19 de março de 2024
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Surpreendentes gênios

Pensava que a idiossincracia era apenas minha. Confessava-a a poucos amigos, os que são sinceros em seu afeto e não me achariam tola pela decisão. Ontem, porém, lendo o jornal português O Público, descobri que pertenço à uma confraria com adeptos espalhados pelo mundo. Igual a mim, um bom número de pessoas não come polvo por respeitar a inteligência do animal. Pessoalmente, apesar de gostar do paladar, sentia-me praticando canibalismo. Desde que soube que o polvo tem mais de um cérebro, que é capaz de tomar decisões que exigem algum tipo de raciocínio, que pode – e já o fez em mais de uma ocasião – demonstrar emoções, que é domesticável e apresenta muitas outras características sensitivas, que não combinam com o seu aspecto pré-histórico, perdi a coragem de jogá-lo numa panela.

A reportagem “A inteligência dos polvos envergonha muitos vertebrados: porque razão os comemos?”, assinada pela jornalista Sofia Neves, provou-me que tomei a decisão certa. Pesquisas da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa demonstraram que os polvos são cefalópedes extraordinários.
Têm três corações e nove cérebros. O principal, entre os olhos, apresenta funções parecidas com as dos vertebrados superiores. O outros oito alongam-se por cada tentáculo e possuem milhões de neurônios. Estas espécies de “sub-cérebros” são capazes de agir por conta própria e, só depois do ato perpetrado, avisar ao cérebro principal. O que não significa que os nove cérebros não funcionem em compasso e, nesse momento, o polvo tome decisões que até Deus duvida. Como, por exemplo, ser apresentado a um vidro com tampa, objeto que nunca encontraria em seu habitat, e na mesma hora, conseguir destampá-lo. Ou fugir de um aquário exatamente pelo cano que o levará diretamente ao mar. Ambos fatos comprovados pela ciência e devidamente documentados.
Para abençoar a retidão de minha atitude de não sacrificar um quase semelhante, a matéria esclarece que o polvo é o único invertebrado protegido pela Diretiva da União Europeia de 2010 para ‘Proteção de Animais Utilizados em Pesquisas Científicas’. Publicada no Jornal da União Europeia no dia 20 de outubro de 2010, o artigo oito define: “Para além dos animais vertebrados, incluindo os ciclóstomos, deverão ser igualmente incluídos no âmbito de aplicação da presente directiva os cefalópodes, pois a sua capacidade para sentir dor, sofrimento, angústia e dano duradouro está cientificamente demonstrada”.
Estou orgulhosa de mim e também aliviada. Até o presente momento dizia-se que, pela capacidade de sobrevivência, as nojentas, agressivas, mal humoradas e altamente venenosas baratas dominariam o mundo. Mas elas são fichinhas perto dos polvos. Serão eles que, um dia, reinarão na terra.
Espero que se lembrem, para o bem dos meus descendentes, que fui uma pioneira no movimento de preservá-los.

O Boletim

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