19 de abril de 2024
Colunistas Ligia Cruz

Devaneio em tempos de pandemia

Nem sempre a gente se levanta como se deita. Principalmente nos últimos tempos.
De repente, no meio da jornada vem um bombardeio de tragédias. Fora a cansativa ciranda midiática. Não tem como não se impactar com as notícias, por mais que se evite.
A temática que domina há quase cinco meses é uma só: quantos se infectaram, se salvaram e morreram? Quem vacilou, se arriscou e pegou essa praga que anda solta.
Quem toma o quê?
Anônimos e famosos, todos com chances iguais de encerrar a biografia de forma trágica. O que muda é o respirador standard ou high-tech.
Em todo hospital, somam-se histórias tristes e de superação. Quem consegue rir nestes tempos deveria contar o segredo e passar a lição. Não há um único dia sem oscilação de humor. Só quem conserva boas memórias tem motivos para sorrir. Está difícil fazer piada de qualquer coisa.
O Brasil está enfadonho. Pior, talvez, nos tempos de conflitos mais severos contados pelos nossos pais.
Por aqui, nessa São Paulo agitada, antes, em qualquer roda de boteco, com ou sem motivação etílica havia a sessão anedota.
E todo mundo tinha que contar pelo menos uma.
Gargalhava-se generosamente, até mesmo daquela piada que o mesmo fulano contava há 30 anos. Ele era tão legal, que ninguém se atrevia a estragar a motivação de quem se especializou e fez doutorado justo naquelazinha. Com o tempo sempre há a chance de aprimorar o discurso.
O riso começava logo que ele chegava e os “brindantes” se entreolhavam. Lá vem ele! O especialista na piada do Zezinho que zoava a professora em sala de aula. Não! De novo não! E todos se juntavam naquele riso solto, vagabundo, sem acanhamento algum.
Nem no fim do goró dava tristeza. Catar as minguadas moedas no fundo do bolso e descobrir que dava para mais uma saideira era pura alegria. E a mesa ficava repleta de garrafas vazias. Bons tempos…
Agora não tem graça. Todo mundo de focinheira nas ruas, nem se sabe quem sorri.

Imagem: Google – Abril.com

As pessoas estão sisudas e desconfiadas. Assombradas pela simples possibilidade de adoecer.
Quanto tempo a humanidade leva para superar algo assim?
Provavelmente pensaram assim em outras epidemias do passado. Mas o sofrimento é sempre contemporâneo.
Espera-se que o tempo passe logo e leve o mal, mas não as alegrias e nem as boas memórias.

Ligia Maria Cruz

Jornalista, editora e assessora de imprensa. Especializada em transporte, logística e administração de crises na comunicação.

Jornalista, editora e assessora de imprensa. Especializada em transporte, logística e administração de crises na comunicação.

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