19 de abril de 2024
Sergio Vaz

O maior monstro da usina de besteiras

A indicação do fedelho 03 para Washington deixa o país indignado. Ainda bem.
Como o show de besteiras, a usina de imbecilidades, estultices, absurdos do governo Bolsonaro não para nunca, não dá folga, não descansa, há um risco grave – fora, é claro, os resultados trágicos de cada uma das idiotices. O risco de o país perder a capacidade de se indignar. De as pessoas se cansarem de protestar, reclamar, condenar.
Felizmente, no entanto, isso não tem acontecido. Há milhares e milhares e milhares de manifestações das pessoas no Twitter e Facebook contra as sandices do governo – e a imprensa tem cumprido muito bem o seu papel.
O caso da indicação de Eduardo Bolsonaro para o cargo mais importante da diplomacia do Brasil (assim como de qualquer outro país), a embaixada em Washington, demonstra isso cabalmente. O país não perdeu a capacidade de se indignar.
Verdade que essa intenção de botar o fedelho 03 para representar o Brasil junto à maior potência econômica do planeta é uma besteira grande demais, chocante demais, absurda demais, louca demais, inaceitável demais – até para um governo que é um “show de besteiras”, a perfeita definição feita alguém que o conheceu por dentro, o general Santos Cruz.
Mas é verdade também que os protestos contra a indicação têm sido massivos, fortes, vigorosos – e não param, não diminuem.
Resolvi fazer uma coletânea de algumas das manifestações publicadas no Estado de S.Paulo e no Globo.
Jair Bolsonaro lançou a bomba na quinta-feira, 11/7. No dia seguinte os protestos começaram nos jornais. (A charge acima é de Chico Caruso, no Globo.)
Sexta, 12/7:
“Jair Bolsonaro cogita repetir o rei da Arábia Saudita ao não descartar nomear seu filho, o deputado Eduardo Bolsonaro, para o cargo de embaixador do Brasil em Washington”, escreveu Guga Chacra, no Globo. “Seria uma decisão inédita e sem precedente em nações democráticas. É algo impensável em países como a França, Alemanha, Canadá e Suécia. Seria associado, possivelmente, a uma medida de república bananeira e certamente poderia ajudar a contribuir para a deterioração da imagem brasileira no exterior, caso o filho do presidente venha realmente a ocupar o cargo, superando a série de obstáculos que ainda teria pelo caminho.”
“Alguns pais celebram os 15 anos da filha com uma viagem ao exterior. Outros festejam os 18 anos do filho com a chave de um automóvel. O presidente Jair Bolsonaro resolveu ser mais generoso. Quer presentear Eduardo, o herdeiro que fez aniversário na quarta-feira, com a embaixada do Brasil em Washington”, escreveu Bernardo Mello Franco no Globo. “A lei estabelece que os chefes de missão diplomática devem ser escolhidos entre os ministros de primeira classe, que chegaram ao topo da carreira no Itamaraty. ‘Excepcionalmente’, diz o texto, podem ser indicados outros brasileiros com mais de 35 anos, ‘de reconhecido mérito e com relevantes serviços prestados ao país’. Eduardo Bolsonaro acaba de atingir a idade mínima. Seu mérito mais reconhecido é ser filho de Jair.”
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Bem… O próprio Eduardo veio a público dizer que tem méritos, sim, para ser o embaixador do Brasil em Washington:
“Tenho uma vivência pelo mundo. Já fiz intercâmbio, já fritei hambúrguer lá nos Estados Unidos.”
O bolsonarismo vem cometendo diariamente, ou quase diariamente, uma grande quantidade de frases estúpidas, idiotas – para não falar das agressivas, ofensivas, machistas, racistas, homofóbicas, contrárias a diversos dos itens da Declaração Universal dos Direitos do Homem, contrárias ao bom senso, ao bom gosto, a tudo que é correto.
Sem dúvida, o bolsonarismo já cometeu uma profusão de frases imbecis, capaz de rivalizar com o besteirol que saía da boca de Dilma Rousseff – mas essa afirmação de Eduardo Bolsonaro para dizer que tem méritos suficientes para ser o representante da República Federativa do Brasil junto aos Estados Unidos bate qualquer tipo de recorde.
Virou chacota imediatamente nas redes sociais. Infelizmente, virou chacota mundo afora. O bolsonarismo transforma o Brasil em piada para o mundo.
Mas vamos em frente.

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Sábado, 13/7:
Opinião de O Globo: “É mais um arranhão na imagem historicamente boa da diplomacia profissional brasileira. Agora, há o riso de o país se nivelar a ditaduras africanas e árabes.”
Guilherme Casarões, professor de Relações Internacionais da FGV, no Estadão: “Pelo seu peso político, econômico e simbólico, a embaixada em Washington sempre foi um dos postos mais desejados da diplomacia brasileira. Por lá passaram figuras emblemáticas como Joaquim Nabuco e Moreira Salles. Nada menos que cinco ex-embaixadores nos EUA tornaram-se chanceleres. Três ex-chanceleres deram sequência à carreira diplomática servindo na capital norte-americana. Pode-se inclusive dizer que elite diplomática da Nova República foi forjada em Washington. Além dos que viraram ministros de Estado, passaram por lá Marcílio Marques Moreira, Rubens Ricupero, Rubens Barbosa, Paulo Tarso Flecha de Lima, Roberto Abdenur e Sérgio Amaral.”
João Domingos, no Estadão: “Quando pediu à bancada ruralista que ajudasse os policiais federais e rodoviários, Bolsonaro disse que o governo havia errado ao não dar a essas categorias determinadas vantagens. Agiu como sindicalista. Quando defende a nomeação do filho para uma embaixada, age como pai que deseja dar tudo o que pode para o filho, apesar do nepotismo. Um presidente da República poderia ser apenas um presidente da República. Ele tem uma Nação inteira para cuidar.”
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Na sexta-feira, Jair Bolsonaro havia respondido às críticas de que nomear seu filho para o cargo de embaixador é nepotismo:
“Alguns falam que é nepotismo. Essa função, tem decisão do Supremo, não é nepotismo, eu jamais faria isso.”
Às vezes – muitas vezes –, Jair Bolsonaro dá ao país a nítida impressão de que tem sérios problemas de cognição. De que, da mesma maneira que não consegue compreender o significado da Presidência da República, e os deveres de seu ocupante, ele não consegue compreender o sentido das palavras.
Mas vamos em frente.
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Domingo, 14/7:
Eliane Cantanhêde, um brilho, na sua coluna no Estado: “Quando a então primeira-dama Marisa Letícia manchou o gramado do Palácio da Alvorada com uma vistosa estrela vermelha do PT, foi um Deus nos acuda e todos nós criticamos o presidente Lula e sua mulher por se comportarem como se fossem donos da residência oficial da Presidência. Ao indicar publicamente o seu filho Eduardo, o ‘03’, para ser embaixador do Brasil nos Estados Unidos, o presidente Jair Bolsonaro age como se sentisse dono, não de um imóvel público, mas do próprio Brasil, supondo que pode fazer o que bem entende. A estrela vermelha era inadequada, mas flores num gramado são apenas um símbolo. Indicar o próprio filho para a principal embaixada do planeta não é só símbolo, mas uma decisão concreta que diz muito sobre o presidente e o governo.”
Dorrit Harazim, também um brilho, na sua coluna no Globo: “A semana é oportuna para se relembrar a utilidade primária de um embaixador: enviar avaliações francas, sem enfeites, sobre o país ao qual foi alocado, através de canais de comunicação confidenciais e presumivelmente seguros. A partir do momento em que o receio de vazamentos e/ou a autocensura começam a interferir, o trabalho do diplomata deixa de ter peso político e valor histórico.”
E mais adiante: “Anunciado pelo pai 48 horas após completar 35 anos, idade mínima para assumir uma representação diplomática do Brasil no exterior, o escrivão da Polícia Federal, deputado federal mais votado em São Paulo, e presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, cujo primeiro vice-presidente é Luiz Philippe de Orleans e Bragança, Eduardo aceita seu destino. ‘Se for a vontade do presidente… eu aceitaria’, informou, numa reconstrução certamente involuntária do ‘Se é para o bem de todos e felicidade geral da nação…’, pronunciado em 1822 por outro Príncipe Regente.”
Agora, trecho da coluna de Ascânio Seleme no Globo: “O deputado Eduardo Bolsonaro já dava pitaco na política externa antes mesmo da posse do pai. Foi ele quem indicou o chanceler Eduardo Araújo e o assessor especial do Planalto Filipe Martins, ex-dono de um cursinho preparatório para o Rio Branco. Alguém vê mérito nessas nomeações? Olavo de Carvalho, que manda nos dois, vê. Para o presidente, os EUA deveriam sentir-se honrados por ter um filho seu no cargo. E o garoto daria conta do recado porque fala inglês e espanhol e é amigo dos filhos de Trump, oras. E depois acusam a imprensa de ter má vontade com Jair Bolsonaro.
“O deus nos acuda seria igual se Fernando Henrique tivesse nomeado Paulo Henrique para o cargo, ou se Lula houvesse indicado o Fábio Luís. O problema é que nenhum dos dois ‘fritou hambúrguer’ no frio estado do Maine. Rsrs.”
Míriam Leitão, em sua coluna no Globo: “Tanto tempo depois, já era de se esperar que o presidente Jair Bolsonaro soubesse as funções do cargo que exerce. Seis meses é prazo suficiente para qualquer aprendizado, ainda que o natural seria que ele já soubesse, ao se candidatar, as funções de quem chega ao cargo máximo do país. A grotesca e inconstitucional defesa do trabalho infantil num país que vem lutando contra essa chaga há anos, a ideia de nomear o filho para o posto diplomático mais estratégico do país, a declaração mesquinha sobre João Gilberto mostram que ele não entendeu o mais elementar do papel de governar para todos os brasileiros.”
E mais adiante:
“É sandice até pensar no filho Eduardo Bolsonaro como embaixador nos Estados Unidos, o posto diplomático mais importante do país. O Brasil sempre teve uma diplomacia profissional e dela se orgulhou. Essa decisão é nepotismo, independentemente da firula de que não é cargo em comissão, mas sim cargo político. Quebra o princípio da impessoalidade. A diplomacia é carreira complexa, exige qualificação longa e por isso, como nas Forças Armadas, tem uma gradação hierárquica. Quem a exerce precisa entender as culturas de outros países, captar sutilezas, conhecer leis internacionais e convenções e conduzir negociações delicadas. O embaixador representa o país. Seu trabalho não é apenas se relacionar com o governo ao qual está acreditado, precisa entender e falar com a sociedade, perceber as tendências. Eduardo ligou-se à ultradireita. Escolheu o gueto. Não falaria com uma sociedade com tanta diversidade quanto a americana. O fato de ter fritado hambúrguer nos Estados Unidos e ter estado com o presidente Donald Trump não é, claro, qualificação. Além disso, o governo Trump é transitório e pode acabar no ano que vem.”
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É absurda, grotesca, vexaminosa a subserviência dos Bolsonaro a Donald Trump. Assim como é absurda, grotesca, vexaminosa a confusão que o presidente faz entre o que ele quer, aquilo de que ele gosta, com a política de Estado, os interesses do Brasil.
“Ele é amigo dos filhos de Trump”, disse o presidente, para explicar por que seu filho está perfeitamente preparado para ser embaixador do Brasil nos Estados Unidos.
Mas o mandato de Trump pode acabar, meu Deus do céu e também da terra! Tem eleição em novembro do ano que vem!
Da mesma forma, confundindo sua ideologia com posição de governo, com política de Estado, Bolsonaro vem dando seguidas declarações contrárias à eventual vitória da chapa de Cristina Kirchner nas eleições argentinas no próximo mês de outubro. Como ficarão as relações Brasil-Argentina (leia-se: o principal importador de produtos manufaturados do Brasil) se a chapa de Cristina Kirchner vencer?
Dizer que o sujeito é uma toupeira, uma anta, seria uma agressão aos animais.
Então vamos em frente.
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Terça-feira, 16/7:
José Casado, na sua coluna no Globo: “Ontem, na Câmara, Bolsonaro reafirmou sua predileção pelo nepotismo: ‘Por vezes, temos que tomar decisões que não agradam a todos, como a possibilidade de indicar para a Embaixada dos Estados Unidos um filho meu… Se está sendo tão criticado, é sinal de que é a pessoa adequada…’
“No plenário, o deputado Eduardo agradeceu. Lembrou que já devia ao pai o mandato: ‘Sou seu filho, indissociavelmente.’
“Deve ser isso que chamam de ‘nova política’.”
O Estadão, em editorial: “É um disparate, em todos os sentidos, a ideia de o presidente Jair Bolsonaro indicar o seu filho Eduardo para o posto de embaixador do Brasil em Washington. Caso o convite seja oficializado, é responsabilidade do Senado barrar a indicação de pai para filho, indicação essa que avilta o bom senso, menospreza a defesa técnica e qualificada do interesse nacional, transforma o Estado em assunto de família e manifesta, uma vez mais, a dificuldade de Jair Bolsonaro para compreender o que é ser presidente da República, muito diferente de ser chefe de um clã.
“‘No meu entender, (Eduardo Bolsonaro) poderia ser uma pessoa adequada e daria conta do recado perfeitamente em Washington’, disse o presidente, após apontar as razões pelas quais entende que seu terceiro filho poderia ser o embaixador do Brasil nos Estados Unidos: ‘Ele é amigo dos filhos do Trump, fala inglês e espanhol, tem vivência muito grande de mundo’.
“O papel do embaixador é representar o País e o interesse nacional, numa relação de confiança e, ao mesmo tempo, de independência perante outro país. As nações que têm a pretensão de serem respeitadas no cenário internacional dispõem de um corpo diplomático bem formado e tecnicamente qualificado. Não faz nenhum sentido que o Brasil, com uma tradição diplomática do mais alto nível, deixe a embaixada em Washington nas mãos de um amador, por mero capricho familiar.
“O embaixador não está em representação de uma pessoa, de um partido ou de uma causa. Ele representa o Estado brasileiro.’
E conclui:
“É evidente que Eduardo Bolsonaro não tem nenhuma credencial para o cargo de embaixador do Brasil nos Estados Unidos. O único atributo que leva seu nome a ser cogitado para o posto em Washington é ser filho de Jair Bolsonaro. Uma indicação assim, tão despótica – no sentido mais exato do termo –, desmerece o País interna e externamente. Se o capricho familiar for adiante, que o Senado, em sinal de respeito ao País e à Constituição, lhe aponha o devido veto.”

O Boletim

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