23 de abril de 2024
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O Verão da redenção na luminosa Salvador

Imagem: Arquivo Google – Jornal Grande Bahia

Em outubro de 2018, quem foi à Flica, a Feira Literária de Cachoeira, e se dispôs a observar a festa para além dos livros, nas ruas, de madrugada, protagonizada essencialmente pelos estudantes da Universidade do Recôncavo, viu um misto de desbunde com anúncio de depressão. Altas horas da noite, o público majoritário da festa era formado por estudantes universitários que pareciam estar fazendo, ao seu modo, o seu último baile da Ilha Fiscal.
Estavam felizes, loucos, desbundados, entorpecidos, cantando canções de protestos e de liberdade. Lili, o reggae de Edson Gomes, era o hino das noites. Via-se uma espécie de clima da Arembepe hippie da história da contracultura dos anos 60 , um vanguardismo de canto e dança que misturava alegrias e tristezas, numa previsão clara de que Jair Bolsonaro e seu discurso de retrocesso cultural e moral já haviam, desde ali, levado a melhor, embora aquele perfil de público não conseguisse ainda admitir isso naquele instante.
Rio Vermelho – Se desde a chamada requalificação do Rio Vermelho, o trecho da orla do bairro que vai da Praia da Paciência ao largo da Dinha do Acarajé havia se tornado uma espécie de Faixa de Gaza, de um lado com o público com mais dinheiro que lota as casas de comida, bebida e entretenimento, e do outro, jovens estudantes sem dinheiro e/ou periféricos que faziam uma outra festa particular, em torno de isopor de bebidas e exibindo toda a sorte de diversidade, as coisas mudaram um pouquinho após outubro. Após a eleição de Bolsonaro, quem costuma passar nas noites e nas madrugadas a pé ou de carro por ali sentiu a mudança. O público do lado da balaustrada sumiu, o engarrafamento de gente no asfalto sumiu.
Em dezembro de 2018, e sobretudo, agora, em janeiro de 2019, o clima do Rio Vermelho e de Salvador parece vir reentrando de novo nos eixos da alegria, nos espaços festivos da cidade. O Rio Vermelho retoma a cada fim de semana sua pulsão de festa, celebração, felicidade, sincretismo e gente na rua. E no resto da cidade não tem sido diferente.
Os meninos do asfalto começam a voltar, ainda que timidamente, e Salvador parece estar voltando a ter um Verão meio de redenção, com uma festa intensa a cada rua, uma mais bombada que a outra, uma mais diversa que a outra. Quem ainda não foi a uma das edições 2018/2019 do Bailinho de Quinta, do Lê Fulerê, e do divino Cortejo Afro, entre outras, não entenderá o que Dorival Caymmi dizia lá atrás: “São Salvador, Bahia de São Salvador/A terra de Nosso Senhor/Pedaço de terra que é meu”.
Não somos o filho do vice-presidente Mourão, cujo salário foi reajustado estratosfericamete após a posse do pai. Talvez não tenhamos as razões da alegria do motorista desempregado pelos Bolsonaros, o famoso Queiroz, para dançar feliz num quarto dos hospitais mais caros de São Paulo, sambando na nossa cara. Não ganhamos cargos na Petrobras por sermos amigos do rei da República. Mas vivemos em Salvador. As coisas por aqui não são melhores que em outros lugares do país. Mas Salvador é Salvador, e temos um excesso de talento para a fruição e para a festa, mesmo quando o caos parece nos lamber. Nunca na história desse país houve na cidade uma Verão tão festivo contra a sanha moralista e militarista.
QUATRO DÉCADAS – E nesta terça, 15 de janeiro, este CORREIO estará celebrando seus 40 anos com uma edição histórica, especial, tentando, ao máximo, contar ao seu leitor que cidade de Salvador era aquela, em janeiro 1979, e que cidade é esta, em janeiro de 2019. Em 1979, estávamos em um governo militar, instituído por um golpe. Em janeiro de 2019, estamos em outro governo militar, desta vez instituído legitimamente pelo eleitorado brasileiro. Mas, lá e cá, somos Salvador. Nos leiam amanhã e cultuem esta cidade ímpar, que, junto com Dakar, é uma das mais luminosas do mundo. E vá fruir o Verão de Salvador e suas festas, públicas ou privadas, com respeito, devoção ou paganismo.

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