29 de março de 2024
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Elementar, meus caros


Graduada que sou em Serviço Secreto pela Scotland Yard – o paraninfo da minha turma foi Sherlock Holmes – estou decifrando o mistério da verdadeira identidade do neo Pavão Misterioso.
Sigo as pistas. Por elas, afirmo que o Pavão é um grupo de pessoas da minha idade ou ligeiramente mais novas. Coisa pouca, no máximo, 10 ou 15 anos. Também são seres sensíveis, que apreciam as palavras e seus múltiplos sentidos e, arrisco-me a dizer, que gostam de poesia. Quem mais, fora desse reduzido círculo, usaria como codinome o título da música de Ednardo Costa Sousa, um compositor cearense cult, mas não exatamente popular?
É certo que o Brasil da década de 1970 ouviu diariamente a música Pavão Misterioso, tema de abertura da novela Saramandaia, de Dias Gomes. Mas a novela, além de ter mais de 40 anos, ia ao ar depois das 22h. Pela hora e pelo tema não atingia o povão. O enredo, meio surreal, girava em torno da politicagem dos habitantes de uma cidade do interior, que pretendiam rebatizá-la. De Bole-Bole a cidadezinha passaria a chamar Saramandaia. As personagens simbolizavam o lado estranho dos homens – e das mulheres, por supuesto. João Gibão (Juca de Oliveira) tinha asas nas costas e, como a maioria de nós, não sabia voar. Até que, na cena final, encurralado por inimigos que pretendiam matá-lo, Gibão se atira da torre da igreja e voa. Leve, solto e, principalmente, livre.
“Eles são muitos, mas não sabem voar”, são os dois últimos versos da composição de Ednardo, que o novo Pavão gosta de usar. Lindo. Só quem assistiu a emoção de João Gibão olhando de cima os seus perseguidores, só quem ouve e entende, sente que estas palavras, usadas com propriedade pelo Pavão atual, enviam o seguinte recado: quantidade, meu bem, não serve para nada; há que se enxergar muito além dos que os olhos veem, um privilégio da poesia.
Assim, baseada em meus sofisticados conhecimentos detetivescos, garanto que o atual e sempre aguardado Pavão Misterioso, que esgrima com o Verdevaldo, nasceu na segunda metade do século passado. Poeta e valente, ele pretende voar sobre o inimigo derrotado: Verdevaldo e as suas asas inúteis, iguais a de um pato. Aliás, como todo pato que se preza, Verdevaldo engole informações e as elimina sem processá-las com o devido rigor. Como se diz por aí, um come e caga.
Solidarizo-me com o Pavão muderninho e digo-lhe “derrama essas faíscas, despeja esse trovão, desmancha isso tudo que não é certo, não”. Manda brasa, Pavão, já quase sei quem “tu és”.
Aproveito o ensejo para avisar que o meu feeeling não falha. Sempre desconfiei do Jean Wyllys. O tempo me deu razão: o cidadão não presta mesmo.

O Boletim

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