19 de abril de 2024
Editorial

A nossa “atual” Caixa de Pandora

(Walter Crane, Pandora (1885)

Será que vou ter que fazer uma outra “aulinha”? Desculpem, digo isto porque fui, eventualmente, criticado por tentar “ensinar a andar pra frente” quando falei sobre as figuras de linguagem de nossa língua e sobre o significado das palavras conotação, denotação e metáfora… mas a mim parece que estamos precisando de outra “aulinha”, portanto desculpem-me os que se sentiram informados pela aulinha anterior e aqueles que se sentiram ofendidos pelo mesmo motivo, ok? Sigamos?
A divulgação ou não do “primordial” vídeo para a investigação sobre a possível “interferência” do Presidente Bolsonaro na PF passou a ser a Caixa de Pandora da nossa República.
Começamos a aulinha: a fim de esclarecimento apenas, acho que vale lembrar o significado desta expressão.
“A Caixa de Pandora é um objeto extraordinário que faz parte da mitologia grega. Trata-se de um caixa onde os deuses colocaram todas as desgraças do mundo, entre as quais a guerra, a discórdia, as doenças do corpo e da alma. Contudo, nela havia um único dom: a esperança. O mito da Caixa de Pandora explica a criação da mulher, suas qualidades e suas fraquezas, tal como todos os males existentes no mundo”. (https://www.todamateria.com.br/caixa-de-pandora/)
Desde sua origem, o mito tem um caráter social. Neste caso, a Caixa de Pandora passou a representar a maldade que pode vir dela, a desobediência e a curiosidade que prejudica o ser humano, por isto eu comparei o mito de Pandora com a nossa atual situação política, ou seria jurídica? A escolha deveria ser lógica, mas passou a ser subjetiva, interpretativa.
Quando se quer – e é este um dos motivos que tornam bonito o Direito – você pode “distorcer” a verdade com uma  “interpretação dirigida”, para obter seu objetivo ou, no mínimo, levantar uma dúvida que possa aliviar a culpa de quem você está defendendo, ou, atingi-lo. Isso depende de que lado da lide você está.
A outra parte verá o mesmo vídeo, ouvirá as mesmas palavras, os mesmos tons e os interpretará na forma que se lhe convém.
Bem, voltando ao famoso e “decisivo” vídeo, já divulgaram que há até palavrões. Esta afirmativa vem com o reforço na entonação da palavra “até”, como se fosse um absurdo usá-los, eventualmente, numa reunião ou numa conversa – seja ela qual for.
A boa educação nos mostra que podemos usá-los num grau compatível com a intimidade dos participantes. Lembrando que alguns palavrões já até deixaram de serem assim considerados por estarem tão arraigados em nosso dia a dia, que muitas vezes, nós, mais “experientes” (pra não dizer velhos) ficamos meio corados (eu fico, mas já estou me acostumando) ao ouvir meus netos de 12 anos (gêmeos), por exemplo – já nem falo no de 16 e nem na de 21 – falarem um palavrão normalmente na nossa frente sem ficarem envergonhados. E não é por estarem acostumados a ouvir em casa, porque nem meus filhos e nem os netos cresceram ouvindo palavrões em casa. Mas, em tempos modernos, na escola, na internet e com seus amigos. Isso passou a constar de seus vocabulários, muitas vezes nem significando a mesma coisa de outrora.
Bem, é claro que não vou falar (apesar de já ter falado bastante) sobre palavrões… o importante hoje é o conteúdo do vídeo da reunião do presidente e de seu ministério.
Seja qual for o conteúdo, divulgado integralmente ou em partes, as palavras, as frases, as atitudes têm que ser interpretadas corretamente, no contexto da conversa. Nunca devem ser retiradas do contexto, pois poderiam passar a significar outra coisa, muitas vezes totalmente contrárias à intenção original do interlocutor.
A própria palavra “interferência” é altamente subjetiva. O que é interferência? O dicionário diz que é a intervenção, a interposição, ingerência, intromissão e mais outros sinônimos… ocorre que nenhum dos significados dizem “interferência” como “ordem”, “atitude impositória”…
Vamos de novo às metáforas: no futebol, por exemplo, quando se diz que “o juiz não interferiu no resultado” significa, normalmente, que a atuação dele foi ruim, mas não afetou o placar da partida. Quando dizemos o contrário: “o juiz interferiu no resultado”, diz que a influência, a intromissão dele alterou o resultado, por exemplo pela marcação de um pênalti inexistente…
De volta à realidade: numa reunião, qualquer que seja ela, com partícipes de convivência próxima, é comum que um dos participantes, apenas pela presença, interfira na participação de outro. Pode inibir a fala, a emissão de uma opinião, mas, mesmo sendo subordinado, nunca o fará dizer o contrário do que pensa…
O fato (se é que é fato) de o Presidente pedir a um ministro detalhes, dados, informações sobre coisas que estão acontecendo sob seu ministério é absolutamente comum… seja ele Ministro-Chefe da Casa Civil ou Ministro da Pesca (que não existe), passando pelos outros importantes, inclusive Economia e Justiça.
Por que somente a pasta da Justiça se sentiu oprimida pelo pedido do presidente? Estaria ele fazendo algo escondido ou pior, não fazendo o que deveria?
Só encontro estas duas hipóteses para um ministro se sentir pressionado pelo seu chefe direto (no caso o Presidente da República).
Aí de novo volto ao lado para o qual estaria advogando: se estou ao lado do acusado (no caso o presidente) minha meta será provar que a pergunta feita era apenas uma tentativa de ter conhecimento do que está ocorrendo sob sua área. Mas se estou ao lado do acusador, o ex-ministro da Justiça, qualquer palavra, reação, olhar ou expressão facial do acusado poderá fazer com que outros enxerguem o que eu quero mostrar…
Sem querer me alongar, mas já me alongando, imaginem que eu, “chefe” receba uma informação de que uma corrupção está ocorrendo no Ministério da Pesca (escolhi este porque não existe como ministério e sim como secretaria). A simples pergunta ao ministro responsável indicaria uma interferência ou simplesmente um “quero saber de tudo o que está acontecendo para impedir qualquer desvio de conduta”?
No caso, o Presidente pode ter perguntado ao então Ministro da Justiça como andam as investigações de sua pasta e pleiteado justa e constitucionalmente a indicação e nomeação de alguém para uma das pastas de seu ministério… de novo haja interpretação…
Qual o motivo de o então Ministro da Justiça negar a indicação e nomeação e, pior, demitir-se por causa da indicação de um Delegado da PF para uma determinada Superintendência, no caso a do RJ, sabendo que não há qualquer processo aberto contra o “chefe” ou alguém de sua família… ainda estamos na fase de investigação… eu, como “Presidente” e, diretamente interessado, quero saber a quantas andam as investigações… caberá a mim, como líder da nação, acompanhar qualquer coisa que acontece no país, inclusive com investigações…
Temos mais de um ano e meio de governo sem qualquer escândalo de corrupção em todos os ministérios… diga-se de passagem, o que nenhum dos governos anteriores conseguiram… a meta é continuar deste jeito…
Que tal deixarmos o Presidente, eleito com mais de 56 milhões de votos governar… em 2022 teremos oportunidade de tirá-lo constitucional e legalmente do cargo, avaliando se seu governo foi bom ou ruim… votando pra reeleição ou chutando-o pra fora, como fizemos com o PT.
Com digo sempre: a alternância de poder é o que segura uma democracia!
Abrimos ou não a Caixa de Pandora?

Valter Bernat

Advogado, analista de TI e editor do site.

Advogado, analista de TI e editor do site.

1 Comentário

  • Zilton Neme 23 de maio de 2020

    Prezado amigo Valter
    Muito claro seu editorial
    Um abraço
    Zilton Neme

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