje é uma palavra tão feia como “empoderada”. É “empoderado” ao contrário, com “viés pontuando para mais ou para menos”.
Desalentado agora é pior que desempregado, é o desempregado cansado de procurar emprego, que fica à toa na vida, vadiando, esperando o bonde do Godot chamado desejo.
Aí, é que ela não volta mesmo!
PS: Mas na dúvida, please, go, vai! Vai e diz a ela. Vai que Coca-Cola..
Walter Navarro

Jornalista, escritor, escreveu no Jornal O Tempo e já publicou dois livros.

Jornalista, escritor, escreveu no Jornal O Tempo e já publicou dois livros.

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