29 de março de 2024
Junia Turra

A tragédia que não tem volta

Por Marcelle e Mirelle 💕

As mãos tremem.
O ar falta.
Atende esse telefone.
Nada.
O desespero toma conta.
Passa um filme com mil imagens na cabeça.
Atende esse telefone.
As horas passam mas se arrastam.
Atende esse telefone.
O corpo foi identificado. Sinto muito.
É mesmo a sua filha.
É mesmo a sua irmã.
É mesmo a sua amiga.
Marcelle Porto Cangussu, formada em Medicina pela Universidade Federal de Minas Gerais, era funcionária na Vale do Rio doce. Anos de esforço, de estudo, noites mal dormidas. Seguia o exemplo que via em casa. Tudo conquistado com mérito. Nada foi fácil!
Marcelle é importante pra mim.
Mirelle, a mãe dela, é importante pra mim.
A família dela é importante pra mim.
E os amigos em comum ao longo dos anos, de tantos anos…
Hoje quando acordei e li: “ela está entre os desaparecidos”. E enquanto trocava mensagens, li de novo…”o corpo dela foi reconhecido”, engoli em seco.
Meu coração disparou.
Não quero. Não aceito. Não!
Ninguém está preparado pra perder quem ama.
Todos nós sabemos disso.
E filhos que vão embora antes dos pais? Nenhum pai ou mãe consegue mais viver inteiro. Sobrevive. Camufla. Esconde a dor de si mesmo. Irmãos, de sangue ou afinidade não serão mais os mesmos. Falta um pedaço.
Perder alguém que esteja doente é muito duro. Numa fatalidade é muito duro. Mas numa tragédia anunciada e que poderia ser evitada?
A Vale do Rio Doce é responsabilidade dos senhores presidentes que governaram a Nação. É responsabilidade dos governadores de Minas Gerais.
Segundo informações que correm, o ex-governador Fernando Pimentel promoveu uma troca no Ministério Público de Minas tirando o grupo que investigava a tragédia de Mariana e a situação das mineradoras. E segundo me enviaram há pouco, Dilma assinou um decreto que é um tiro no pé. Abre espaço para a lama nos soterrar.
Desde o episódio de Mariana especialistas têm se pronunciado sobre o caso que chamou atenção no exterior. No Brasil caiu no esquecimento e as vítimas não foram ressarcidas. Os mortos esquecidos. Reportagens, especiais sempre relembram o fato nas TVs do exterior. Mas a imprensa brasileira calou-se.
Hoje o mundo chora e aponta o dedo para o Brasil: tragédia anunciada! Desnecessária. Poderia ter sido evitada. As responsabilidades têm que ser apuradas. E os responsáveis punidos. Há dolo.
Sabiam do risco e arriscaram. Deram de ombros.
E quantos desses responsáveis passeiam pela Europa, pela América, África, vão a lugares exóticos. Circulam pelo mundo com suas famílias esbanjando dinheiro, se divertindo.
Ah, eles acham lindo os filhos que têm. Não são umas gracinhas?
Mas eles serão abraçados de novo. A Marcelle não terá mais o abraço apertado, o beijo da Mirelle. Nem a Mirelle vai poder olhar a filha dormir e passar a mão nos cabelos dela e dizer: eu te amo ao fechar a porta do quarto.
Sem.ouvir a voz, sem ver o sorriso.
Sem dizer ” vem cá!” Sem ouvir, “vou aí”.
Pra Mirelle, a mãe da Marcelle, para o Christian, paidrasto (com ‘i’ mesmo), para as irmãs o meu abraço de longe. Mas que seja o abraço de todos nós de cada canto do mundo que chora junto com vocês.
Aos senhores responsáveis por essa dor, eu desejo a cela fria, a solitária, a punição exemplar. E que ela venha. Dessa vez vamos cobrar. Os resistentes seremos nós. Nunca mais!
Então lembrar da dor de quem vai dizer, dia após dia: que saudade de você… enquanto estivermos aqui nessa vida, nunca mais!
Chega !

Junia Turra

Jornalista internacional, diretora de TV, atualmente atuando no exterior.

Jornalista internacional, diretora de TV, atualmente atuando no exterior.

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