1 – Geografia e história se misturam:
Era um desejo antigo conhecer o arquipélago de Malta. Antes de me envolver com a pesquisa sobre o lugar, olhei no mapa e lá estavam – ilhas tão pequenas, no meio do Mar Mediterrâneo, pareciam perdidas. Como podia ter tanta história e monumentos interessantes? Sem contar com uma costa deslumbrante, era o que sempre meus amigos me diziam.
O arquipélago de Malta é composto por 3 ilhas principais – Malta, Gozo e Comino, e outras minúsculas e inabitadas. Malta é a maior e mais importante. Nela está a capital Valletta. Gozo é a segunda em dimensão e população e Comino, a terceira, é bem pequena. Parece inabitada e inóspita, mas lá mora uma família de camponeses que vivem do que cultivam e pescam. O arquipélago tem aproximadamente 430 mil habitantes.
As línguas oficiais são o maltês e o inglês. O italiano também é bastante falado.
A história de Malta era desconhecida para mim. Sabia por alto sobre a Ordem dos Cavaleiros de Malta. E para compreender o povo maltês e poder apreciar todo seu patrimônio, foi muito importante entender seu passado.
Localizada a uns 90km ao sul da Sicília e a uns 280km ao norte da costa da Tunísia, era, desde os primórdios, cobiçada por navegantes do Mar Mediterrâneo por sua localização central nessas rotas comerciais marítimas. Valletta, em especial, por ter uma costa bastante recortada, logo se tornou um porto muito seguro.
Fenícios, gregos, cártagos, romanos, bizantinos e árabes a dominaram ao longo do tempo e lá deixaram sua marca.
Fazendo uma breve reconstituição histórica “recente”, diz-se que o cristianismo chegou às ilhas por causa do naufrágio do barco de São Paulo, que estava a caminho de Roma em 60 d.C. Nada pode ser provado mas persiste a “história-lenda” dos vários milagres de São Paulo por lá.
Os árabes conquistaram o arquipélago em 870 d.C. e permaneceram por mais de 200 anos. A língua maltesa é muito influenciada pela herança árabe, assim como os costumes árabes persistem na sociedade atual, apesar de, atualmente, sua população ser majoritariamente católica (98%).
Depois dos árabes, o arquipélago passou a ser governado pela Sicília.
Agora chega a parte que mais me interessava: os Cavaleiros de São João ou Cavaleiros Hospitalários. Eles eram uma ordem cristã, fundada no século 11, para proteção e ajuda aos cristãos que iam a Jerusalém. Em 1522 foram expulsos de Rhodes (ilha da Grécia) pelo Império Otomano. Carlos V, rei da Espanha e do Sacro Império Romano Germânico, temendo uma possível invasão otomana em Roma, fez de Malta o lugar para os Cavaleiros se estabelecerem.
Eles fortificaram a ilha, principalmente Valletta, por causa de seu porto, construíram vários hospitais e criaram a famosa cruz de oito pontas, que até hoje é usada como símbolo de organizações de ajuda pelo mundo. Na realidade, os otomanos tentaram invadir Malta em 1565 mas foram derrotados.
Os Cavaleiros ficaram em Malta de 1530 a 1798, período de grande riqueza na região, quando artistas como Caravaggio foram comissionados para embelezar palácios e igrejas. São desse período os principais monumentos, lindamente barrocos.
Em 1798 Napoleão Bonaparte conquistou o arquipélago a caminho do Egito. Diz a história que ele pediu autorização para atracar no porto de Valletta para abastecimento da frota francesa, mas na realidade foi um golpe para tomá-la sem grande esforço.
Os malteses pediram ajuda à Inglaterra e em 1800 os franceses foram expulsos. Os ingleses permaneceram em Malta até 1964, quando o arquipélago se tornou independente. Malta se transformou numa República em 1974 e passou a pertencer à União Europeia em 2004. Em 2008 Malta aderiu à zona do euro.
Ufa! Que breve história, que nada! Mas acho fundamental esta introdução porque quem visita Malta percebe um pouco ou muito de cada povo que ali habitou e como o maltês atual herdou características de cada um deles.
2 – A capital Valletta e sua co-catedral:
Quando a Ordem dos Cavaleiros de São João chegou a Malta em 1530, Valletta era praticamente desabitada. A primeira construção a ser erguida foi o Forte Elmo, em forma de estrela, na entrada do porto. Após a vitória dos Cavaleiros que resistiram à frota otomana por 1 ano, no episódio conhecido como o Cerco de Malta, em 1565, eles receberam muitos recursos das potências européias para que Valletta fosse construída como cidade fortificada.
A Ordem dos Cavaleiros de Malta era composta por 8 grupos de origens distintas: o de Auvergne, o da Provence, o da França, o de Aragão, o de Castela e Portugal, o da Itália, o da Baviera e o da Inglaterra. A cruz de Malta, símbolo dos Cavaleiros, que aparece pela primeira vez em moedas de cobre datadas de 1576, tem 8 pontas que simbolizam as obrigações a serem seguidas pela Ordem, que eram: ter fé, viver na verdade, ser humilde, amar a justiça, ser misericordioso, arrepender-se dos pecados cometidos, ser sincero, e suportar a perseguição.
Uma das construções mais importantes e mais lindas é a co-catedral de São João, concluída em 1576. Ela é dedicada a São João Batista, o padroeiro da Ordem. Só passou a ser chamada de co-catedral quando, no século 18, passou a ser também a catedral de Mdina, antiga capital de Malta.
For fora ela é austera, erguida com a mesma pedra local usada em todas as construções. Mas seu interior é inesperado e impactante, decorado em estilo barroco!
Anexo à co-catedral há também um museu que vale ser visitado. Entre outros tesouros, há uma expressiva coleção de tapeçarias flamencas.
3 – Ainda sobre Valletta:
Valletta fica numa península e por este motivo está rodeada pelo Mar Mediterrâneo que avança e recorta de maneira singular a costa desta parte da ilha de Malta. Hoje tanto a península, como as porções de terra no entorno, são densamente povoadas e tudo parece uma única e grande cidade. Mas não se enganem: Valletta é somente a parte da península (vejam novamente o mapa antigo), erguida dentro de muralhas ainda existentes. Hoje temos várias cidades ao longo das outras margens dos 2 grandes canais que delimitam Valletta.
Só mesmo com a ajuda de um mapa é que se pode entender porque essa região foi tão cobiçada como um porto perfeito: no meio do Mediterrâneo, controlando a rota leste-oeste do comércio marítimo, e extremamente seguro por sua conformação geográfica.
Antes que vocês desistam de ler este post pelo excesso de arquitetura e história, sou obrigada a falar das sacadas fechadas. Elas estão por toda parte de Malta, certamente uma herança do mundo árabe, só que com outra estética. Em Valletta elas são sempre pintadas na cor verde. Em outras cidades são coloridas.
A praça principal de Valletta é a de St. George, onde fica o Palácio Nacional (Palácio da Presidência), antiga residência de um Grão-Duque (chefe, vamos dizer assim) da Ordem dos Cavaleiros de Malta.
Ao lado da praça de St. George, há outra praça super charmosa, a da República, com a Biblioteca Nacional ao fundo à esquerda e muitas mesas para uma sempre merecida pausa.
4 – Mdina, a antiga capital:
Mdina foi a capital de Malta até o século 16, quando foi transferida para Valletta, com a chegada da Ordem dos Cavaleiros. Sua história é muito mais antiga que a de Valletta assim como suas muralhas, também ainda existentes. Localiza-se no interior da ilha de Malta e é conhecida como a “Cidade Silenciosa”, já que carros não podem circular intramuros. Realmente é muito quieta, mesmo de dia. Suas ruas são bem medievais, muito estreitas, as construções com poucas janelas, tudo muito interessante.
5) A linda costa do arquipélago:
Para terminar, como não falar da linda costa do arquipélago?
Seja na ilha de Malta, assim como em Gozo e Comino, o mar é sempre destaque. É muito limpo e tem variados tons de azul, sempre lindo.
Malta é uma experiência única. Um desses lugares que deve-se visitar pelo menos uma vez na vida. Mistura de acervo histórico e natureza, com um povo intrigantemente diferente. Recomendo!
“Arquiteta de formação e de ofício por muitos anos, desde 2007 resolveu mudar de profissão. Desde então trabalha com turismo, elaborando roteiros e acompanhando pequenos grupos ao exterior. Descobriu que essa é sua vocação maior.”