Ontem escrevi um texto em homenagem aos 79 anos de Ney Matogrosso. E várias pessoas comentaram, citando suas músicas preferidas, e eu próprio ouvi várias durante a feitura da postagem. Ney tocava pacas nas rádios, durante os anos 70 e 80. Não era restrito às rádios específicas. Tocava em todas.
Ney era conhecido por seu bom gosto: cantava de tudo, mas quase sempre as canções continham arranjos elaborados, com uma boa tessitura harmônica e letras de excelência. E tocavam. Sem precisar googlar, cito aqui algumas, de orelhada: Tigresa. Não existe pecado do lado de baixo do Equador. Bandido. Seu tipo. Balada do Louco. Poema.
Ney é só um exemplo clássico, classicíssimo, da música que era consumida há uns trinta anos. Como outros tantos. Vocês devem lembrar de uma penca deles. Angela Ro Ro, Vinicius Cantuária, Belchior, Zé Ramalho e Luiz Melodia. O Clube da Esquina todo. Clara Nune,. João Nogueira, Ednardo Fagnere João Gilberto.
No entanto, a julgar pelo padrão que ouvimos hoje, de “rabas” e “brabas”, parece que esses caras tocavam no rádio na época em que nossos ancestrais ergueram os traseiros peludos do capinzal da savana e olharam em volta para ver se escapavam de virar brunch de leões gulosos.
O processo de erosão do cardápio musical oferecido ao povo brasileiro pode ser expandido para a cultura como um todo.
Se, na mesma época citada, as pessoas liam Machado de Assis, Guimarães Rosa e Nelson Rodrigues, para citar só três nomes, hoje leem – quando leem – “obras” de personalidades midiáticas, crônicas de astros globais ou análises políticas de humoristas. O cenário é de pobreza extrema. Um deserto de ideias, como disse alguém.
Alguns desertos surgem naturalmente. Outros, por ação do homem.
Alguém tem dúvidas sobre os responsáveis pela desertificação da nossa cultura?
Professor e historiador como profissão – mas um cara que escreve com (o) paixão.