28 de março de 2024
Sergio Vaz

Para que não aconteça nunca mais

É PRECISO LEMBRAR O HORROR DO LULO-PETISMO, ALÉM DE DENUNCIAR O DO BOLSONARISMO.

Imagem: Arquivo Google – Página Cinco – UOL

Por absoluta cegueira ideológica, por se achar um bravo Dom Quixote a lutar contra os moinhos de vento do “imperialismo ianque”, o PT boicotou durante duas décadas o projeto – apresentado durante o governo Fernando Henrique Cardoso – de um acordo com os Estados Unidos para o uso do Centro Espacial de Alcântara, no Maranhão.

Quando assumiu o poder, o lulo-petismo foi além: inventou uma convenção com a Ucrânia, provavelmente por simpatia com o passado soviético do país, já que assim propriamente domínio da alta tecnologia os companheiros ucranianos não detêm – como demonstram, só para dar um exemplo, os acontecimentos da usina nuclear de Chernobyl, no tempo que a Ucrânia era, à força, uma das repúblicas socialista soviéticas.

“O PT entregou Alcântara a uma empresa binacional e, literalmente, torrou US$ 500 milhões (R$ 2 bilhões) num programa aeroespacial do qual não restou nada — salvo um astronômico prejuízo num negócio inexplicável à luz da racionalidade econômica e da transparência que deve orientar os contratos públicos”, escreveu O Globo em editorial nesta segunda-feira, 18/11.

E aí o editorial pega na jugular: “Desperdiçou um volume de dinheiro equivalente a 2% do PIB do Maranhão, sem qualquer consequência objetiva para a vida de sete milhões de maranhenses, dos quais 81% continuam sem saneamento e 30% não têm acesso a água encanada.”

No domingo, 17/11, também em O Globo, Miriam Leitão, essa moça que é uma das melhores jornalistas brasileiras da área econômica há décadas, também pegou bem na jugular do PT. “Quando o PT saiu do Planalto a economia estava em ruínas: o PIB encolhia 3,5%, a inflação havia batido em 10%, os juros estavam em 14% (hoje estão em 5%), o desemprego havia disparado de 6% para 11,4% em um ano e meio, a dívida pública subia em espiral, o país perdera o grau de investimento, as contas públicas estavam no vermelho.”

Os números são expressivos, claros, dizem tudo. Mas o trecho em que o artigo de Míriam Leitão vai mesmo na jugular desse partido que se pretende o único representante do povo brasileiro é o seguinte:

“Há uma falha ainda mais grave da perspectiva de um partido de esquerda: ele transferiu renda para cima. Os subsídios e renúncias fiscais subiram de 2% para 4% do PIB.”

Mais adiante, o texto fala do que considera acertos do PT: “O PT criou uma rede de proteção para os pobres e muito pobres com o Bolsa Família, programa que ninguém se atreve a revogar. Ajudou a colocar brasileiros de menor renda, especialmente os negros, na universidade pública.”

Não menciona os muitos óbvios problemas do Bolsa Família, nem lembra que milhões de brasileiros pobres que foram alçados às classes médias foram logo em seguida jogados de volta à pobreza pela recessão criada pelo poste que Lula inventou para sucedê-lo.

Mas botou os pingos nos is ao dizer que “há uma falha ainda mais grave da perspectiva de um partido de esquerda: ele transferiu renda para cima. Os subsídios e renúncias fiscais subiram de 2% para 4% do PIB.”

Não propriamente enfatizou, mas mostrou, com clareza de água da fonte, na frase acima, que os governos do lulo-petismo deram dinheiro aos ricos. Favoreceram os ricos. Em linguajar do demiurgo de Garanhuns, encheram o rabo da zelites brancas de dinheiro do povo.

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Sim, tudo bem, tudo certo… Mas por que estou aqui citando o editorial do Globo e o artigo de Míriam Leitão, que falam de coisas do passado, quando há hecatombes tão graves do presente?

É muito simples.

Em primeiro lugar, é preciso dizer que o que não falta é texto meu contra o desgoverno Bolsonaro.

Em segundo lugar, é só lembrar que este é o país da memória curta. Este é o país que a cada 15 anos se esquece do que aconteceu nos 15 anos anteriores, como sintetizou o grande Ivan Lessa. Este é o pais em que até o passado é imprevisível, como teria dito Pedro Malan, uma das pessoas que fizeram o país acabar com a hiperinflação que perdurou durante décadas e décadas.

E então é preciso sempre, sempre, sempre lembrar o horror que o lulo-petismo fez a este país.

Não basta mostrar o horror horroroso que o bolsonarismo está fazendo. É preciso também lembrar o horror horroroso deixado pelo lulo-petismo.

É assim como um exercício. Como lembrar do nazismo, do Holocausto. Um exercício obrigatório, necessário, imprescindível. Para que não aconteça de novo, nunca mais.

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PT deveria admitir erros na economia

Míriam Leitão, O Globo, 17/11/2019

Sim, o PT precisa fazer autocrítica. Na economia, certamente. Não por qualquer exigência de humilhação pública, mas porque é preciso saber se o partido, na eventualidade do retorno, repetirá ou não os mesmos erros. Quando o PT saiu do Planalto a economia estava em ruínas: o PIB encolhia 3,5%, a inflação havia batido em 10%, os juros estavam em 14% (hoje estão em 5%), o desemprego havia disparado de 6% para 11,4% em um ano e meio, a dívida pública subia em espiral, o país perdera o grau de investimento, as contas públicas estavam no vermelho.

Há uma falha ainda mais grave da perspectiva de um partido de esquerda: ele transferiu renda para cima. Os subsídios e renúncias fiscais subiram de 2% para 4% do PIB. Se existe um rosto que significa o beneficiado das escolhas econômicas do PT é Joesley Batista. Ele e seus irmãos ficaram muito mais ricos. E no exterior. O BNDES comprava emissões inteiras de debêntures lançadas pelo grupo para que, com capital público no bolso, eles fossem às compras em outros países. Foi assim que eles compraram, por exemplo, a Pilgrim’s Pride, a maior processadora de frango dos Estados Unidos. Houve uma sandice pior. Eles pegaram dinheiro no banco para adquirir a National Beef. As autoridades antitruste vetaram, o banco deixou que o grupo ficasse com o recurso para uma compra futura, de fato feita. Tempo, como qualquer banco sabe, é dinheiro. Hoje, os Batistas têm a maior parte da sua fortuna no exterior.

Esta coluna nem trata da corrupção, que de fato houve. Tanto houve que os corruptos devolveram dinheiro aos cofres públicos. Difícil querer mais materialidade do que isso.

Diante desses fatos, o PT escolhe vários escapismos. Os líderes partidários admitem que erraram num ponto. Houve excesso de desonerações. Mas não foi apenas isso. Foi muito mais. Costumam fugir da realidade, dando desculpas como a de que a crise foi gerada pela queda dos preços das commodities e pela desestabilização do governo Dilma. Argumentam também que, como quase quatro anos depois as contas permanecem no vermelho e o desemprego em nível elevado, não se pode mais responsabilizar o partido.

Há sempre truques quando se quer embaralhar os números, e embrulhar os fatos por estratégia do marketing político. Culpar “as elites, os golpistas, o lado podre do Estado, a imprensa” é fácil. Encarar a realidade e pensar numa forma de governar que não arruíne a economia é o verdadeiro desafio.

O ex-presidente Lula nos primeiros anos manteve o tripé macroeconômico que herdara dos “tucanos neoliberais”. Com superávit primário, metas de inflação e câmbio flutuante ele pôde iniciar sua política de inclusão dos mais pobres. Ele soube aproveitar o boom das commodities para manter o país crescendo e incluindo mais brasileiros. O problema foi ter minado a estabilidade fiscal quando se sentiu seguro para implantar o que os petistas definiram como a nova matriz macroeconômica. Em 2008 estavam certos quando iniciaram as políticas anticíclicas. Em 2010 erraram ao mantê-las apenas para eleger Dilma, apesar de o país já ter voltado a crescer. A crise que a ex-presidente Dilma agravou foi iniciada no governo Lula.

O PT criou uma rede de proteção para os pobres e muito pobres com o Bolsa Família, programa que ninguém se atreve a revogar. Ajudou a colocar brasileiros de menor renda, especialmente os negros, na universidade pública. A política social tem méritos inegáveis, mas alguns programas saíram pela culatra. O Fies era para ajudar os alunos sem renda, mas beneficiou mais as universidades privadas.

Para a esquerda ser realmente de esquerda será necessário analisar esses erros com sinceridade. A desorganização das contas públicas levou à recessão e à inflação, isso feriu os pobres com desemprego e perda de renda. Ao falhar na economia, o partido revogou seu próprio legado. A diferença entre os juros de 2015 e os de 2018 representa em torno de R$ 300 bilhões a mais transferidos pelo Tesouro para os detentores de títulos do governo. A desordem na economia custa caro. Os economistas do PT podem fechar os olhos para tudo isso. Mas sem entender seus equívocos, eles, se voltarem ao poder, vão trair o principal mandato de um partido de esquerda: combater as desigualdades.

(COM MARCELO LOUREIRO)

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Preso ao passado, PT ficou isolado no acordo com os EUA

Editorial, O Globo, 18/11/2019

Poucas vezes um partido amargou tamanho isolamento como aconteceu com o PT, na semana passada, durante a votação final no Senado do acordo Brasil-Estados Unidos para uso do Centro Espacial de Alcântara, no Maranhão. Ficou absolutamente só, em posição contrária à aprovação do convênio sobre salvaguardas tecnológicas entre os dois países.

Trata-se de um instrumento importante para o futuro da indústria aeroespacial brasileira, porque a tecnologia americana se tornou hegemônica e está presente em mais de 80% dos satélites e foguetes usados.

Sem garantia de proteção tecnológica, a base de Alcântara continuaria como está, ou seja, sem uso e consumindo recursos públicos. E a atual situação é impeditiva, principalmente, ao desenvolvimento da região mais pobre do Maranhão, o estado que concentra o maior número de pessoas em situação de pobreza — 54,1% dos maranhenses sobreviviam com menos de R$ 406 por mês no ano passado, segundo o IBGE.

Durante duas décadas, desde o governo Fernando Henrique Cardoso, o PT atuou com êxito para impedir a aprovação desse acordo, usando uma argumentação pífia, novamente repetida por um de seus líderes, o senador Rogério Carvalho (SE): “Essa cooperação (com os EUA) pode reduzir a capacidade do nosso país de desenvolver tecnologia e de se transformar num grande ‘player’, como lançador de foguete e desenvolvedor de tecnologia espacial.”

Até a semana passada reiterou, essencialmente, o eco de embates ideológicos do período remoto da Guerra Fria, quando, na disputa de poder entre os EUA e a extinta União Soviética, as organizações alinhadas a Moscou se identificavam pela bandeira contra o imperialismo americano.

Com essa velha premissa, só ocasionalmente explicitada, o governo Lula manteve a rejeição ao acordo que poderia viabilizar a base de Alcântara. Fez uma opção preferencial pela construção de uma alternativa “altiva e soberana”, uma obscura convenção com a Ucrânia.

O PT entregou Alcântara a uma empresa binacional e, literalmente, torrou US$ 500 milhões (R$ 2 bilhões) num programa aeroespacial do qual não restou nada — salvo um astronômico prejuízo num negócio inexplicável à luz da racionalidade econômica e da transparência que deve orientar os contratos públicos. Desperdiçou um volume de dinheiro equivalente a 2% do PIB do Maranhão, sem qualquer consequência objetiva para a vida de sete milhões de maranhenses, dos quais 81% continuam sem saneamento e 30% não têm acesso a água encanada.

Depois de tanto tempo, felizmente, seus antigos aliados na obstrução do acordo no Congresso atualizaram-se e mudaram de posição, inclusive o PCdoB, que agora governa o estado. A votação da semana passada no Senado mostrou que o tempo passou e só o PT não viu. E, por isso, acabou em absoluto isolamento.

O Boletim

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