28 de março de 2024
Saúde

Tirar selfies em excesso pode ser uma doença

Pesquisadores investigaram se costume pode ser um transtorno psicológico. Especialistas comentam.
por Cinthya Dávila

A fotografia nos dá a chance de guardar conosco registros de situações que valem a pena lembrar. Isso é ótimo, afinal nem sempre nossa memória dá conta de guardar tudo que precisamos. Dessa forma, ter um registro simbólico do que foi vivido ajuda a mantermos a conexão com o momento.
Uma das formas de captarmos esses registros é por meio da selfie – tipo de fotografia que consiste em tirar foto de si mesmo. As justificativas para tirar selfies são as mais variadas e podem ir desde querer registrar um local bonito que foi visitado, até guardar um autorretrato. Na verdade, por trás de todas as motivações para tirar uma selfie, existe uma vontade maior: a de mostrar algo. E isso também não é um problema. Afinal, vivemos em uma sociedade que valoriza a imagem e disponibiliza ferramentas para que fotos como selfies sejam divulgadas, como os aplicativos e as redes sociais.
No entanto, existem evidências de que tirar selfies e postá-las nas redes sociais adquiriu um significado maior do que apenas o autorretrato: ele virou um balizador de autoestima tão poderoso que psicólogos passaram a caracterizar o hábito como um possível transtorno obsessivo apelidado de “selfiti”.
O que é Selfit
Selfit pode ser entendido como um vício em tirar selfies. O termo foi divulgado a primeira vez em 2014 em uma notícia afirmando que a Sociedade Americana de Psiquiatria tinha definido o hábito de tirar muitas fotos de si mesmo para se autopromover como uma desordem psicológica. No entanto, a notícia em questão era falsa e a própria Sociedade Americana de Psiquiatria desmentiu o fato. No entanto, na sequência do engano, pesquisadores da Universidade de Nottingham Trent, de Londres e da Escola de Administração de Thiagarajar, na Índia, decidiram investigar se o fenômeno era verdadeiro. As universidades realizaram um estudo chamado .
Para a realização da análise foram recrutados cerca de 400 estudantes, dos quais eram 230 homens e 130 mulheres de escolas superiores da Índia. O motivo de escolher a Índia como pólo de investigação foi o fato de o País concentrar o maior número de usuários de Facebook. Além disso, a Índia também é o país que registra o maior número de pessoas que morrem por tirar selfies em locais perigosos. Para se ter uma ideia, um levantamento realizado por pesquisadores americanos identificou que entre os anos de 2014 a 2016, cerca de 127 pessoas morreram ao não calcular os riscos no momento de tirar selfie. Destas 76 ocorreram na Índia. O estudo não registrou nenhuma morte no Brasil.
O Selfiti é uma condição psicológica ainda em estudo, portanto não é reconhecida pela Associação Americana de Psiquiatria ou pela Associação Brasileira de Psiquiatria como uma patologia.
De acordo com o psicanalista e doutor em psicologia clínica Eduardo Fraga de Almeida Prado, que também é professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, o Selfiti deriva de um fenômeno mais amplo de medicalização da vida. Portanto é preciso cautela para abordar o assunto.
O psicólogo Cristiano Nabuco que também é coordenador do Programa de Dependência de Internet do Laboratório Integrados dos Transtornos do Impulso (AMITI) dos Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo, reforça que vivemos uma tentativa de caracterizar tudo que pode ter relação com o uso abusivo de tecnologia. “Precisamos tomar cuidado para não criarmos um excesso de classificação relacionado à dependência de tecnologias, mesmo porque este exagero pode estar relacionado a algo maior, como um quadro de depressão, ansiedade ou tipo de transtorno que só poderá ser identificado por um profissional”, alerta.
Mesmo que o Selfit não seja identificado como um transtorno, a psicoterapeuta cognitiva comportamental Dora Sampaio Góes, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas, afirma que é preciso estudar a complexidade do hábito de tirar muitas selfies. “A dependência de internet, que hoje é uma patologia, começou como uma observação clínica de profissionais que foram pesquisar. Não há como dizer se o Selfiti será considerado uma patologia, pois é necessário muito estudo para isso acontecer, mas a investigação é válida”, explica Dora.
Níveis de Selfitis
Para a realização do estudo, os participantes passaram por entrevistas com perguntas como: “O que te motiva a tirar selfies?”, “Você acha que uma pessoa pode desenvolver um vício em tirar selfies?”. Por meio dos questionários, os pesquisadores identificaram perfis comportamentais que poderiam ser classificados dentro de um comportamento obsessivo por autorretratos. Com as análises, os pesquisadores classificaram os participantes em três níveis distintos de “Selfitis”:
Borderline: pessoas que tiram fotos de si pelo menos 3 vezes por dia, mas não necessariamente publicam nas redes sociais
Agudo: pessoas que tiram fotos de si ao menos 3 vezes por dia e postam cada uma nas mídias sociais
Crônico: impulso incontrolável de tirar selfies e publicar as fotos mais de 6 vezes por dia.
Ao analisar o comportamento dos estudantes, os pesquisadores descobriram 40% dos jovens poderia se enquadrar no nível agudo de Selfiti. Cerca de 34% dos participantes se enquadrou ao nível borderline e os 25% restantes estariam entre as pessoas com um nível crônico de Selfiti.
O que pode desencadear o Selfiti
De acordo com a pesquisa, o que motiva pessoas a tirar um número excessivo de selfies é, entre muitos aspectos, o prestígio que recebem de seus seguidores depois que a foto é publicada. Segundo os cientistas, os jovens explicaram que quando divulgavam as fotos nas redes sociais ficavam felizes com o reconhecimento das outras pessoas. Alguns disseram que sentiam que sua vaidade era legitimada a partir do elogios que recebiam. Outros gostavam da competição que criavam com os outros amigos.
Para os especialistas entrevistados pela redação, o hábito de tirar muitas fotos de si demonstra, entre muitos aspectos, um sentimento de insegurança em relação à própria aparência. Pode parecer um paradoxo atrelar problemas de auto-aceitação com um excesso de autorretratos, mas os especialistas explicam que o hábito é justamente para tentar buscar, por meios externos, uma aprovação que não se tem de si mesmo.
“Quanto mais inseguro ou com incertezas o indivíduo é mais será necessário o hábito de tornar-se público. Isso porque esse indivíduo sente a necessidade de ser constantemente apreciado por quem o vê”, afirma Almeida Prado.
Essa não é a primeira vez que o excesso de fotos de si está relacionado com uma baixa autoestima. Um estudo realizado pela Brunel University London chamado “Facebook status updates reveal low self-esteem and narcissism” afirma que pessoas que tiram muitas selfies na academia tendem a ser narcisistas e inseguras.
O estudo foi realizado com 555 usuários do Facebook e lhes foi solicitado que respondessem a um questionário. Os pesquisadores descobriram que pessoas com personalidade narcisista, por exemplo, tendem a postar mais fotos na academia, pois esses ambientes costumam receber um número maior de likes em relação a outras situações cotidianas. Sendo assim, essas pessoas procuravam divulgar suas fotos nesses ambientes como forma de manter uma grande quantidade de likes.
A professora de psicologia Tara Marshall, da Brunet University London, explica que as curtidas e comentários postados nas fotos proporcionam uma sensação de inclusão social, enquanto as pessoas que não recebem nada sentem-se como se estivessem em um tipo de ostracismo.
Vale ressaltar que grande parte das fotos publicadas nas redes sociais conta com recursos de edição e embelezamento que possibilitam corrigir de forma rápida pequenas imperfeições, afinar o rosto, aumentar os olhos, deixar o sorriso mais atraente e até rejuvenescer a pele. Dessa forma a pessoa que posta a selfie mostra aos outros uma versão editada de si.
“Quando uma pessoa que não tem uma boa autoestima publica uma foto e recebe elogios, é como se ela adquirisse durante algum tempo uma autoestima adequada. Isso pode gerar uma dependência comportamental, pois o indivíduo sempre estará atrás de mais aprovação”, alerta Dora.
Sensação química do Selfie
Experiências prazerosas fazem com o cérebro libere dopamina. No caso das selfies o raciocínio é semelhante. O indivíduo publica uma foto e rapidamente recebe um elogio, um emoji ou uma interação que mostre que ele “acertou” na escolha da foto e é admirado por isso. Logo na sequência tem-se a sensação de prazer. No entanto, assim como um medicamento, uma bebida alcoólica, ou um cigarro em um certo momento a sensação de prazer irá passar, e aí será necessário postar uma nova foto.
No livro “Irresistible: The Rise of Addictive Technology e Business of Keeping Us Hooked”. O escritor e professor da Universidade de Nova York Adam Alter explica que existe também uma excitação em relação à imprevisibilidade ocasionada pelo selfie, uma vez que não se sabe quantas curtidas e interações a foto postada receberá. “É justamente a imprevisibilidade desse processo que o torna tão viciante. Se as pessoas soubessem que toda vez que postassem iriam receber 100 likes, isso tornaria o processo muito chato”. enaltece.
Por que damos tanto valor a Selfie?
É possível entender as motivações que levam às pessoas a publicar selfies nas redes sociais. Prestígio, autopromoção, validação da autoestima. Mas a pergunta que fica é por que essas fotografias significam tanto para nós? E deveríamos atribuir tanto valor a elas?
Essas questões são complexas e podem ter diferentes respostas. Uma forma de começar a compreender esse assunto pode ser olhando para nossos antepassados. Antigamente os povoados contavam com um número reduzido de pessoas, por volta de 150 indivíduos. Essas pessoas se conheciam, estabeleciam conexões dentro das suas possibilidades e, obviamente, relações de poder. “Dentro dessas comunidades havia um número reduzido de machos e fêmeas alfas, que se destacavam diante dos restantes”, explica Nabuco.
No entanto, avançando alguns séculos no tempo, nossa sociedade evolui de pequenos povoados para megalópoles. As comunidades que antes eram restritas a poucas pessoas ganharam os ambientes virtuais e adquirimos contato com muito mais pessoas. Mas, por mais que tenhamos aprendido a interagir com uma grande quantidade de pessoas e sejamos capazes de sobreviver e criar nossas micro comunidades nos centros urbanos, nosso emocional não evolui com a mesma velocidade do progresso urbanístico e tecnológico. Como consequência estamos inseguros.
“Quando uma pessoa entra numa rede social ela não vai ver duas ou três pessoas que se destacam na multidão, todos os perfis estão tentando se destacar na multidão. Daí surge a necessidade de tentar se destacar mais do que o outro”, explica Nabuco.
Outro ponto seria o fato de que vivemos em uma sociedade voltada para o indivíduo. “É comum nos depararmos com frases como ‘a rádio que toca a música que você gosta’, ‘o produto que atende às suas necessidades’, ‘aprenda a ter mais sucesso em suas conquistas’. Temos a impressão de que tudo é direcionado exclusivamente para nós”, esclarece Almeida Prado. Outro ponto seria o fato de que vivemos em uma sociedade voltada para o indivíduo. “É comum nos depararmos com frases como ‘a rádio que toca a música que você gosta’, ‘o produto que atende às suas necessidades’, ‘aprenda a ter mais sucesso em suas conquistas’. Temos a impressão de que tudo é direcionado exclusivamente para nós”, esclarece Almeida Prado.
Logo, escrevendo de outra forma, uma sociedade em que tudo é direcionado ao indivíduo, também é uma sociedade em que o selfie (eu mesmo em tradução livre) também é valorizado. Juntando isso ao fato de que somo seduzidos por imagens é possível entender o que nos leva a sermos tão atraídos por um autorretrato.
Sintomas do Selfiti
Os especialistas que concederam entrevista ao Minha Vida explica que não é possível atribuir um conjunto de sintomas para uma pessoa viciada em selfies uma vez que ainda é uma condição em estudo. No entanto, existem algumas características que podem indicar que uma pessoa pode estar atribuindo uma dependência emocional dos selfies que pode causar problemas para sua saúde mental:
Apresentar vaidade excessiva
Sentimento de autodepreciação
Postar muitas selfies por dia e ficar observando como elas performaram
Apresentar mudança de humor diante da repercussão de uma selfie
Sentir-se inferior, se uma selfie postada não receber muitos likes
Sentir-se superior a outras pessoas, se uma selfie receber muitas interações
Se colocar em situações de risco para ter uma boa selfie, como tentar ir a lugares perigosos para tirar foto ou se expor sem medir consequências
Registrar uma foto de si a todo momento e deixar de compartilhar experiências reais com quem está ao seu redor para se dedicar ao mundo virtual
É importante ressaltar que somente um especialista pode diagnosticar possíveis problemas psicológicos desencadeados pela dependência de internet e os aspectos citados não são oficiais. São apenas alguns traços de personalidade que podem indicar que uma pessoa precisa de ajuda profissional. Se você acha que sua saúde emocional pode estar prejudicada, converse com um especialista.
Selfiti não tem relação somente com o selfie
É possível que o hábito de tirar muitas selfies esteja atrelado, na verdade, a outras condições de saúde mental. Sendo assim, a compulsividade pelos autorretratos é na verdade uma forma de manifestação de um outro distúrbio emocional. Vale ressaltar que esse tipo de diagnóstico só pode ser feito por especialistas.
Tratamento para Selfiti
Quando uma pessoa tem um vício em uma substância é comum afastar a pessoa daquele ativo para que o corpo perca a dependência. Mas e em relação ao selfie? Uma pessoa que tira muitas selfies precisaria parar com o hábito? Não necessariamente.
A tecnologia é uma ferramenta que está inserida na rotina das pessoas de forma geral. Sendo assim, mesmo que a pessoa não use o celular, ainda assim ela teria contato com outras pessoas que estão, por exemplo, tirando selfies.
Assim como o selfiti pode estar atrelado a outros fatores, o tratamento também será direcionado para tratar as outras questões relacionadas à saúde emocional do indivíduo. Logo, pode ser que o tratamento não seja exclusivo para tratar o vício em selfies, mas identificar e fazer com que o indivíduo tenha ferramentas emocionais para lidar com as causas que fazem com que ele precise tirar selfies para ter a legitimação de outras pessoas.
Em suma, o ideal é buscar o caminho do meio. Fazendo com que a pessoa busque outras formas de aumentar a autoestima de forma emocionalmente sustentável.
É possível ajudar uma pessoa que tem Selfiti?
Uma forma de ajudar uma pessoa que apresenta um comportamento obsessivo por selfies é, primeiramente, não incentivar esse tipo de hábito. Como fazer isso? Não servindo de plateia para as fotos que essa pessoa divulga. Em outras palavras, não curtir, não comentar, não compartilhar.
Em contrapartida, é importante elogiar essa pessoa fora da internet, de preferência por realizações que não tenham relação com a aparência dela e sim com suas qualidades emocionais ou por outras realizações. Você pode dizer coisas como:
Você é uma boa pessoa
Gosto como você me trata
Você é um (uma) bom (boa) ouvinte
Admiro seu caráter
Me inspiro em você para alcançar meus objetivos
Sua amizade é importante para mim
Bom trabalho
Gosto da sua companhia
Acho que eu tenho Selfiti. O que eu posso fazer?
Pode acontecer de o próprio indivíduo perceber que está tendo um comportamento excessivo em relação as suas selfies. Se isso acontecer com você, o primeiro a fazer é não se culpar.
Em seguida, você pode tentar desapegar um pouco do celular quando estiver com seus amigos por exemplo. Além disso, quando perceber que está com vontade de tirar uma selfie, tente fazer outra coisa que não envolva tecnologia. Você pode fazer uma caminhada, conversar com algum amigo, meditar. Existem muitas opções.
Pode ser que você sinta dificuldade em se afastar do celular. Nesse caso, é necessário procurar ajuda de um profissional. Você pode marcar uma consulta com um psicólogo e expor a ele que notou que posta uma quantidade alta de selfies.
É possível prevenir o Selfiti?
Uma forma de se desligar da dependência das selfies é estabelecer relações consistentes e sinceras no mundo real. Demonstrar interesse pelas pessoas que ultrapassem as aparências e devaneios do ego. Ter conversas sinceras e tentar criar conexões emocionais com as pessoas.
Além disso, desenvolver e aprimorar competências que não tenham relação apenas com a estética, fazer um curso, se dedicar a um projeto pessoal, fazer um projeto voluntário. enfim, ocupar a cabeço com elementos que possam fortalecer a autoestima de forma que não seja por um autorretrato.
Tirar selfies não tem problema, desde que não cause problema a própria pessoa ou a outros. Em suma, se estivermos bem conosco, o autorretrato será uma forma de lembrança de um momento que ficará registrado e comemorado na memória e não apenas nas redes sociais.
Fonte: Minha Vida

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