28 de março de 2024
Sergio Vaz

Crônica da eleição do horror (12)

E é assim que o PT acaba.

O PT cabe no Vão do Masp
A foto acima é chocante, profundamente chocante. E é histórica – uma daquelas fotos que conseguem captar o momento exato de um fato acachapante, definitivo – o tiro em um arquiduque, a tomada do Palácio de Inverno, a bandeira que se ergue em Iwo Jima, o Muro de Berlim que começa a ser derrubado fisicamente, materialmente.
Demonstra, de maneira cabal, inequívoca, dois fatos: Jair Bolsonaro será sem dúvida alguma eleito presidente da República no dia 28. E o Partido dos Trabalhadores perdeu a importância.
Cheguei a escrever que a foto demonstra que o PT chegou ao fim, mas logo apaguei – isso seria um pequeno exagero. Claro, o PT não acabou propriamente ainda – mas, a rigor, a rigor, acabou. Perdeu a importância.
Ficou pequenino. Ficou tão pequenino quanto essa manifestação fotografada aí.
Eu mesmo cheguei a duvidar um pouco da foto, quando a vi no Facebook, postada por Ester Ien Te. Seria preciso ver a que horas ela foi feita, comentei. Poderia ter sido tirada quando estava apenas começando a manifestação contra Bolsonaro e a favor de Fernando Haddad, na tarde deste sábado, 20/10, oito dias antes do segundo turno da eleição.
A foto foi tirada às 15h30, ela me informou – no horário que era o auge da manifestação, portanto. Foi tirada de um apartamento do Edifício Baronesa de Arary, aquele prédio da esquina de Paulista com Peixoto Gomide, debruçado sobre o Parque Trianon e o Masp.
Procurei fotos do ato pró-Haddad no site da Folha de S. Paulo, e não achei, o que é indício sério de que não foi um retumbante sucesso.
O site do Estadão informou o seguinte:
“Em São Paulo, a manifestação lotou o vão livre do Museu de Arte de São Paulo (Masp), na Avenida Paulista. A multidão chegou a extrapolar a área da praça e ocupou totalmente os dois sentidos da via, na região central da capital. Ao som de tambores, centenas de pessoas gritavam ‘Ele não!’, ‘Ele Nunca!’ e ‘Ele Jamais’, em referência ao candidato à Presidência pelo PSL, Jair Bolsonaro.”
Ou seja: o Estadão confirmou o que mostrou a foto.
Na maior metrópole do país, na avenida que ficou inteiramente lotada, de cabo a rabo, do Paraíso à Consolação, de gente pedindo “Fora PT” às vésperas do impeachment de Dilma Rousseff, na avenida de que o PT já ocupou quatro, cinco, seis quadras inteiras, em manifestações no passado, hoje, sábado, 20 de outubro, a oito dias do segundo turno, formou-se uma multidãozinha que enchia o vão do Masp e as pistas da Paulista entre o Masp e o Trianon.
O PT cabe hoje em uma única quadra da Paulista.
Acabou.
Finibus.
The End.
Como dizia Gilbert Bécaud, la fin du chemin.
R.I.P.
***
Nós mesmos, Mary e eu, passamos muito perto desse momento histórico. Sem querer, absolutamente sem querer. Por uma imensa coincidência, passamos por baixo da Avenida Paulista às 17 horas deste sábado, no momento exato em que os manifestantes deixavam a única quadra que conseguiram lotar. Estávamos no metrô, a caminho de um lugar em que iríamos caminhar e depois jantar. Vimos entrar no vagão em que estávamos umas poucas pessoas com adesivos, buttons do PT. Vimos pelas plataformas outras pessoas que evidentemente estavam saindo do ato.
Poucas pessoas.
Pouquíssimas pessoas. E com semblantes tristonhos. Não eram pessoas que estavam saindo de um ato magnífico, maravilhoso, retumbante.
Mary se mostrou impressionada com a falta de fotos nas redes sociais das manifestações anti-Bolsonaro e pró-Haddad país afora.
Fomos fazer nossa caminhada, jantamos maravilhosamente no lugar que frequento desde meados dos anos 70, e me esqueci completamente do assunto.
De volta em casa, ao dar uma olhada no Facebook, vi a foto que está aí acima – e fiquei chocado.
O Estadão mostra fotos das manifestações anti-Bolsonaro e pró-Haddad ali na Avenida Paulista, e também no Rio e em Brasília. Todas as três são fotos fechadas, focalizando parte do público – não fotos abertas, de longe, mostrando o tamanho da multidão.
Indicam exatamente a mesma coisa que a foto ali do alto deste texto mostra: Bolsonaro será eleito, e o PT virou definitivamente coisa menor.
De somenos importância.
Exatamente como o PSDB, o partido que dividiu com ele as duas primeiras colocações em todas as eleições depois das de 1989 – as de 1994, 1998, 2002, 2006, 2010, 2014. O partido no qual votei sempre, desde que surgiu.
***
Se o definhamento do PT me deixa feliz?
Deveria. Sim, deveria me deixar feliz. O PT é um cancro que infectou a vida deste país em todas as esferas.
Neste meu site aqui, já escrevi contra o PT mais linhas do que todo o Guerra e Paz e Anna Karenina juntos.
No entanto, não me dá felicidade ver essa foto, essa imagem que mostra o fato histórico, o dia, o momento em que o PT virou coisa menor, de somenos importância.
“e é assim que o mundo acaba, é assim que o mundo acaba, é assim que o mundo acaba – não com um estrondo, mas com um gemido.”
Ver que o PT acaba, não com um estrondo, mas com um gemido, não me deixa, de forma alguma, feliz.
Porque esse partido de merda, esse horror, esse cancro, está acabando para dar lugar a algo igualmente de merda, igualmente de horror. Um pavor, uma coisa horripilante, tétrica, uma direita extremada, vil, babante, neanderthal, o atraso do atraso do retardamento da volta à caverna.
***
Me ocorre, numa ironia triste, que o PT não dá alegria, ânimo, coisa boa nem mesmo quando sai de cena.
Que horror.

O Boletim

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