23 de abril de 2024
Colunistas Walter Navarro

Deleta-me


“Consta nos astros, nos signos, nos búzios, eu li num anúncio, eu vi no espelho. Tá lá no evangelho, garantem os orixás. Consta nos autos, nas bulas, nos dogmas. Eu fiz uma tese, eu li num tratado. Está computado nos dados oficiais” que, em relacionamentos é mais fácil cortar que rasgar. Dói menos. Rasgar tem um quê de esquartejar.
Mas não tentem fazer isso em casa, com alguém. Testem antes com plástico e papel.
Isso a Globo não mostra, mas o Feminismo acaba na hora de trocar um pneu ou abrir um vidro de palmito, de azeitona.
Todavia, no amor, as mulheres podem ser bem mais fortes e violentas que os homens, as histéricas, por exemplo. Fazem um melodrama, uma tragédia grega, troiana; uma novela mexicana. Até mesmo uma tragédia carioca, como na peça “Gota d’Água”, com a terrível vingança de Joana contra o amante Jasão.
Estou falando de seres humanos, não destas criaturas que batem e matam mulheres, talkey?
Agora que o Irã (Pérsia) voltou à moda medieval, é bom lembrar que nem só o Zé Ramalho sabe o que é um Grão-Vizir: era o Fodão, o Pica Grossa do Império Otomano, um Paulo Guedes misturado com Sérgio Moro, o conselheiro do Xá. Xá tipo aquele que foi escorraçado pelos aiatolás.
E um Grão Mogol, o que é?
Quando conheci BH eu chamava a rua Grão Mogol de Grão Mongol e ainda ria. Que idiota.
Depois descobri que é uma cidade de Minas.
Mas, e antes? Não, não era um primo do Grão-Vizir, muito menos do Zé Ramalho. A prima do Zé Ramalho é a chata e feia Elba Ramalho. Elba é o nome da ilha onde exilaram Napoleão Bonaparte. Não confundir com outra ilha, a de Santa Helena, onde ele morreu.
Grão Mogol pode ser homenagem a um grande diamante achado na Índia, nos idos de 1500, como também um derivado da bagunça Grande Amargor que virou Grão Mogor que virou enfim, Grão Mogol.
Não, Mongólia é outra coisa. É a terra do Genghis Khan.
Bom, há uns cinco, seis ou setenta anos, eu descia a rua Grão Mogol, quando achei um monte de papel picado. De perto vi que eram fotos rasgadas (e não cortadas).
Eram em P&B e mostravam um casal outrora feliz. Ela com vestido de noiva, sorridente, ele também, inocente! Todo vestido de noiva me remete a Nelson Rodrigues e suas luas de fel…
Bom, é claro que catei todo o amor em pedaços. Tenho até hoje, a prova ilustra este texto.
É claro que o casamento da foto acabou. E acabou mal. Podem até ter reatado, vá saber. Mas as fotos rasgadas (não queimadas) têm a assinatura da mulher. Homem não faz estas coisas. Simplesmente joga fora ou esquece numa gaveta, numa caixa, num baú, num pântano. Ou mostra para os amigos e, de vez em quando, pode até chorar de saudade.
A morte das fotografias, como o suicídio, tem uma certa psicologia. Os corajosos bebem cerveja artesanal em BH, os explosivos dão um tiro na cabeça, os exibicionistas ateiam fogo ao corpo, saltam de um prédio; masoquistas se enforcam.
As mulheres preferem quilos de sonífero, formicida com guaraná ou cortar os pulsos, para as defuntas ficarem bem nas fotos do velório.
A mulher quando rasga uma foto está rasgando o próprio homem, fazendo picadinho dele, com requintes de crueldade. Isso, fora o vodu queimando lentamente.
Lembrei deste quebra-cabeça de fotos – que nunca tentei montar, claro, porque tenho mais o que fazer – ao ouvir a linda canção “Devolva-me”, de Adriana Calcanhoto.
Rasgue as minhas cartas
E não me procure mais
Assim será melhor meu bem
O retrato que eu te dei
Se ainda tens não sei
Mas se tiver devolva-me
Deixe-me sozinho
Porque assim eu viverei em paz
Quero que sejas bem feliz
Junto do seu novo rapaz
Rasgue as minhas cartas
E não me procure mais
Assim será melhor meu bem
O retrato que eu te dei
Se ainda tens não sei
Mas se tiver devolva-me
A música nem é tão antiga, é de 2000.
Por isso me pergunto: em 2000, as pessoas ainda escreviam cartas e tinham fotos em papel?
Hoje?
Mano, apague os meus zap
E não me procure mais
Assim será melhor véi
A foto que eu te enviei
Se ainda tens não sei
Mas se tiver deleta
Deixe-me sozinho
Porque assim eu viverei em paz
Quero que sejas bem feliz
Junto do seu novo rapaz
Delete meus e-mails
E não me procure mais
Assim será melhor meu bem
O nude que eu te mandei
Se ainda tens não sei
Mas se tiver deleta
Se não, te processo.
PS: por isso, como um estranho Wando, coleciono calcinhas que não deformam, não perdem as pregas, as tiras; não rasgam, nem são inflamáveis. Pena perderem o perfume do veneno.

Walter Navarro

Jornalista, escritor, escreveu no Jornal O Tempo e já publicou dois livros.

Jornalista, escritor, escreveu no Jornal O Tempo e já publicou dois livros.

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